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Cristóvão de Lemos Coutinho Correia Barreto Coelho (c. 1831) 1.º- CORREIA; 2.º- COELHO; 3.º- BARRETO. Museu Arqueológico José Monteiro (Reserva) - Fundão. |
Forma: Escudo boleado com o chefe de linhas concavas, terciado em Mantel: o 1.º de
CORREIA – em campo ouro, fretado de correias vermelhas, repassadas umas
por outras de seis peças (mal representadas quanto ao seu número); o 2.º de
COELHO – de ouro, leão de púrpura, armado e lampassado de vermelho,
carregado de três faixas xadrezadas de azul e de ouro, com bordadura de
azul, carregada de conco coelhos de prata (aqui sete); e o 3.º de BARRETO – de
prata, semeado de arminhos negros (mal representados).
Elmo: Desaparecido?
Paquife: Palmas.
Data: Século XIX (1.º quartel)?
Local: Museu Arqueológico José Monteiro (Reserva), Fundão.
Brasão
Esta pedra de armas, juntamente com a armas da Casa do Serrão[1], e da Casa Nogueira de Andrade[2], foi uma das representações heráldicas que mais tempo resistiu às nossas tentativas de atribuição, com a qual concluímos um dos três maiores enigmas heráldicos do concelho do Fundão.
Faz parte das colecções do Museu Arqueológico José Monteiro do Fundão (Reserva). O antigo catálogo deste museu com o título «Pequena História de um Museu» (Fundão, 1978), apresenta a sua reprodução fotográfica (Fig. 88, p.101) acompanhada da seguinte legenda que agora sabemos estar incorrecta: «Pedra de armas da família Correia, Coelhos e Veigas de Nápoles».
De influência barroca, esta pedra de armas está incompleta, muito provavelmente por ter sido danificada quando foi apeada da respectiva fachada. O campo do escudo é terciado em mantel; um tipo de partição bastante raro em Portugal, sendo mais comum em Espanha e na França. Observa-se a hipotética e estilizada representação do gorjal que serviria de apoio a um elmo, o qual parece ter-se partido.
O Detentor do Brasão
A sua atribuição foi feita por mero acaso, aquando da leitura de um documento sobre à história fundanense no qual fomos encontrar um vereador com a mesma sequência dos três últimos apelidos que figuram na partição deste brasão: CORREIA, COELHO e BARRETO.
O citado documento é uma «Certidão do Auto de Câmara Geral», referente à reunião de 31-VIII-1831 na qual participaram cerca de 220 cidadãos do concelho do Fundão. Consta do Livro dos Autos de Vereações e vem transcrita no jornal oficial da época a «Gazeta de Lisboa» (n.º 54, 3-III-1832, pp. 275-277).
Os participantes deste evento declaram-se incondicionais apoiantes do Rei D. Miguel I e expressam estar «dispostos a defender e sustentar a indisputável Legitimidade com que Vossa Magestade Occupa tão gloriosamente o Throno Português», assim como «põem a disposição do Governo de Vossa Magestade suas pessoas, bens, e faculdades».
Esta assembleia das forças vivas do Fundão é certamente uma resposta local às ameaças que vinham sendo feitas pela oposição Liberal então concentrada na ilha Terceira, nos Açores, com planos para a invasão e tomada do poder em Lisboa.
A citada proclamação de lealdade, é feita e assinada pelo juiz de fora, vereadores, procuradores, clero, nobreza, povo, juízes de vintena e regedores das diversa aldeias, assim como homens bons do concelho: certamente muitos deles por convicção, e outros por calculismo para ficarem ao abrigo de perseguições futuras.
O terceiro subscritor deste documento é o vereador CRISTÓVÃO DE LEMOS COUTINHO CORREIA BARRETO COELHO (c. 1831) que, ao encabeçar um lugar de destaque nesta lista de apoiantes, revela ter tido algum relevo na dedicação à causa do miguelismo, o que certamente lhe viria a trazer futuros dissabores com a queda dos partidários da legitimidade do rei D. Miguel I.
Sucede que esta personagem sempre figurou na história local com o nome abreviado de Capitão CRISTÓVÃO DE LEMOS COUTINHO. Foi este facto que nos dificultou, até agora, a identificação da citada pedra de armas, caso não aparecesse esta listagem com o seu nome completo.
Muitas interrogações ficam no ar quanto ao enigma do uso destes três apelidos (Correia, Barreto, Coelho) nesta ocasião, os quais constam da pedra de armas em apreço.
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«GL», n.º 54, p.273, 3-III-1832. |
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«GL», n.º 54, p.273, 3-III-1832. |
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«GL», n.º 54, p.275, 3-III-1832. |
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«GL», n.º 54, p.276, 3-III-1832. |
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Santo Ofício, Habilitações, Pe. Dr. Crostóvão Correia Barreto. (1693) |
Ao certo apenas ficamos a saber, pelo Livro de registo de Óbitos do Fundão (1798-1840), que teve uma irmã de nome JOSEFA DE LEMOS COUTINHO (1760?-1836), falecida de “febre catarral” (bronquite, ou tuberculose?) a 7-X-1836 no Fundão quando contava 76 anos e já era viúva de Martinho José da Costa, filho de Manuel da Costa, tendo recebido sepultura na capela de Nossa senhora da Conceição. Fez testamento, no qual deixou o encargo de 145 missas por sua alma dos seus antepassados, entre os quais destacamos este seu irmão Cristóvão; os seus tios Domingos, Manuel, e João de Lemos; assim como o seus avós Manuel de Morais Sarmento, e Bartolomeu Pires.
Esta família, aparentemente caiu no esquecimento, ao qual não terá sido alheio o triunfo da causa do liberalismo. Não sabemos se abandonaram esta vila, à semelhança do que aconteceu com outras que foram perseguidas por servirem a causa do Rei D. Miguel I.
Sabemos ter havido por estas bandas pessoas cujos apelidos podem indiciar algum parentesco[3].Senão vejamos:
No «Livro para óbitos
na freguesia do Fundão em 1866» (Arquivo Distrital de Castelo Branco, PFND18/3/Liv08O Mç 49), fomos encontra o
assento do falecimento de BERNARDETE DE LEMOS COUTINHO (1858?-1866), de “oito
anos e oito meses” de idade que morreu a 22-VIII-1866 na Rua da Corredoura (actual
Rua Dr. José Germano da Cunha), filha de JOSÉ DE LEMOS FREIXO e de D. BERNARDA DE LEMOS COUTINHO BARRETO. Porém, não conseguimos apurar o grau de parentesco destes com
Cristóvão de Lemos.
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Telhado, Quinta do Ortigal, com pedra de armas dos PROENÇA. |
Outra hipótese de parentesco em relação aos apelido de LEMOS, COUTINHO e BARRETO que usou, parece ter origem nos senhores da Quinta do Ortigal, mais precisamente em JOSÉ DIOGO DA FONSECA COUTINHO (n. 1733), nascido na Covilhã a 2-VIII-1733, senhor do Ortigal em 1753, casado a 10-II-1754 com sua prima D. JOSEFA BERNARDA CORTE-REAL, o qual era filho de LUÍS DE LEMOS COUTINHO (1666-1743), senhor da Quinta do Ortigal, e de sua mulher e prima D. BRÍZIDA TERESA BARRETO DE SOUSA, natural da Lardosa [5].
Deixamos aqui registo dos elementos apurados sobre este enigmático cidadão fundanense, possibilitando, deste modo, a outros investigadores mais afortunados o aclarar do que aqui reportamos.
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Notas:
[1] Cf. João Trigueiros, «A casa e o brasão de Gonçalo Serrão de Azevedo – Atribuição inédita de um Brasão», Jornal do Fundão, Fundão, 2002-VIII-23, p. 42.
[2] Cf. João Trigueiros, «Casa Nogueira de Andrade», Ebvrobriga, n.º 5, Museu Arqueológico José Monteiro, Fundão, pp. 69-80.
[3] Muita da informação relativa aos seus presumíveis parentes foi-nos cedida pelo Doutor Joaquim Candeias da Silva, notável investigador da historia local que nunca nos recusou a sua colaboração e ao qual prestamos aqui o nosso tributo de gratidão. Deixamos apenas um lamento, referente à sua obra «Concelho do Fundão – História e Arte» (Vol. II), que há vários anos aguarda oportunidade de ser editada pela CMF, sem que tal se concretize.
[4] IAN/TT, Santo Ofício, Conselho Geral, Habilitações incompletas, doc. 1151.
[5] Cf. FALCÃO, Armando de Sacadura, Freires Corte-Reais, Lisboa, Universitária Editora, 2000, p.174.
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