2019-07-21

Covilhã – Praça do Município (Pelourinho) / Rua do Norte: Pedra de Armas de Portugal (Séc. XVIII).



ARMAS DE PORTUGAL,
Covilhã, Rua do Norte, n.º 6.


Estas armas de Portugal estão encastradas num portal situado na Rua do Norte, n.º 6, junto à Travessa do Postiguinho, – designação tirada de uma pequena porta de acesso ao recinto muralhado medieval – no centro histórico da cidade da Covilhã.
Covilhã, Rua do Norte, n.º 6.
(acesso traseiro ao terraço/cobertura do Teatro-Cine
da Covilhã)
A sua existência, que até então ignorávamos, deve-se à sua localização num beco que passa desapercebido à maioria dos covilhanenses.

Este portal moderno (1950?), enigmaticamente armoriado com esta pedra de armas do século XVIII, dá acesso pelas traseiras ao terraço/cobertura do Teatro-Cine da Covilhã, um edifício implantado num terreno muito desnivelado que no rés-do-chão faz gaveto entre a Praça do Município (antigo Pelourinho) e a Rua Rui Faleiro.
Qual será a sua origem? Como foi esta pedra com as Armas de Portugal parar a um edifício de meados do século XX? Esta é a grande interrogação.
Apesar da falta de documentos que esclareçam este aparente imbróglio, a explicação parece simples. Para o efeito, basta observar algumas fotografias do princípio do século passado, e a topografia local, quando o Pelourinho e a antiga Casa da Câmara filipina (1614) ainda aí subsistiam..

Covilhã, Rua do Norte, n.º 6.
Estes brasões de Armas de Portugal, encimados pela coroa real (no regime monárquico), existem aos milhares por todo o país, a marcar edifícios públicos, chafarizes, e diversos monumentos e equipamentos urbanos.
Com o advento da 1.ª República (1910), muitos destes brasões foram apeados ou desapareceram e, em grande parte, a respectivas corroas reais foram obliteradas a escopro e martelo, por sectários do novo regime político que, deste modo, julgavam poder apagar muitos séculos da história pátria.


Em princípio, presumimos que este brasão terá sido recuperado perto do local onde actualmente se encontra, pelo que é necessário apurar as edificações anteriormente aí existentes, as quais ocuparam este espaço contíguo à muralha medieval da cidade, pelo lado exterior.
Constatamos que neste local esteve durante pouco tempo sediado o Hermínio Terrasse – Animatógrafo (1923), logo substituído pelo pelo Teatro Covilhanense (1924), ocupando parte do logradouro do palácio edificado neste local pelo infante D. Luís (1506-1555), senhor da cidade da Covilhã, segundo a tradição que veio até aos nossos dias, difundida por diversos autores, a qual pode não corresponder à realidade, pois este infante, devido ao seu imenso património,  só episodicamente terá habitado esta localidade. Neste caso, o palácio atribuído a D. Luís, eventualmente seria dos alcaides-mores da Covilhã, ao arrepio da tradição oral, o que parece ser o mais provável. Nesta família foi seu primeiro alcaide, na citada cidade, o notável D. Rodrigo de Castro (f. 1543), "o de Monsanto", senhor de Valhelhas e Almendra, ao qual sucedeu um filho. Para estes, sua mulher, D. Isabel Coutinho, fundou duas belas capelas tumulares com estátuas jacentes, para seu panteão familiar. 

«Nas cabeças do cruzeiro desta igreja foram fabricadas duas capelas de abóbada de cantaria e feitas com primor por D. Izabel de Castro e D. Joana de Castro, ambas irmãs, filhas de D. Rodrigo de Castro, chamado de Monsanto, e de D. Maria Coutinho. A que fundou D. Isabel de Castro que é da parte esquerda (…) Tem dois mausoléus sumptuosos, metidos na parede, os quais ela mandou fazer, um para seu marido D. Fernando de Castro, senhor de Santa Cruz de Riba Tâmega, morto pelos mouros em Arzila; outro para seu filho D. Diogo de Castro, alcaide-mor desta vila de Covilhã. Sobre eles ambos está o escudo das armas que são treze arruelas. A outra capela, que fundou D. Joana de Castro, da parte direita do cruzeiro, padeceu tal ruína no tecto que hoje está coberta de telha, posta em toscos caibros e as paredes estão já danificadas e mal compostas. (…) porem, existem nela dois mausoléus nobres como os da outra capela acima, metidos na parede em arcos, que ela mandou fazer para si um e outro para seu marido João Fernandes Cabral, alcaide-mor de Belmonte e senhor de Azurara na Beira. Tem por cima escudo de armas que são seis arruelas e cinco estrelas.» (Blogue “Covilhã – Subsídios para a sua história”)





Infante D. Luís (1506-1555),
6.º senhor da Covilhã.
Covilhã, Palácio de D. Luís (1506-1555) com duas janela manuelinas.













As Armas de Portugal aqui representadas, estão certamente relacionadas com o palácio que aqui houve do 4.º filho do rei D. Manuel I (1469-1521), o infante D. Luís (1506-1555), 5.º duque de Beja, condestável do Reino, fronteiro-mor da comarca Entre Tejo e Guadiana, grão-prior do Crato e da Ordem de Malta, pai do desventurado D. António (1531-1595), também prior do Crato por herança de seu pai e pretendente ao trono. 

 Estas armas estavam em uso desde 1481, e são:
Escudo de prata, carregado de cinco escudetes de azul, postos em cruz de Cristo, cada um carregado por cinco besantes de prata, postos em sautor; bordadura de vermelho carregada de sete castelos de ouro; o escudo encimado por uma coroa real, fechada.

Este infante D. Luís foi 6.º senhor da Covilhã (5-VIII-1527), por confirmação do seu irmão o rei D. João III e, ao contrário de outros antecessores que tiveram este senhorio, para aqui veio residir durante algum tempo pelo que teve necessidade de edificar o seu paço, às portas da então vila da Covilhã.
Paço de D. Luís, desembocando na Rua Rui Faleiro
através Adicionar legenda
Esta sua habitação, chegou já muito degradado aos primeiros anos de Novecentos, mas ainda mantinha duas belas janelas manuelinas.
Junto a ele, pela lado superior da encosta em que estava implantado, havia, na antiga muralha, um postigo que, através de uma longa e ingreme escadaria, daria acesso à actual Rua Rui Faleiro. Nessa rua, desembocaria através de um passadiço em arco, junto ao antigo terreiro da forca – o Pelourinho, actual Praça do Município.
É, sobre a abertura em arco deste passadiço que estava o citado brasão que, deste modo, ainda no século XIX, marcava o acesso ao palácio a partir da Rua Rui Faleiro, junto ao Pelourinho, o novo centro cívico da cidade agora deslocado para fora da muralha medieval.  

Passadiço onde desembocava a escadaria
 do Palácio de D. Luís, com as Armas de Porugal.
Eventualmente, num período mais recuado da história covilhanense, um brasão equivalente (este é do século XVIII) poderá ter estado na parte superior desta escadaria, no próprio palácio, que teria a sua entrada principal virada para o burgo medieval, não muito longe do local onde agora este se encontra o moderno brasão.

Este paço terá sofrido danos no terramoto de 1755 e, durante muito tempo teve os seus muros completamente cobertos de hera, o que lhe valeu o epiteto de Casa da Hera.

Praça do Município (Pelourinho),  em meados de Oitocentos (?),
com o Palácio de D. Luís  completamente coberto por era.
Com a sua destruição e a edificação do Teatro-Cine (1946-1954) junto ao local onde esta estava implantada; optou-se pela integração da pedra de armas em apreço no novo edifício.
Porém, deveria ter-se colocado junto a esta pedra de armas uma placa-memória que mencionasse a sua origem. Assim se preserva a história de uma cidade.


Estas armas, chegaram ao nosso conhecimento através das Dras. Regina Alexandre (técnica superior) e Cristina Caetano (bibliotecária), pessoas com grande dedicação à defesa do património da Cova da Beira, as quais tiveram a amabilidade de me facultar as respectivas fotografias, cujo empenho muito agradeço.

Praça do Município (Pelourinho) com Teatro-Cine (1960?)
Praça do Município (Pelourinho), com Câmara e
Hermínio Terrasse - animatógrafo (1924)