2012-03-11

SOUTO DA CASA (Real) - Origem Toponímica.


Souto da Casa


História
       A origem do Souto da Casa, uma pequena aldeia do concelho do Fundão que outrora pertenceu ao concelho de São Vicente da Beira, situada na vertente Norte da Serra da Gardunha, é para nós um enigma, assim como o surgimento do seu topónimo. Da sua fundação quase nada sabemos, a não ser que já existiria por aqui alguma população no reinado de D. João I (1357-1433). 
       O seu orago é de São Pedro e curiosamente foi a primeira paróquia do actual concelho do Fundão a proceder aos registos de baptismo e de casamento a partir de 1563, com duas ou três décadas de avanço sobre todas as outras freguesias do concelho, juntamente com Freixial dos Potes (ou da Loiça), que nesta época lhe estava anexa. 
Souto da Casa, Igreja Matriz.
       Provavelmente, e à semelhança de várias povoações desta região, terá sido antecedida de outros lugarejos implantados entre as penedias da serra (castros lusitanos?), cuja incómoda situação, aliada à pacificação dos tempos que já não requeriam tantos cuidados defensivos, acabaram por descer para lugares mais aprazíveis e próximos de melhores solos e recursos hídricos. Terá sido esta a origem dos povoadores desta simpática aldeia.
       Quanto ao nome Gardunha, ou Guardunha como também já se grafou, as opiniões divergem. Uma das primitivas designações era de Ocaia, como é designada parte desta serra nos forais mais antigos (Foral de Castelo Novo, 1195; Foral de Alpreade (Castelo Novo, 1202). A actual designação de Gardunha deriva da palavra árabe guarda/refúgio, nome tirado do facto de ter servido de refúgio a grande parte da população visigoda da cidade de Idanha (actual Idanha-a-Velha), para aqui fugida após a ocupação pelos invasores árabes em 713 com o possível intuito de nestes alcantilados relevos vir a oferecer resistência, à semelhança do que mais tarde viria a fazer Pelágio nas montanhas das Astúrias em 718.
Alguns dos herdeiros deste indómito povo visigodo, à mistura com os já longínquos descendentes dos anteriores castros lusitanos que por aqui havia (Taporos?), estarão na primitiva origem do caldeirão genético que produziu este povo que se reivindica de ser feito “da rama do castanheiro”.

O Souto da Gardunha
 Quanto ao topónimo, conhecemos as várias teses do seu aparecimento, porém estas explicações carecem de outros fundamentos.
Resumindo as interpretações que se afiguram mais credíveis à maioria das pessoas, segundo a tradição corrente, deve-se a origem desta terra ao facto de 
«…logo após o início da produção de castanha oriunda dos enormes soutos, surgiu uma casa agrícola com algum poder económico que logo se tornou um pólo de convergência para Povo que tanto necessitava de meios de subsistência. Deste modo, as pessoas que afluíam diariamente àquela casa para o desempenho da sua actividade laboral, passaram a referir que iam para a “casa do souto”. Mais tarde, certamente para evitar economia de tempo e de meios nas suas constantes deslocações, começaram a radicar-se à volta daquela casa.»

        Esta é a explicação “oficial” que vem mencionada no site da Junta de Freguesia do Souto da Casa. 
        Estarão correctas estas presunções? Talvez, em parte, mas com algumas achegas complementares...

Souto
     Os citados soutos, hoje quase inexistentes, tinham árvores que chegam a ultrapassar várias centenas de anos (excepcionalmente podiam durar mil anos), e vieram substituir com alguma vantagem parte dos carvalhos aí existentes, por estarem melhor adaptados aos solos e ao frio desta região. Estes soutos começaram a ser dizimados a partir de 1820 pela «praga da doença da tinta», causando uma das grandes crises económicas desta região.
  A economia local tirava desta floresta os principais meios de subsistência: os pastos onde o gado se alimentava das ervas e da abundante folhagem; o mato para fazer a cama aos animais e posteriormente o estrume para a fertilização das terras; lenha e carvão para combustível nos fornos e lareiras; as madeiras para construção das casas de habitação, mobiliário e alfaias agrícolas; o importante e abundante esparto (planta poácea) utilizado para fazer tapetes, vassouras, cordas, pequenas cestas, e por fim as seiras utilizadas para colocar a massa de azeitona (escapachar) em posição de ser espremida nas então usuais prensas de varas.
Castanheiro centenário da Gardunha.
       De todos estes produtos que o souto produzia em abundância, e do qual dependiam os povoados limítrofes, a CASTANHA era a rainha, pois tinha diversas aplicações alimentares. Seca em fumeiros (pilada), conservava-se por longos períodos de tempo e foi uma das bases da alimentação dos mais pobres em períodos de carência de outros alimentos, quando as restantes culturas se perdiam. Desta fazia-se uns magníficos caldos de leite ou de vinho, conforme o gosto e a idade dos destinatários.



O Topónimo
        A corte de D. Dinis, o Rei Lavrador, era itinerante e na sua azáfama guerreira e administrativa também passou pelo território da actual Beira Interior onde reconstruiu ou edificou alguns castelos, redistribuiu terras, promoveu a agricultura e fundou várias comunidades rurais assim como criou mercados e feiras francas; não perdendo de vista o intuito de aqui fixar população e aliviar-lhe a pobreza ancestral que nesta época era endémica. A carência de meios deste território pode ser ilustrada por uma lenda da época: foi um pouco mais a norte, no pátio do castelo da vila do Sabugal que segundo reza a tradição, aconteceu o famoso milagre das rosas tendo como protagonistas a Rainha Isabel, e o rei D. Dinis[1].
Souto da Casa
    O grande souto da Serra da Gardunha, segundo se deduz de alguma documentação medieval, foi plantado pelo Rei D. Dinis (1261-1325) em parte do terreno mais acidentado e pouco povoado desta serra, tendo chegado a ocupar uma faixa de 14 quilómetros de extensão.
     É sabido que nas inquirições de D. João I (1357-1433), mandadas fazer cerca de um século depois (por Provisão de 4-XI-1395) para demarcar este reguengo – terra incorporada no património real, pertença da Coroa ou da Casa Real –, «e outrosy [de] outras herdades se as El Rey hy avia», vêm referenciados vários topónimos relacionados com a área ocupada por estes soutos, tais como o Souto do Alcambar (Fundão) ou Souto de El-Rei (Tombo da Comarca da Beira, 1395).  
  À semelhança do que aconteceu noutros territórios do reino, parte das terras maninhas (incultas, sem dono) da Serra da Gardunha, foram mandadas arborizar pela Coroa, e passaram a constituir um reguengo.
Castanheiro
     Com o decorrer dos séculos, muitas destas terras foram paulatinamente subtraídas à sua posse original, tornando-se deste modo baldios ou logradouros comuns das comunidades que viviam à sua volta, ou apropriadas por senhores influentes. Isto terá resultado do jogo de interesses das diversas classes dominantes, assim como da impossibilidade de se administrar cabalmente todo um imenso património. Esta alienação era muitas vezes feita através de aforamentos ou emprazamentos à Igreja, às diversas confrarias religiosas; assim como pela sua apropriação indevida por casas senhoriais que, no caso vertente, não parece ter acontecido por estas paragens.
     Circundando este imenso património vegetal, já se tinham estabelecido algumas populações que vinham desenvolvendo as suas actividades económicas em simbiose com a Serra da Gardunha: falamos de São Vicente da Beira, Alcongosta, Alpedrinha e Castelo Novo, etc.
     Obviamente que a administração deste património florestal da Coroa (o Souto de El-Rei), dependia de diversos funcionários régios com as funções de couteiros ou mateiros, todos eles submetidos a um monteiro ou guada-mor à semelhança do que aconteceu no Pinhal de Leiria. Estes funcionários régios geriam o corte de madeira, a caça, o pastoreio, a amanho da terra, assim como administravam a fruição de todo este bem inestimável para a população local, evitando que estas terras viessem a ser subtraídos ao património real, como mais tarde veio a suceder.
    Devido aos desmandos e atropelos na exploração deste tipo de riqueza, o rei D. Fernando I (1345-1383), criou no século XIV o cargo de monteiro para a administração da caça nas matas reais, cujas funções se estendiam à vigilância do corte de madeira a todo aquele que não for morador ou lavrador de terras próximas.
     Para o estabelecimento destes oficiais administrativos do Souto de El-Rei, certamente exteriores às comunidades locais, terão sido edificadas em diversos locais da periferia desta mata, algumas granjas de apoio e modestas casas para sua residência. 
     Estas habitações, em confronto com as poucas choças de pastores e camponeses pobres que por aqui abundariam no fim da Idade Média, despertavam a admiração das populações locais que, pouco a pouco, se foram fixando nas suas imediações.
     Terá sido uma destas casas, destinada a algum serventuário da Coroa com relevo na hierarquia administrativa deste Souto (couteiro, mateiro, guarda-mor?), que certamente residiu por aqui, que veio dar origem à Casa do Souto, que veio originar o topónimo Souto da Casa, talvez com o significado hoje perdido de Souto da Coroa ou, se assim o quiserem Souto da Casa Real.
Com muito orgulho.
Um filho da “rama do castanheiro
          
           JT
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Apêndice:

Souto d’El Rei

Tombo da Comarca da Beira/Inquirição de D. João I, feita no Fundão,... elaborada em virtude de uma provisão régia de 1395, contém o traslado de forais e de direitos reais relativo” a várias terras, como Covilhã e seu termo.

     - Outrosy o dicto Roj perez chegou do fundom termo de couilhaa para saber e enquerer que erdades e direitos o dicto Senhor auia no dicto lugar e pera esto chegarom a elo presentes Gil Martinz juiz delegado em logo de Gonçale annes juiz em couilhaa e outosy viçente vaasquez procurador e vereadores de suso nomeados e giral perez e Rodidaluarez tabaliaes dessa mesma outrosy fez perante sy vjr viçente annes e Martim Afomso juízes do dicto logo do fundom E outrosy Joham Lourenço manposteyro do souto del Rey que chamam o souto do alcanbar da merçee e outro sy afonse annes e fernam dominguiz moradores no sobredicto logo e outrosy viçente anes frade da terçeira ordem morador na aldeya de Johane outrosy manposteiro do dicto souto dos quaees deu juramento dos sanctos auangelhos que bem e verdadeiramnete lhe disesem per onde partia o dicto souto do alcanbar e outrosy outras herdades se as de El Rey hi auia os quaees diserom pelo dicto juramento que o dicto souto per estes lugares adeante escritos.
- Parte o dicto souto pelo termo do souto da casa pellos castinhejros dos emforcados per onde see huu marco e como se vem per a aldeia de Johane parte com herdade dos Erees de peroboo e dj como vaj ao cortinhal do Ribeiro da azenha e di como parte jndo com souto dafonse annes da aldeia de Johane vjndo pêra o fundom E como parte pelo comaro das vinhas do souto da Ruva E dy como se vay a fonte frija e da dicta fonte como parte pelo souto de domingos de ferro E do dicto souto parte com herdade de domingos setenbris E dy como se vay ao pomar de Martim migez E dy pellos cassaes de visimo E dy como parte jndo dereito aos Abeyros dos picooes E da outra parte pela piçara jndo pelo Ribeiro ariba E dy vaise jndo açima ao monte e parte com a fregissia dalcongosta E dy como se vay dejgreia de sam gees E dj como se torna ao mouynho de Johane annes dalcongosta E dj como se vay pella Ribeira dalba pera hu luzem as augas E dy tornase pela cumiada serra da guardunha como se uem pelo Ribeiro do priono E parte com souto de parçaria E dy como parte com souto dantonio viçente E dy como se torna pelo carualhal de sam bras como parte com herdade dafonse anes menjnho E dy como parte com erdade de lourence annes da aldeia noua E dy como parte com erdade dherees de caluinho E dy como parte com souto que foy de vinas bertolameu E dy como se vaj direito ao souto que foy de Martim Johanes galinheiro E di como parte pelo souto do menjnho E dj parte com souto da eygreja da aldeia de Johanne E dy como se vaj direito ao souto da eygreia do souto da casa E dj como se vay juntar ao dicto marco primeiro escrito E per estas deuisooes he o dicto souto todo demarcado sobre sy sem auendo outros nem huus parte nem quenhom senom El Rey que he todo o dicto souto seu E no qual souto iazem e estam doze mojnhos na Ribeira que vem do alcanbar e destes moinhos som os oito mojnhos reparados e os quatro moinhõ som ribados E destes mojnhos pagam a Ell Rey o foro em cada huu anno v. quarteiros de pam pela medida velha em que monta çento e dez alqueires pela medida noua de çenteeo estes moinhos tragem por pertenças pomares e herdades e pagam por todo o dicto pam e dous capooes em cada huu anno herdeiros de stevam dominguiz dentro em este souto jaz huu casal dell Rey que traz açenço dalcangosta aforado que ha del de pagar o quinto do pam e o quinto das castanhas e do vinho e do linho e dos alhos e çebollas emprestados e huu par de capooes com xx ovos em cada huu anno dentro em este souto do alcanbar jazem herdades e a redor delle que os que procuram o dicto souto por Ell Rey dam a laurar por suas raçooes.
- Outrosy em este souto esta hua Ermjda que chamam Sancta Maria do seixo que hy adificou huu Ermitam que chamam Joham diaz e sem autoridade dell Rey que pera ele ouuese dom frey vaasco bispo da guarda du a dicta Ermida a huu clerigo e por quanto a dicta eygreja esta no limite dell Rey o dicto Roy perez fez em ella tomada pêra Ell Rey pera dar padroado dela a quem sua merçee for.
- outrosy em este souto de suso dicto iaz hua coyrela que traz fernam dominguiz da leuada e paga dela a ell Rey o quinto das castanhas e huu par de capooes em cada huu anno.
- Outrosy tragem herees de Martim afonso hua coyrela no dicto souto de que pagam o quinto das castanhas e huu capom em cada huu anno. 
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Cf.    Miguel Nuno Peixoto de Carvalho Dias e Maria do Céu Jordão Morais Carvalho Dia, Covilhã - Subsídios
         para a sua História»,
         In http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2012/12/covilha-os-tombos-iii.html



[1]    Na versão mais antiga deste milagre "levava uma vez a Rainha santa moedas no regaço para dar aos pobres (...) Encontrando-a el-Rei lhe perguntou o que levava,(...) ela disse, levo aqui rosas. E rosas viu el-Rei não sendo tempo delas" (Frei Marcos de Lisboa, Crónica dos Frades Menores, 1562).

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