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2012-03-11

SOUTO DA CASA (Real) - Origem Toponímica.


Souto da Casa


História
       A origem do Souto da Casa, uma pequena aldeia do concelho do Fundão que outrora pertenceu ao concelho de São Vicente da Beira, situada na vertente Norte da Serra da Gardunha, é para nós um enigma, assim como o surgimento do seu topónimo. Da sua fundação quase nada sabemos, a não ser que já existiria por aqui alguma população no reinado de D. João I (1357-1433). 
       O seu orago é de São Pedro e curiosamente foi a primeira paróquia do actual concelho do Fundão a proceder aos registos de baptismo e de casamento a partir de 1563, com duas ou três décadas de avanço sobre todas as outras freguesias do concelho, juntamente com Freixial dos Potes (ou da Loiça), que nesta época lhe estava anexa. 
Souto da Casa, Igreja Matriz.
       Provavelmente, e à semelhança de várias povoações desta região, terá sido antecedida de outros lugarejos implantados entre as penedias da serra (castros lusitanos?), cuja incómoda situação, aliada à pacificação dos tempos que já não requeriam tantos cuidados defensivos, acabaram por descer para lugares mais aprazíveis e próximos de melhores solos e recursos hídricos. Terá sido esta a origem dos povoadores desta simpática aldeia.
       Quanto ao nome Gardunha, ou Guardunha como também já se grafou, as opiniões divergem. Uma das primitivas designações era de Ocaia, como é designada parte desta serra nos forais mais antigos (Foral de Castelo Novo, 1195; Foral de Alpreade (Castelo Novo, 1202). A actual designação de Gardunha deriva da palavra árabe guarda/refúgio, nome tirado do facto de ter servido de refúgio a grande parte da população visigoda da cidade de Idanha (actual Idanha-a-Velha), para aqui fugida após a ocupação pelos invasores árabes em 713 com o possível intuito de nestes alcantilados relevos vir a oferecer resistência, à semelhança do que mais tarde viria a fazer Pelágio nas montanhas das Astúrias em 718.
Alguns dos herdeiros deste indómito povo visigodo, à mistura com os já longínquos descendentes dos anteriores castros lusitanos que por aqui havia (Taporos?), estarão na primitiva origem do caldeirão genético que produziu este povo que se reivindica de ser feito “da rama do castanheiro”.

O Souto da Gardunha
 Quanto ao topónimo, conhecemos as várias teses do seu aparecimento, porém estas explicações carecem de outros fundamentos.
Resumindo as interpretações que se afiguram mais credíveis à maioria das pessoas, segundo a tradição corrente, deve-se a origem desta terra ao facto de 
«…logo após o início da produção de castanha oriunda dos enormes soutos, surgiu uma casa agrícola com algum poder económico que logo se tornou um pólo de convergência para Povo que tanto necessitava de meios de subsistência. Deste modo, as pessoas que afluíam diariamente àquela casa para o desempenho da sua actividade laboral, passaram a referir que iam para a “casa do souto”. Mais tarde, certamente para evitar economia de tempo e de meios nas suas constantes deslocações, começaram a radicar-se à volta daquela casa.»

        Esta é a explicação “oficial” que vem mencionada no site da Junta de Freguesia do Souto da Casa. 
        Estarão correctas estas presunções? Talvez, em parte, mas com algumas achegas complementares...

Souto
     Os citados soutos, hoje quase inexistentes, tinham árvores que chegam a ultrapassar várias centenas de anos (excepcionalmente podiam durar mil anos), e vieram substituir com alguma vantagem parte dos carvalhos aí existentes, por estarem melhor adaptados aos solos e ao frio desta região. Estes soutos começaram a ser dizimados a partir de 1820 pela «praga da doença da tinta», causando uma das grandes crises económicas desta região.
  A economia local tirava desta floresta os principais meios de subsistência: os pastos onde o gado se alimentava das ervas e da abundante folhagem; o mato para fazer a cama aos animais e posteriormente o estrume para a fertilização das terras; lenha e carvão para combustível nos fornos e lareiras; as madeiras para construção das casas de habitação, mobiliário e alfaias agrícolas; o importante e abundante esparto (planta poácea) utilizado para fazer tapetes, vassouras, cordas, pequenas cestas, e por fim as seiras utilizadas para colocar a massa de azeitona (escapachar) em posição de ser espremida nas então usuais prensas de varas.
Castanheiro centenário da Gardunha.
       De todos estes produtos que o souto produzia em abundância, e do qual dependiam os povoados limítrofes, a CASTANHA era a rainha, pois tinha diversas aplicações alimentares. Seca em fumeiros (pilada), conservava-se por longos períodos de tempo e foi uma das bases da alimentação dos mais pobres em períodos de carência de outros alimentos, quando as restantes culturas se perdiam. Desta fazia-se uns magníficos caldos de leite ou de vinho, conforme o gosto e a idade dos destinatários.



O Topónimo
        A corte de D. Dinis, o Rei Lavrador, era itinerante e na sua azáfama guerreira e administrativa também passou pelo território da actual Beira Interior onde reconstruiu ou edificou alguns castelos, redistribuiu terras, promoveu a agricultura e fundou várias comunidades rurais assim como criou mercados e feiras francas; não perdendo de vista o intuito de aqui fixar população e aliviar-lhe a pobreza ancestral que nesta época era endémica. A carência de meios deste território pode ser ilustrada por uma lenda da época: foi um pouco mais a norte, no pátio do castelo da vila do Sabugal que segundo reza a tradição, aconteceu o famoso milagre das rosas tendo como protagonistas a Rainha Isabel, e o rei D. Dinis[1].
Souto da Casa
    O grande souto da Serra da Gardunha, segundo se deduz de alguma documentação medieval, foi plantado pelo Rei D. Dinis (1261-1325) em parte do terreno mais acidentado e pouco povoado desta serra, tendo chegado a ocupar uma faixa de 14 quilómetros de extensão.
     É sabido que nas inquirições de D. João I (1357-1433), mandadas fazer cerca de um século depois (por Provisão de 4-XI-1395) para demarcar este reguengo – terra incorporada no património real, pertença da Coroa ou da Casa Real –, «e outrosy [de] outras herdades se as El Rey hy avia», vêm referenciados vários topónimos relacionados com a área ocupada por estes soutos, tais como o Souto do Alcambar (Fundão) ou Souto de El-Rei (Tombo da Comarca da Beira, 1395).  
  À semelhança do que aconteceu noutros territórios do reino, parte das terras maninhas (incultas, sem dono) da Serra da Gardunha, foram mandadas arborizar pela Coroa, e passaram a constituir um reguengo.
Castanheiro
     Com o decorrer dos séculos, muitas destas terras foram paulatinamente subtraídas à sua posse original, tornando-se deste modo baldios ou logradouros comuns das comunidades que viviam à sua volta, ou apropriadas por senhores influentes. Isto terá resultado do jogo de interesses das diversas classes dominantes, assim como da impossibilidade de se administrar cabalmente todo um imenso património. Esta alienação era muitas vezes feita através de aforamentos ou emprazamentos à Igreja, às diversas confrarias religiosas; assim como pela sua apropriação indevida por casas senhoriais que, no caso vertente, não parece ter acontecido por estas paragens.
     Circundando este imenso património vegetal, já se tinham estabelecido algumas populações que vinham desenvolvendo as suas actividades económicas em simbiose com a Serra da Gardunha: falamos de São Vicente da Beira, Alcongosta, Alpedrinha e Castelo Novo, etc.
     Obviamente que a administração deste património florestal da Coroa (o Souto de El-Rei), dependia de diversos funcionários régios com as funções de couteiros ou mateiros, todos eles submetidos a um monteiro ou guada-mor à semelhança do que aconteceu no Pinhal de Leiria. Estes funcionários régios geriam o corte de madeira, a caça, o pastoreio, a amanho da terra, assim como administravam a fruição de todo este bem inestimável para a população local, evitando que estas terras viessem a ser subtraídos ao património real, como mais tarde veio a suceder.
    Devido aos desmandos e atropelos na exploração deste tipo de riqueza, o rei D. Fernando I (1345-1383), criou no século XIV o cargo de monteiro para a administração da caça nas matas reais, cujas funções se estendiam à vigilância do corte de madeira a todo aquele que não for morador ou lavrador de terras próximas.
     Para o estabelecimento destes oficiais administrativos do Souto de El-Rei, certamente exteriores às comunidades locais, terão sido edificadas em diversos locais da periferia desta mata, algumas granjas de apoio e modestas casas para sua residência. 
     Estas habitações, em confronto com as poucas choças de pastores e camponeses pobres que por aqui abundariam no fim da Idade Média, despertavam a admiração das populações locais que, pouco a pouco, se foram fixando nas suas imediações.
     Terá sido uma destas casas, destinada a algum serventuário da Coroa com relevo na hierarquia administrativa deste Souto (couteiro, mateiro, guarda-mor?), que certamente residiu por aqui, que veio dar origem à Casa do Souto, que veio originar o topónimo Souto da Casa, talvez com o significado hoje perdido de Souto da Coroa ou, se assim o quiserem Souto da Casa Real.
Com muito orgulho.
Um filho da “rama do castanheiro
          
           JT
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Apêndice:

Souto d’El Rei

Tombo da Comarca da Beira/Inquirição de D. João I, feita no Fundão,... elaborada em virtude de uma provisão régia de 1395, contém o traslado de forais e de direitos reais relativo” a várias terras, como Covilhã e seu termo.

     - Outrosy o dicto Roj perez chegou do fundom termo de couilhaa para saber e enquerer que erdades e direitos o dicto Senhor auia no dicto lugar e pera esto chegarom a elo presentes Gil Martinz juiz delegado em logo de Gonçale annes juiz em couilhaa e outosy viçente vaasquez procurador e vereadores de suso nomeados e giral perez e Rodidaluarez tabaliaes dessa mesma outrosy fez perante sy vjr viçente annes e Martim Afomso juízes do dicto logo do fundom E outrosy Joham Lourenço manposteyro do souto del Rey que chamam o souto do alcanbar da merçee e outro sy afonse annes e fernam dominguiz moradores no sobredicto logo e outrosy viçente anes frade da terçeira ordem morador na aldeya de Johane outrosy manposteiro do dicto souto dos quaees deu juramento dos sanctos auangelhos que bem e verdadeiramnete lhe disesem per onde partia o dicto souto do alcanbar e outrosy outras herdades se as de El Rey hi auia os quaees diserom pelo dicto juramento que o dicto souto per estes lugares adeante escritos.
- Parte o dicto souto pelo termo do souto da casa pellos castinhejros dos emforcados per onde see huu marco e como se vem per a aldeia de Johane parte com herdade dos Erees de peroboo e dj como vaj ao cortinhal do Ribeiro da azenha e di como parte jndo com souto dafonse annes da aldeia de Johane vjndo pêra o fundom E como parte pelo comaro das vinhas do souto da Ruva E dy como se vay a fonte frija e da dicta fonte como parte pelo souto de domingos de ferro E do dicto souto parte com herdade de domingos setenbris E dy como se vay ao pomar de Martim migez E dy pellos cassaes de visimo E dy como parte jndo dereito aos Abeyros dos picooes E da outra parte pela piçara jndo pelo Ribeiro ariba E dy vaise jndo açima ao monte e parte com a fregissia dalcongosta E dy como se vay dejgreia de sam gees E dj como se torna ao mouynho de Johane annes dalcongosta E dj como se vay pella Ribeira dalba pera hu luzem as augas E dy tornase pela cumiada serra da guardunha como se uem pelo Ribeiro do priono E parte com souto de parçaria E dy como parte com souto dantonio viçente E dy como se torna pelo carualhal de sam bras como parte com herdade dafonse anes menjnho E dy como parte com erdade de lourence annes da aldeia noua E dy como parte com erdade dherees de caluinho E dy como parte com souto que foy de vinas bertolameu E dy como se vaj direito ao souto que foy de Martim Johanes galinheiro E di como parte pelo souto do menjnho E dj parte com souto da eygreja da aldeia de Johanne E dy como se vaj direito ao souto da eygreia do souto da casa E dj como se vay juntar ao dicto marco primeiro escrito E per estas deuisooes he o dicto souto todo demarcado sobre sy sem auendo outros nem huus parte nem quenhom senom El Rey que he todo o dicto souto seu E no qual souto iazem e estam doze mojnhos na Ribeira que vem do alcanbar e destes moinhos som os oito mojnhos reparados e os quatro moinhõ som ribados E destes mojnhos pagam a Ell Rey o foro em cada huu anno v. quarteiros de pam pela medida velha em que monta çento e dez alqueires pela medida noua de çenteeo estes moinhos tragem por pertenças pomares e herdades e pagam por todo o dicto pam e dous capooes em cada huu anno herdeiros de stevam dominguiz dentro em este souto jaz huu casal dell Rey que traz açenço dalcangosta aforado que ha del de pagar o quinto do pam e o quinto das castanhas e do vinho e do linho e dos alhos e çebollas emprestados e huu par de capooes com xx ovos em cada huu anno dentro em este souto do alcanbar jazem herdades e a redor delle que os que procuram o dicto souto por Ell Rey dam a laurar por suas raçooes.
- Outrosy em este souto esta hua Ermjda que chamam Sancta Maria do seixo que hy adificou huu Ermitam que chamam Joham diaz e sem autoridade dell Rey que pera ele ouuese dom frey vaasco bispo da guarda du a dicta Ermida a huu clerigo e por quanto a dicta eygreja esta no limite dell Rey o dicto Roy perez fez em ella tomada pêra Ell Rey pera dar padroado dela a quem sua merçee for.
- outrosy em este souto de suso dicto iaz hua coyrela que traz fernam dominguiz da leuada e paga dela a ell Rey o quinto das castanhas e huu par de capooes em cada huu anno.
- Outrosy tragem herees de Martim afonso hua coyrela no dicto souto de que pagam o quinto das castanhas e huu capom em cada huu anno. 
_____

Cf.    Miguel Nuno Peixoto de Carvalho Dias e Maria do Céu Jordão Morais Carvalho Dia, Covilhã - Subsídios
         para a sua História»,
         In http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2012/12/covilha-os-tombos-iii.html



[1]    Na versão mais antiga deste milagre "levava uma vez a Rainha santa moedas no regaço para dar aos pobres (...) Encontrando-a el-Rei lhe perguntou o que levava,(...) ela disse, levo aqui rosas. E rosas viu el-Rei não sendo tempo delas" (Frei Marcos de Lisboa, Crónica dos Frades Menores, 1562).

2012-02-24

Cristóvão de Lemos Coutinho Correia Barreto Coellho (c.1831) - Fundão.


Cristóvão de Lemos Coutinho Correia Barreto Coelho (c. 1831)
1.º- CORREIA; 2.º- COELHO; 3.º- BARRETO.
Museu Arqueológico José Monteiro (Reserva) - Fundão.


               Brasão de:    Cristóvão de Lemos Coutinho Correia Barreto Coelho (c. 1831).
               Forma:           Escudo boleado com o chefe de linhas concavas, terciado em Mantel: o 1.º de
                                      CORREIA – em campo ouro, fretado de correias vermelhas, repassadas umas
                                      por outras de seis peças (mal representadas quanto ao seu número); o 2.º de
                                      COELHO – de ouro, leão de púrpura, armado e lampassado de vermelho,
                                      carregado de três faixas xadrezadas de azul e de ouro, com bordadura de
                                      azul, carregada de conco coelhos de prata (aqui sete); e o 3.º de BARRETO – de
                                      prata, semeado de arminhos negros (mal representados).
               Elmo:             Desaparecido?
               Paquife:         Palmas.
               Data:              Século XIX (1.º quartel)?
               Local:             Museu Arqueológico José Monteiro (Reserva), Fundão.


Brasão
      Esta pedra de armas, juntamente com a armas da Casa do Serrão[1], e da Casa Nogueira de Andrade[2], foi uma das representações heráldicas que mais tempo resistiu às nossas tentativas de atribuição, com a qual concluímos um dos três maiores enigmas heráldicos do concelho do Fundão.

     Faz parte das colecções do Museu Arqueológico José Monteiro do Fundão (Reserva). O antigo catálogo deste museu com o título «Pequena História de um Museu» (Fundão, 1978), apresenta a sua reprodução fotográfica (Fig. 88, p.101) acompanhada da seguinte legenda que agora sabemos estar incorrecta: «Pedra de armas da família Correia, Coelhos e Veigas de Nápoles».

     De influência barroca, esta pedra de armas está incompleta, muito provavelmente por ter sido danificada quando foi apeada da respectiva fachada. O campo do escudo é terciado em mantel; um tipo de partição bastante raro em Portugal, sendo mais comum em Espanha e na França. Observa-se a hipotética e estilizada representação do gorjal que serviria de apoio a um elmo, o qual parece ter-se partido.

O Detentor do Brasão
      A sua atribuição foi feita por mero acaso, aquando da leitura de um documento sobre à história fundanense no qual fomos encontrar um vereador com a mesma sequência dos três últimos apelidos que figuram na partição deste brasão: CORREIA, COELHO e BARRETO.

       O citado documento é uma «Certidão do Auto de Câmara Geral», referente à reunião de 31-VIII-1831 na qual participaram cerca de 220 cidadãos do concelho do Fundão. Consta do Livro dos Autos de Vereações e vem transcrita no jornal oficial da época a «Gazeta de Lisboa» (n.º 54, 3-III-1832, pp. 275-277).

        Os participantes deste evento declaram-se incondicionais apoiantes do Rei D. Miguel I e expressam estar «dispostos a defender e sustentar a indisputável Legitimidade com que Vossa Magestade Occupa tão gloriosamente o Throno Português», assim como «põem a disposição do Governo de Vossa Magestade suas pessoas, bens, e faculdades».

       Esta assembleia das forças vivas do Fundão é certamente uma resposta local às ameaças que vinham sendo feitas pela oposição Liberal então concentrada na ilha Terceira, nos Açores, com planos para a  invasão e tomada do poder em Lisboa.
         
        A citada proclamação de lealdade, é feita e assinada pelo juiz de fora, vereadores, procuradores, clero, nobreza, povo, juízes de vintena e regedores das diversa aldeias, assim como homens bons do concelho: certamente muitos deles por convicção, e outros por calculismo para ficarem ao abrigo de perseguições futuras.

         O terceiro subscritor deste documento é o vereador CRISTÓVÃO DE LEMOS COUTINHO CORREIA BARRETO COELHO (c. 1831) que, ao encabeçar um lugar de destaque nesta lista de apoiantes, revela ter tido algum relevo na dedicação à causa do miguelismo, o que certamente lhe viria a trazer futuros dissabores com a queda dos partidários da legitimidade do rei D. Miguel I.

       Sucede que esta personagem sempre figurou na história local com o nome abreviado de Capitão CRISTÓVÃO DE LEMOS COUTINHO. Foi este facto que nos dificultou, até agora, a identificação da citada pedra de armas, caso não aparecesse esta listagem com o seu nome completo.

       Muitas interrogações ficam no ar quanto ao enigma do uso destes três apelidos (Correia, Barreto, Coelho) nesta ocasião, os quais constam da pedra de armas em apreço.


«GL», n.º 54, p.273, 3-III-1832.
«GL», n.º 54, p.273, 3-III-1832.








«GL», n.º 54, p.275, 3-III-1832.
«GL», n.º 54, p.276, 3-III-1832.


















    

   

                                 
Santo Ofício, Habilitações,
Pe. Dr. Crostóvão Correia Barreto.
(1693)
        CRISTÓVÃO DE LEMOS COUTINHO CORREIA BARRETO COELHO (c. 1831) foi capitão de ordenanças e vereador na Câmara do Fundão em 1828 (regência de D. Miguel), 1831, e 1832/33 (reinado de D. Miguel), já falecido em Outubro de 1836 quando a sua irmã Josefa morreu. Sabemos que morou em Alcongosta, mas não conseguimos apurar quais eram os seus progenitores, o seu estado civil, assim como não sabemos de deixou descendência. 
Ao certo apenas ficamos a saber, pelo Livro de registo de Óbitos do Fundão (1798-1840), que teve uma irmã de nome JOSEFA DE LEMOS COUTINHO (1760?-1836), falecida de “febre catarral” (bronquite, ou tuberculose?) a 7-X-1836 no Fundão quando contava 76 anos e já era viúva de Martinho José da Costa, filho de Manuel da Costa, tendo recebido sepultura na capela de Nossa senhora da Conceição. Fez testamento, no qual deixou o encargo de 145 missas por sua alma dos seus antepassados, entre os quais destacamos este seu irmão Cristóvão; os seus tios Domingos, Manuel, e João de Lemos; assim como o seus avós Manuel de Morais Sarmento, e Bartolomeu Pires. 

        Esta família, aparentemente caiu no esquecimento, ao qual não terá sido alheio o triunfo da causa do liberalismo. Não sabemos se abandonaram esta vila, à semelhança do que aconteceu com outras que foram perseguidas por servirem a causa do Rei D. Miguel I.
    Sabemos ter havido por estas bandas pessoas cujos apelidos podem indiciar algum parentesco[3].

      Senão vejamos:
     No «Livro para óbitos na freguesia do Fundão em 1866» (Arquivo Distrital de Castelo Branco, PFND18/3/Liv08O Mç 49), fomos encontra o assento do falecimento de BERNARDETE DE LEMOS COUTINHO (1858?-1866), de “oito anos e oito meses” de idade que morreu a 22-VIII-1866 na Rua da Corredoura (actual Rua Dr. José Germano da Cunha), filha de JOSÉ DE LEMOS FREIXO e de D. BERNARDA DE LEMOS COUTINHO BARRETO. Porém, não conseguimos apurar o grau de parentesco destes com Cristóvão de Lemos.
      Destes prováveis parentes encontramos, quase um século antes, o Padre Dr. CRISTÓVÃO CORREIA BARRETO (f. 1731), clérigo do hábito de São Pedro, natural da Covilhã, o qual também foi morador em Alcongosta, terra onde veio a falecer a 13-III-1731, com testamento cujo teor desconhecemos. Dele ficamos a saber, por uma habilitação que este sacerdote fez no ano de 1693 para o Santo Ofício, que era filho de GASPAR CORREIA BARRETO, natural da Covilhã onde foi provedor da Santa Casa da Misericórdia (1665-1666), e de D. MARIANA DE AGUILLAR, natural da Covilhã; pelo lado paterno, era neto de CRISTÓVÃO PROENÇA DA FONSECA (c. 1600), natural da Guarda, falecido na Quinta do Ortigal, freguesia do Telhado, concelho da Guarda, e de sua mulher D. CATARINA MENDES CORRÊA,, natural de Beja; e pelo lado materno, neto de CUSTÓDIO DE AGUILLAR DE SOUSA e de D. ANA DE FORTES[4].
 

Telhado, Quinta do Ortigal,
com pedra de armas dos PROENÇA.
     Recuando no tempo, vamos encontrar um JOSÉ COUTINHO (f. 1771), capitão de ordenanças em 1757, falecido no Fundão a 20-VII-1771, o qual foi casado em Alcongosta com D. MARIA DE LEMOS (f. 1784), também falecida no Fundão a 22-VIII-1784. Poderá estar neste casal a progenitura do nosso Cristóvão de Lemos Coutinho (como indiciam os seus apelidos e o casamento de seus pais em Alcongosta), entretanto armigerado (?), e por essa via acrescentando ao seu nome de baptismo os apelidos CORREIA, BARRETO, e COELHO, recuperados de antepassados mais longínquos.

    Outra hipótese de parentesco em relação aos apelido de LEMOS, COUTINHO e BARRETO que usou, parece ter origem nos senhores da Quinta do Ortigal, mais precisamente em JOSÉ DIOGO DA FONSECA COUTINHO (n. 1733), nascido na Covilhã a 2-VIII-1733, senhor do Ortigal em 1753, casado a 10-II-1754 com sua prima D. JOSEFA BERNARDA CORTE-REAL, o qual era filho de LUÍS DE LEMOS COUTINHO (1666-1743), senhor da Quinta do Ortigal, e de sua mulher e prima D. BRÍZIDA TERESA BARRETO DE SOUSA, natural da Lardosa [5].

Deixamos aqui registo dos elementos apurados sobre este enigmático cidadão fundanense, possibilitando, deste modo, a outros investigadores mais afortunados o aclarar do que aqui reportamos.

      ________________

Notas:

[1]   Cf. João Trigueiros, «A casa e o brasão de Gonçalo Serrão de Azevedo – Atribuição inédita de um Brasão», Jornal do Fundão, Fundão, 2002-VIII-23, p. 42.
[2]   Cf. João Trigueiros, «Casa Nogueira de Andrade», Ebvrobriga, n.º 5, Museu Arqueológico José Monteiro, Fundão, pp. 69-80.
[3]   Muita da informação relativa aos seus presumíveis parentes foi-nos cedida pelo Doutor Joaquim Candeias da Silva, notável investigador da historia local que nunca nos recusou a sua colaboração e ao qual prestamos aqui o nosso tributo de gratidão. Deixamos apenas um lamento, referente à sua obra «Concelho do Fundão – História e Arte» (Vol. II), que há vários anos aguarda oportunidade de ser editada pela CMF, sem que tal se concretize.
[4]   IAN/TT, Santo Ofício, Conselho Geral, Habilitações incompletas, doc. 1151.
[5]   Cf. FALCÃO, Armando de Sacadura, Freires Corte-Reais, Lisboa, Universitária Editora, 2000, p.174.

2012-01-30

LEITÕES - Beira Interior (Generalidades).

LEITÃO
                                                                            
                                        Forma:     Escudo português. Em campo de prata, três faixas
                                                         de vermelho.
                                       Timbre:     Leitão passante de prata, carregado de um filete
                                                         vermelho em faixa.


       A família LEITÃO, segundo o grande linhagista Conde D. Pedro  ̶  D. Pedro Afonso (1287-1354 )   ̶ , parece proceder de D. GUEDA «O VELHO» (c. 1096?), rico-homem que acompanhou o conde D. Henrique quando este veio tomar posse do Condado Portucalense e era originário de uma grande estirpe de Toledo que procedia do rei visigodo Chindasvinto que reinou de 642-653 e tinha fama de sábio legislador. Deste descendem vários ramos desta família, os quais tomaram diferentes apelidos.
       
      Alguns destes viveram em Lodares, concelho de Lousada, tendo acrescentado ao nome o apelido LEITÃO.
      O primeiro que conhecemos foi MARTINS PIRES LEITÃOfidalgo principal e senhor de Lodares, do morgado de Cidoros e do padroado da Igreja de Santa Marinha no termo de Barcelos (filho de Pedro Martins de Lodares  e de sua mulher D. Sancha Pires de Valdomar), casado com D. TERESA RODRIGUES DE URRÔ (f. 1317), da qual teve cinco filhos que propagaram e multiplicaram este apelido até aos nossos dias.
      Vários ramos desta família criaram raízes no centro do país, nomeadamente na Beira Interior onde proliferaram com sucesso, deles havendo importantes núcleos de dispersão, a partir de meados do século XVI, na Sertã, em Vila de Rei, em Oleiros, em Pedrógão Grande, na Idanha-a-Nova, em São Vicente da Beira, em Castelo Novo, terras onde instituíram diversos morgados. São, em toda a Cova da Beira, um apelido muito generalizado devido à sua grande antiguidade.

      Destes destacamos um AFONSO VAZ LEITÃO, 5.º neto do anteriormente mencionado MARTINS PIRES LEITÃO (séc. XIV) de Lodares, que foi cavaleiro de D. João I e alcaide-mor de Idanha-a-Nova, do qual se desconhece o nome da sua mulher que lhe deu quatro filhos que serviram os reis D. João I e D. Duarte, e continuaram o apelido. A sua descendência serviu nos ofícios de Alcaide, Escrivão da Câmara e na Alfandega de Idanha-a-Nova onde viveram. Estes viriam a ligar-se às mais ilustres famílias da Beira Interior, tais como: os Sousa Refóios, antepassados da Casa da Graciosa (Idanha-a-Nova); à Casa da Borralha, que tem a varonia dos Leitão, descendentes de MARTINS PIRES LEITÃO (Borralha, Sertã e São Vicente da Beira); à Casa Tudela Castilho (Praça Velha, Fundão); à Casa Feio de Andrade (Largo da Igreja, Fundão), à Casa dos Brito Homem (Alpedrinha); aos Taborda (Fundão e Alpedrinha); à Casa dos Alvaiázere (Aldeia Nova do Cabo); aos Caldeira (Alpedrinha); à Casa do Morgado de São Nicolau (Alcongosta); á Casa dos Leitões, de Silvestre Fernandes Leitão (Castelo Novo); à dos Achiolli da Fonseca (Oledo e Castelo Branco), e dos Trigueiros Frazão (Salgueiro e Quintãs), entre muitas outras da Beira Interior.

      Fomos encontrar uma vergôntea do ramo da Idanha-a-Nova fixada em São Vicente da Beira: é PEDRO LEITÃO neto do já mencionado AFONSO VAZ LEITÃO que serviu em África os reis D. Afonso V e D. João II, pelo que teve a comenda de São Vicente da Beira e foi casado com D. CATARINA GONÇALVES da qual teve seis filhos. Parte desta descendência veio a espalhar-se pelas diversas aldeias do então concelho de São Vicente da Beira, no qual se incluía em épocas recuadas grande parte da actual Cova da Beira onde este apelido se tornou dos mais comuns devido à sua antiguidade.
     O filho primogénito deste casal foi BARTOLOMEU VAZ LEITÃO foi casado com D. ISABEL FERNANDES MAGRO, da qual teve: GASPAR VAZ LEITÃO, prior em São Vicente da Beira; CRISTÓVÃO VAZ MAGRO; FAGUNDA VAZ LEITÃO; e D. CATARINA VAZ LEITÃO, da Soalheira. Hipoteticamente poderá estar neste ramo o antepassado da família LEITÃO do Souto da Casa, concelho do Fundão, a qual usou por mais de uma vez o nome de baptismo Bartolomeu.

        Tal como os aparentemente muito comuns apelidos dos PROENÇA, e dos OLIVEIRA, o apelido LEITÃO e o sangue herdado de D. GUEDA «O VELHO», companheiro de armas do Conde D. Henrique, continua a circular nas veias de grande parte da população da Beira.

2012-01-29

OLIVEIRAS - Souto da Casa, Fundão (Generalidades).


OLIVEIRA

                             Forma:      Escudo português. Em campo vermelho uma oliveira de verde,
                                               arrancada de prata e frutada de ouro.
                            Timbre:      A oliveira do escudo.


Este apelido bastante comum em toda a Beira Interior espalhou-se por todo o concelho do Fundão onde é conhecidos desde os alvores do século XIV, ligando-se à quase totalidade das linhagens das diversas casas solarenga mais antigas, nelas espalhando as suas vergônteas até aos nossos dias. Esta família é uma das principais famílias fundadoras deste concelho.

Os OLIVEIRAS eram originários da freguesia de Santa Maria de Oliveira, termo de Arcos de Valdevez, onde tinham o seu paço no qual provavelmente terá nascido de Pedro Oliveira, 1.º senhor do Morgado de Oliveira (fundado em 1306), o qual era um dos mais antigos de Portugal e veio posteriormente ter a sua sede no Alentejo.
No concelho do Fundão este apelido é bastante comum devido à sua antiguidade, e a sua hipotética origem está nas contíguas freguesias de Aldeia de Joanes e de Aldeia Nova do Cabo.

         Um dos primeiros desta família, conhecido nesta região nos primórdios do século XVI, foi Pedro de Oliveira de Proença, 10.º neto de Rui Martins de Oliveira, do tronco dos Oliveira, o qual casou com ANA DE PROENÇA, irmã de BELCHIOR PROENÇA, moradores no Freixial. Foram pais de GASPAR PROENÇA casado com sua parente D. ANA DE OLIVEIRA, herdeira do Morgado das Grangeas em Aldeia Nova do Cabo, filha de DIOGO PAIS DA CUNHA (f. 1575) e de D. MARIA VAZ (f. 1549), os quais tiveram filhos que deixaram numerosa prole que esteve na origem Oliveiras que se espalharam nesta região.
          Alguns deles tiveram Carta de Brasão de Armas e ligaram-se por casamentos às mais ilustres famílias, das quais destacamos as casas de Sarnadas (Condes de Tondela), do Outeiro (Condes de Idanha-a-Nova), do Morgado de São Nicolau (Alcongosta), dos Geraldes de Melo (Idanha-a-Nova e Aldeia Nova do Cabo), do Terreiro (Aldeia Nova do Cabo), dos Figueira Castelo Branco (Aldeia Nova do Cabo), dos Nogueira de Andrade (Fundão), dos Oliveira e Cunha (Fundão), dos Tudela Castilho (Fundão), do Salgueiro e das Quintãs (Viscondes do Sardoal), entre muitas outras por toda a Beira Interior.

    Destes OLIVEIRAS destacou-se também nesta época D. BEATRIZ BARREIROS DE OLIVEIRA, supostamente nascida em Aldeia de Joanes, mãe de D. Frei DIOGO GOMES DA SILVA (1485-1541), 1.º Inquisidor Geral de Portugal (1531-1539), desconhecendo-se o nome do seu antepassado Oliveira, assim como a sua origem geográfica, já que os genealogistas e biógrafos do Inquisidor detiveram-se mais nos costados da família SILVA devido à sua proeminência social, pois provinham da velha linhagem da ilustre Casa dos Silvas, família de altos dignitários da corte e dos maiores terratenentes de Portugal cujos extensos domínios se estenderam até Aldeia de Joanes.

O mais antigo Oliveira que encontramos no Souto da Casa foi:

1.   DOMINGOS DE OLIVEIRA (n. 1639), nasceu a 16-I-1639 em Aldeia Nova do Cabo, concelho do Fundão,
     filho de SIMÃO RODRIGUES e de D. MARIA DE OLIVEIRA; neto materno de Baltazar de Oliveira e de sua
     mulher D. Isabel Nunes Proença.
     Casou a 2-XII-1666 no Souto da Casa, Fundão, com D. CATARINA ROSQUILHA, natural de Aldeia Nova do
     Cabo, Fundão, filha MATEUS RODRIGUES ROSQUILHA e de D. MARIA NUNES.
     Tiveram:
     2.   D. MARIA DE OLIVEIRA (n. 1669), que segue abaixo.
     2.   DOMINGOS DE OLIVEIRA (n. 1681), nasceu a 12-IX-1672.
     2.   JOÃO DE OLIVEIRA (n.1681), nasceu a 17-I-1681.

2.    D. MARIA DE OLIVEIRA (n. 1669), nasceu a 29-IX-1669 no Souto da Casa, tendo casado com MATIAS
      FERNANDES LAGARTO, filho de António Fernandes Lagarto, natural do Souto da Casa, e de D. Maria
      Fernandes. Desta família é conhecido outro (?) António Fernandes Lagarto, casado em 1704 com sua
      mulher D. Domingas Vaz, natural de São Vicente da Beira.
     Tiveram:
     3.   MATIAS (n. 1705), nasceu a 26-X-1705 no Souto da Casa, Fundão.
     3.   DOMINGOS (n. 1713), nasceu a 27-XII-1713 no Souto da Casa, Fundão.
     3.   D. MARIA (n. 1718), nasceu a 26-VII-1718 no Souto da Casa, Fundão.
     3.   AGOSTINHO DE OLIVEIRA (n. 1721), que segue.

3.   AGOSTINHO DE OLIVEIRA (n. 1721), nasceu a 5-V-1721 no Souto da Casa, Fundão, tendo casado com
     D. MARIA PINHEIRO.
     Tiveram:
     4.   JOSÉ DE OLIVEIRA, o qual casou com D. JACINTA MARIA, filha de António  Assunção e de D. Ana
          Maria. Estes tiveram geração que propagou este apelido até aos nossos dias.


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Apêndice:


As Terras de Oliveira

                                                                                           Se queres compreender qualquer coisa, 
                                                                                           observa o seu ínicio e o seu desenvolvimento
                                                                                                                                             Aristóteles
Texto gentilmente cedido por
António Coutinho Coelho
                                                          

      No Dicionário de Américo Leal encontramos mais de 300 lugares com o nome de Oliveira, no território português, embora os possamos encontrar igualmente na Galiza. São, essencialmente,  pequenos lugares mas também vilas e cidades como Oliveira de Azeméis, Oliveira de Frades, Oliveira do Bairro, ou Oliveira do Hospital.

     "Oliveira", com variações de grafia, como Olveira, Ulveira, ou Ovar, é um topónimo cuja origem se associa à existência de um pântano ou de zona alagada. Uma "Ulveria", deriva do latim ulvaria, solo pantanoso, terra de lameiro (local onde abunda a ulva, alga palustre), nada tendo a ver com a árvore cujo fruto é a azeitona. Ulva (Linnaeus 1753) e Ulvaria (Ruprecht 1850)  são dois géneros distintos de algas verdes da família Ulvaceae. As terras de Oliveira, com efeito, estendem-se ao longo da bacia hidrográfica do Vouga, uma bacia entre grandes serras, de um lado o Caramulo, o Karmel, a montanha dos canaanitas e hebreus, e do outro a Gralheira, e que na sua parte mais baixa se sabe ter já existido um lago, que terá sido a ulveria ou ulveira. Oliveira passou a ser o modo mais fácil e generalizado de pronunciar ulveira ou ulveria.

     O rio Vouga era, em tempos antigos, navegável em grande extensão e conhecido de fenícios e púnicos. Aí se desenvolveram férteis terrenos agrícolas, o que se traduziu desde tempos muito antigos numa significativa densidade populacional. Com um clima temperado, de características quase mediterrânicas, poderemos até aí observar extensos e magníficos laranjais.

     O primeiro documento (que se conhece) a dar notícia da existência das terras de Oliveira tem data de 922, e faz parte da doação do rei Ordonho II, de Leão, ao bispo Gomado, de várias terras ao Mosteiro de Crestuma (Castro de Uíma): ” E a Vila de Oliveira, com a sua igreja de São Miguel com seus direitos e aumentos”. Sabe-se também da doação do antigo Couto de Ulveira feita por D. Afonso Henriques aos monges de Santa Cruz de Coimbra, em 1169 (Cf. Foral de Oliveira de Frades - Arquivo Nacional da Torre do Tombo, livro 3, maço 12, dos Forais Antigos, fls. 69-verso).

     Sendo a terra rica, haveria de ter necessidade de escoar os seus produtos. A feira surge, assim, como inevitável e nada melhor para a sua localização que a antiga estrada romana que de Conimbriga se dirigia a Cale. E, talvez em 910, com Afonso III, de Leão, surge num cabeço, onde terá existido um santuário tribal, junto ao entroncamento com a estrada para Viseu, uma das mais antigas feiras do território, que hoje é Portugal: a feira de Santa Maria (Cf. José Mattoso – A Terra de Santa Maria na Idade Média, ed. Castelo da Feira, 1993). E como onde surgiam feiras sempre surgiam judeus, que prestes aí se instalavam, fazendo valer os seus excelentes dotes de mercadores e comerciantes. Pouco mais tarde, surge outra feira, igualmente importante, em Trancoso, logo adiante da nascente do Vouga, na Serra da Lapa, em Sernancelhe.

      São Miguel, o patrono de Israel é o patrono e orago das ricas terras de Oliveira, o que é usual em terras de cristãos-novos: “Naquele tempo levantar-se-á Mihael, o grande príncipe celestial, o patrono dos filhos do teu povo” (Daniel: 12-1).
     Junto a Romariz encontramos a povoação de Goim. Goy (do hebraico גוי, plural goyim גויים) é a transliteração da palavra hebraica para nação ou povo, também utilizado pela comunidade judaica para se referir aos não judeus, ou gentios. E os gentios destas terras elegeram como seu doce preferido, a fogaça, que nada mais é que uma adaptação do chalat, o pão da bênção do Shabat judaico.

     O rio Vouga que une as terras dos interiores com as terras de fronteiras permeáveis ao mar. Terras onde existem as tais Naves, as “nawes cannanitas”, que seriam as pastagens de um povo, em grande parte dependente do pastoreio. Naves que vão desde o planalto da Nave até às naves de Trancoso ou Sabugal e Almeida, e até essa curiosa Nave de Santo António, na Estrela, em que se consagram as pastagens a Santo Antão, padroeiro dos pastores. Santo António será, como em tantos outros locais, a “cristianização” de um santo egípcio que lembrava mais Athon, que o santo eremita. E tantas outras marcas canaanitas. Rio que segundo parece, os fenícios tanto navegaram. E o barco moliceiro que tantas marcas fenícias tem…
Nomes que perduraram até hoje, pois aos diversos colonizadores, o que menos interessava era o nome dos rios, das terras, das aldeias. Mudá-los para quê? Os nomes dos sítios são estáveis como as sociedades que os utilizam, e insubstituíveis porque são referências indispensáveis à vida quotidiana.
     Por todas estas terras de Oliveira, a fogaça, o folar, a broa de pão de ló como dizem em Ovar, os caladinhos, que se fazem pela Páscoa, sem fermento e sem leite, porque não podem os Judeus comer carne e leite na mesma refeição. “Não comerás o cabrito com o leite de sua mãe” (Deut: 14-21).