a qual obteve por
sua intersecção uma cura miraculosa
que serviu de tema a esta pintura.
Nossa Senhora da Conceição da Rocha, Milagre da cura da rainha D. Carlota Joaquina. Óleo s/ tela, 96,00 x 77,0 cm. Atribuição: João Baptista Ribeiro, 1824(?) (colecção particular) |
Iconografia
Na metade superior, ao centro, vemos
a representação da Nossa Senhora da Conceição da Rocha dentro de uma gruta, coroada e
vestida com uma túnica vermelha e envolta num manto azul.
Por baixo, à sua direita, apenas
esboçado e longe de qualquer compromisso realista, observamos um conjunto do
qual faz parte uma forma arquitectónica que serve de cenário a um túmulo aberto
e vazio defronte do qual está prostrado o corpo da rainha D. Carlota Joaquina
que, encontrando-se muito doente e á beira da morte, invoca a intercepção desta
Santa, pelo que uma figura alegórica (anjo?) intercede no milagre da sua cura/salvação.
Nossa Senhora da Conceição da Rocha, pormenor. |
Supomos que este quadro a óleo sobre tela (dim. 96,0 x 77,0 cm ) é da autoria do pintor João Baptista Ribeiro (1790-1868), discípulo dilecto de Domingos António de Sequeira (1768-1837), chamado à Corte em 1822 para retractar o rei D. João VI, a rainha D. Carlota Joaquina e as infantas suas filhas, encargo de desempenhou com sucesso e agrado dos soberanos e lhe valeu a nomeação em 1824 para mestre de desenho e de pintura de miniatura das citadas infantas.
Esta era a santa favorita do miguelismo, pela qual o infante D. Miguel e a sua mãe a
rainha D. Carlota Joaquina tinham grande apego. Supostamente, esta sacra imagem salvou-lhes a vida em duas ocasiões distintas.
D. Carlota Joaquina, por João Baptista Ribeiro. |
Com esta
estratégia engenhosa, esta Santa assume aos olhos do povo a protecção da rainha
,e por extensão do regime absolutista que ela perfilha. Manipulava desta
maneira a religiosidade popular à devoção mariana que então despontava no vale
do Jamor em torno de uma imagem aí aparecida: tudo isto em benefício do
miguelismo, o que originou o tema desta pintura e certamente de muitas outras obras
que andarão perdidas e eram do agrado da nobreza que se opunha à Carta
Constitucional.
♦
D. Miguel de Bragança, 1924-1928? |
Os cavalos
espantaram-se junto a um precipício, projectando e atropelando o então rei D.
Miguel (1828-1836) que ficou com uma perna partida por uma das rodas da viatura.
Os cavalos eram “malhados” quanto à pelagem, pelo que o povo começou a chamar
“malhados” aos liberais e maçons, seus inimigos.
Foi salvo
desta trágica ocorrência, segundo o mesmo, devido à protecção milagrosa da
mesma Santa que também terá intercedido na cura da sua perna.
Sé de Lisboa, D. Miguel e Infantas, agradecem à Senhora da Rocha. |
Assim se
reforçava o mito da Senhora da Rocha como protectora do ideário tradicionalista/absolutista …
Os seus
seguidores políticos – absolutistas/miguelistas
– também o acompanhavam nesta devoção, assim como grande parte do clero cujos
direitos/previlégios vinham sendo cerceados pelas políticas liberais.
Este último
acontecimento levou os seguidores do miguelismo a fazerem várias gravuras sobre
este acontecimento, assim como ao aparecimento do culto de Nossa senhora da
Rocha noutras localidades do país onde os seus partidários estiveram mais
activos.
Enquadramento
histórico
Santuário de Nossa Senhora da Rocha. |
Após a descoberta desta singela figura
em barro, numa época de grande crise política em Portugal, aí se afirmou com grande
força a dedicação popular ao culto que poucos anos depois viria a ser alvo de
aproveitamento político pelas forças conservadoras contra a nova Constituição e
os ideais do Liberalismo.
Só a derrota dos partidários de D.
Miguel veio a obstar à expansão deste culto que estaria destinado a um sucesso
semelhante ao das aparições de Fátima, ocorridas
cerca de um século depois – também no mês de Maio – numa época de grande crise
económica e política, e também estas inicialmente aproveitadas pelas forças
conservadoras da época como antidoto contra o anticlericalismo do regime
republicano.
Imagem de Nossa Senhora da Rocha (actual). |
A história da imagem aparecida no
Jamor é por demais conhecida, assim como a devoção a este culto da rainha D.
Carlota Joaquina e do seu filho D. Miguel, explicitada em vários relatos da
época.
Menos conhecido é o problema de
saúde que então afectou a rainha D. Carlota Joaquina, a qual supostamente foi
curada por intersecção desta imagem.
Este acontecimento foi imortalizado
nesta pintura, a qual não estava identificada quando foi localizamos na Beira
Baixa nos anos noventa do século passado. A sua observação não nos deixou a
menor dúvida que estávamos na presença de uma alusão à cura/salvação miraculosa
da rainha.
O conteúdo desta obra era do apreço
da nobreza miguelista, o que nos faz supor haver outras pinturas semelhantes que
pertenceram a partidários de D. Miguel, as quais evocam esta cura. O actual desconhecimento
deste acontecimento terá feito com que muitas das pinturas sobre este tema religioso
não se encontrem referenciadas.
♦
Quanto à descoberta da imagem, tudo começou
naquela manhã de Domingo dia 28 de Maio de 1822 quando um pequeno grupo de sete adolescentes do vale do Jamor se deparou com um coelho que lhes surgiu no
caminho. Tentando alcançá-lo, rapidamente se deram conta que os seus esforços
pareciam infrutíferos. A agilidade e rapidez deste animal em alcançar
esconderijo, levou estes jovens a descobrirem uma gruta cuja entrada estava protegida
por um silvado e um emaranhado de salgueiros.
Este achado a todos colheu de surpresa,
mas o melhor ainda estava para acontecer…
O boato e os comentários de uma
gruta desconhecida circulam por toda a região de Carnaxide e de
Linda-a-Pastora.
Mas será só ao terceiro dia que
ocorre a grande novidade. Enchendo-se de coragem, estes jovens, resolvem voltar
a este local.
Uma vez dentro da gruta, acendem
tochas e vislumbram, espantados, uma grande lapa funerária contendo algumas
ossadas humanas, assim como uma pequena imagem da Virgem à qual viria ser
atribuído o nome de Nossa Senhora da Conceição da Rocha. Um pouco mais tarde, o
poeta e escritor ultra-romântico Tomás Ribeiro (1831-1901), que também foi um
político conservador, viria a ser o grande impulsionador e defensor da
construção de um Santuário para esta imagem – o que então lhe valeu o cognome
de Tomás da Aparecida –, cuja
descoberta assim relata:
«No dia 28 de maio de 1822,
perseguindo um coelho que alli se escondera, entraram na gruta do Jamor percorrendo
de rastos a furna por onde elle entrára, sete rapazes que andavam brincando e
chapinhando nas margens e nas ilhotas de Jamor. Os seus nomes são: Nicoláo
Francisco, Joaquim Nunes, Joaquim Antonio da Silva, Antonio de Carvalho, Diogo,
José da Costa e Simão Rodrigues. Os mais novos tinham 11 annos, 15 os mais
velhos. Entrando e recuando apavorados, no que levaram longo tempo, conseguiram
enfim chegar onde puderam erguer-se e respirar. Sondando e apalpando acharam e
tomaram nas mãos ossos humanos como poderam verificar quando voltaram ao rio.
As familias que ha muito os esperavam em suas cazas não receberam bem os
retardatarios e não crêram mesmo na historia phantastica do descobrimento.
No dia seguinte porém começou de levantar-se e
avolumar-se nos differentes logares donde eram naturaes os pastoritos, o boato
da existencia d’uma gruta desconhecida, e a apresentação dos ossos e a
insistencia dos exploradores foi firmando, se não certezas, desejos de apurar a
verdade. No dia 30 bastantes pessoas acompanhando os retardatarios da
ante-vespera ao rio, abrindo as franças dos salgueiros acharam uma lura na
grande rocha que se afundava no Jamor.
Não ousaram porém aventurar-se, os mais prudentes;
mandaram entrar os rapazes com ordem de trazerem outros ossos. Era a prova
evidente de que elles disseram a verdade. E desde que a conheceram destinaram
para o dia 31 procurar com luz que dentro accenderiam, o que podesse achar-se
na gruta onde era certo haver estado gente. No dia 31 foram pois, com tochas,
para dentro serem accendidas. Entraram na frente os sete moços, lá d'outros
acompanhados, e accesa uma tocha, encontraram a pequenina imagem da Virgem.»[5]
É sabido que frei Cláudio da
Conceição (1722-1840), cronista do reino, coevo destes acontecimentos e um dos
primeiros apologistas da Senhora da Conceição da Rocha[6] ,
logo se deslocou a esta gruta para comprovar o achado tendo então constatado o misterioso
desaparecimento da citada imagem no dia seguinte à sua descoberta.
Esta viria a ser posteriormente
encontrada a 4 de Junho sobre uma oliveira, perto da gruta de origem na qual foi
reposta pelas forças da autoridade que aí ficaram de guarda sob a ordem do Juiz
de Fora de Oeiras, após grande tumulto popular.
Rapidamente este local se transforma
num lugar peregrinação e de grande devoção mariana por parte de populares
vindos da região de Lisboa e de outras partes do país, assim como de religiosos
e de nobres da corte: grande parte deles descontentes com a Constituição
vintista então em discussão nas Cortes Gerais, a qual viria a ser aprovada em
Outubro de 1822 com a oposição da rainha D. Carlota Joaquina que se recusa a
jurá-la com grande escândalo das forças progressistas da época.
Devido à publicação de notícias na
imprensa sobre este achado, a ribeira do Jamor foi invadida por sucessivas
levas de devotos e a pobre oliveira que acolheu a Virgem, após o seu misterioso
desaparecimento, foi reduzida a pequenas relíquias de devoção as quais
incluíram as próprias raízes desta árvore.
Entretanto, Imensas dádivas dos fiéis
levam a adivinhar a necessidade de se alindar este local e edificar um pequeno
santuário para acolher estas oferendas e proteger a Senhora. Assim começava a
desenhar-se um grande movimento de adoração mariana que, a não ter sido interrompido
por imperativos políticos – a derrota do miguelismo –, poderia ter dado origem
a um fenómeno religioso maior do que o surgido em Fátima, até pela sua
proximidade geográfica com a capital.
Fez-se então na gruta um portal de
pedra lioz com um grande gradeamento de ferro, construindo-se então um pequeno dique
que impedia a sua invasão pelas cíclicas cheias da ribeira anexa.
Porém, pouco tempo depois, a 27 de
Julho de 1822, o rei manda retirar da gruta a imagem para ser recolhida na Sé
de Lisboa, local considerado mais condigno e solene de acordo com as proporções
que o seu culto então tomava apoiado pelas forças conservadoras. Com esta decisão,
o vigente governo liberal apenas pretenderia cercear este fenómeno à nascença…
«Manda El-Rei, pelo
Secretário de Estado dos Negócios da Justiça, participar ao Colégio Patriarcal
da Santa Igreja de Lisboa, que sendo-lhe presente a sua Carta, datada em 16 do
corrente mês, e que acompanhava a informação a que mandou proceder pelo
Desembargador que serve de Provisor, e Vigário Geral do Patriarcado, acerca de
uma Imagem de Nossa Senhora em uma lapa junto ao rio Jamor, nos limites de S.
Romão de Carnaxide: E, atendendo Sua Majestade a que o lugar onde foi achada a
dita Imagem não é próprio para ela continuar a existir e muito menos para se
lhe dar culto público, e tão solene: Há por bem, conformando-se com o parecer
do referido Vigário Geral ordenar que o Colégio Patriarcal logo, e sem perda
alguma de tempo faça recolher aquela Imagem à Basílica de Santa Maria Maior,
onde depois de benta poderá ser venerada, nomeando o mesmo Colégio uma
administração para tratar das oblações, e esmolas, se as houver, as quais serão
empregadas em objectos pios, e pondo em prática as mais providências que também
o mencionado Desembargador e o Colégio julgar conveniente: Manda outrossim Sua
Majestade declarar-lhe que na data desta se expede ordem ao Intendente Geral da
Polícia, e ao Juiz de Fora, da Vila de Oeiras, para que prestem todo o auxílio
que lhe for requerido, afim que a sobredita Imagem seja transportada com aquela
decência, e respeito que lhe são devidos, e a que de nenhum modo se deve
faltar. / Palácio de Queluz, 27 de Julho de 1822. / José da Silva Carvalho»[7].
Refere ainda o cronista régio frei
Cláudio da Conceição:
«Não foi menor o benefício,
que fez áquelle povo no dia em que foi tirada da sua Rocha, e conduzida para a
Igreja da Sé de Lisboa, permittindo não haver o tumulto, e desordem que se
esperava: e tanto se esperava, que foi preciso usar de precaução de mandar no
silencio da noite de 5 de Agosto tropa armada tanto de Cavallaria, como de
Infantaria, a que não faltou o próprio General Commandante em Chefe da força
armada. Tudo se fez sem as desordens esperadas, e este novo beneficio comprova
a protecção da Senhora da Rocha para com o lugar de Carnaxide, que já não he de
menor consideração, entre as principaes terras de Portugal, porque alli
appareceo a milagrosa Imagem da Senhora da Conceição da Rocha, que veio
livrar este Reino do captiveiro dos ímpios, bem como a terra de Belém de
Judá o não foi entre as principaes Cidades, por ter sahido della o conductor
que havia de commandar o povo de Israel.»[8]
A imagem foi transportada pelo rio até
ao Terreiro do Paço onde desembarcou por volta das nove horas da manhã. A
recebê-la estava a quase totalidade das ordens religiosas, colegiadas, párocos
e cónegos da Sé de Lisboa: os quais, deste modo, demonstravam a sua fidelidade
à Senhora “que veio livrar este Reino do
captiveiro dos ímpios”[9].
«Às nove horas da manhã
chegou a Senhora ao cais das Colunas. Na grande Praça, do Terreiro do Paço se
achavam todas as Comunidades das Ordens Religiosas, e até aquelas mesmas, que
não costumam ir na Procissão do Corpo de Deus da Cidade, e Colegiadas, e as
Cruzes de todas as Freguesias com os seus respectivos párocos. Na mesma Praça
se tinha armado uma grande barraca, forrada toda de sêda, para se paramentarem
os Cónegos da Basílica de Santa Maria. Imediatamente se formou a mais vistosa
procissão […]. Pegaram nas varas do Pálio oito Beneficiados da Basílica de
Santa Maria, e nas lanternas os Cantores. [...]. Chegando a Senhora à Sé, se
colocou no Altar-mor, a ponto que o relójio dava dez horas e meia. Depois de
incensada a santa Imagem pelo mesmo Ministro que a levava, se cantou a Ladainha
por música. Seguiu-se a Missa, que foi de Nossa Senhora, própria daquele dia,
em que pregou o Prior de Alhos Vedros […] Finalizada esta religiosa cerimónia
veio o mesmo celebrante com os Ministros, e todo o Corpo da Basílica com
tochas, e colocaram a Imagem no Altar da Senhora a Grande que lhe estava
ricamente preparado. Logo todo o povo concorreu a beijar a Senhora nas mãos dos
Sacerdotes, e a oferecer-lhe generosos donativos.»[10]
Santuário de Nossa Senhora
da Rocha, registo evocativo
do seu achamento.
|
A persistência do culto neste local acabou por levar, por ordem do governo liberal, ao entulhamento da lapa e à obstrução da sua entrada.
Desde a sua descoberta, a imagem da
Senhora da Rocha itinerou por outros locais onde foi cultuada. Na Sé de Lisboa
permaneceu cerca de 60 anos, após o que, por iniciativa de Tomás Ribeiro,
passou para a Igreja de São Romão de Carnaxide onde ficou mais 10 anos.
Cerca de sete décadas depois do seu
achamento, já serenados os conflitos ideológicos que inicialmente empolaram a
sua devoção, acabou por retornar ao então inóspito vale da Ribeira do Jamor
para aí ser instalada num santuário edificado por cima da gruta da Rocha, o
qual foi inaugurado em 1893 com a presença da rainha D. Amélia e dos príncipes D. Luís Filipe e
D. Manuel.
Santuário de Nossa Senhora da Rocha. |
Apesar destas contrariedades, este local
continua a ser visitado e venerado durante longos anos após o triunfo do regime
Liberal, quer por simples pessoas da região, quer pela nobreza ou mesmo pela família Real. Consta
que o rei D. Miguel I, antes de partir para o exílio despediu-se desta venerada
virgem Maria.
Vejamos o texto de Tomás Ribeiro que
a seguir transcrevemos:
«Vinha muita vez á
Rocha o Senhor D. Pedro V vêr o sitio onde apparecera a Imagem tanto da
devoção da Familia Real. Elle era um triste; procurava certamente aquelle sitio,
que n’esse tempo era um cerro inhospito, para esconder as suas magoas. Em baixo
visitava a gruta e em cima, o começo do templo onde eram recolhidas cabras e
ovelhas. O bom rei pesaroso da irreverencia mandava tapar o recinto com grades
ou cancellas de macieira, sempre que vinha fazer a sua visita, pois que o
pastor inutilisava logo os regios cuidados. Os seus desejos de fazer que se
restituisse a imagem da Senhora não os relatou só a tia Ignez. Uma memoria
anonyma que anda impressa diz a flas 13: “EI-Rei D. Pedro V...
gostando mais de passear n’aquelles sitios... ainda tentou fazer o acabamento
do templo, porém como a traiçoeira morte lhe tirou a vida... tornou a ficar
tudo como estava.”
N’aquellas povoações tão lembradas e tão saudosas não havia já esperança de que o templo traçado pelo nosso pintor Sequeira se continuasse, pois que de Lisboa até as pedras já talhadas e lavradas foram mandadas remover sendo aproveitadas algumas no acabamento do Arco da Rua Augusta.»16
N’aquellas povoações tão lembradas e tão saudosas não havia já esperança de que o templo traçado pelo nosso pintor Sequeira se continuasse, pois que de Lisboa até as pedras já talhadas e lavradas foram mandadas remover sendo aproveitadas algumas no acabamento do Arco da Rua Augusta.»16
A 24 de Agosto de 1883, por decreto
régio, é autorizada a trasladação da imagem da Senhora para a Igreja de
Carnaxide, ao fim de 61 anos de presença
na Sé de Lisboa, onde foi constituída a Irmandade
de Nossa Senhora da Conceição da Rocha (23-IX-1883), tendo por fundador e juiz o rei D. Luís I (1838-1889), e por
destacados confrades, muitos deles provenientes da nobreza que décadas antes
tinha apoiado a causa de D. Miguel
De Carnaxide passou, dez anos depois,
a 1 de Setembro de 1892, para o Santuário de Nossa Senhora da Rocha no vale do Jamor,
após a sua conclusão. Este local, declarado “Capela Real” em Outubro de 1899,
torna-se, à época, um dos locais da maior devoção popular no patriarcado de
Lisboa.
Após o
falecimento do rei D. João VI (1026), sendo regente do reino de 1826 a 1828 a
infanta D. Isabel Maria (1801-1876), foi reclama a devolução da imagem da
Senhora da Rocha, a qual então recolheu à Sé de Lisboa. Os autores coevos deste
acontecimento asseveram que a imagem devolvida foi uma réplica de menor altura[11], pois a original terá ido
parar à Alemanha – onde faleceu no exílio o rei D. Miguel I…--, depois de ter
estado no oratório da rainha Carlota Joaquina até esta morrer em 1830, legando-a
à infanta D. Isabel Maria em cujo oratório estava e “onde muita gente da aristocracia se lembra ainda de a ter visto”[12].
Com o desaparecimento das gerações
que estiveram ligadas a estes acontecimentos, ou deles ainda conservavam
memória, foi-se atenuando o fervor popular. O advento da República deu-lhe a
machadada final precipitando o seu declínio, em parte devido à laicidade hostil
do novo regime. A nova situação política, pelo seu anticlericalismo, iria dar
alento a um fenómeno muito semelhante a este, surgido na Cova de Iria – Fátima
–, como reacção às condições políticas entretanto impostas por uma minoria contra
grande parte da população, em ambos os casos com o apoio activo da Maçonaria.
A similitude destes dois fenómenos
de religiosidade popular tiveram, a nível mais profundo, motivações idênticas:
foram a reacção profunda a alterações políticas que iam contra a ordem instituída
e não eram desejadas pela maioria das camadas populares que, na sua impotência,
recorreram ao divino. Em ambos os
casos o país assistiu ao confronto entre Portugal da Tradição e o Portugal da Revolução.
O Vale do Jamor viria a sucumbir
perante o fenómeno da Cova de Iria, o qual por sua vez já beneficiou dos modernos
e poderosos meios de comunicação social (imprensa e radiodifusão) que muito
contribuíram para a sua amplificação.
Santuário
Santuário de Nossa Senhora da Rocha. |
Santuário de Nossa Senhora da Rocha, nave. |
Um vasto conjunto de castiçais e imagens em talha dourada, assim como o lustre na nave da Igreja, em cristal da Boémia, completam este património.
A residência paroquial, fronteira ao
Santuário, foi edificada em 1904 com fundos anteriormente reunidos para servir
de residência ao Capelão.
♦
Nota Final
Embora este
culto fosse inicialmente apropriado pela causa tradicionalista de D. Miguel I, com o fim da
guerra civil, o decorrer do tempo e o atenuar das quezílias ideológicas, conquistou
a simpatia dos descendentes de D. Pedro IV que lhe prestaram
tributo e, em vários casos, fizeram parte da sua irmandade.
Seria do
interesse dos monárquicos reorientarem a sua devoção Mariana para o Santuário
de Nossa Senhora da Rocha, uma santa da maior devoção popular dos meados do
século XIX.
Prestar
tributo a esta Santa no dia 30 de Maio – dia do seu achamento –, seria um
contributo valioso para o reforço da identidade monárquica.
________________
Notas:
[1] Miguelismo
– corrente política de carácter absolutista que apoiou as pretensões de D. Miguel (1802-1866) ao trono português na disputa que o opôs a D. Pedro, da qual resultou uma guerra civil no início do século XIX.
[2] Vilafrancada
– Revolta em Lisboa, do regimento de Infantaria 23 e outros, afectos a D.
Miguel que se dirigem a Vila Franca de Xira.
[3] O infante D. Miguel veio a ser regente (1828)
e rei (1828-1834).
[4] A partir deste acidente, os liberais passaram a
ser chamados de "malhados" por serem dessa pelagem os animais que
conduziam este carro.
[5] Tomás
Ribeiro, A Rocha, poemeto-prologo do poema
inédito O Mensageiro de Fez, Typographia e Stereotypia Moderna,
Lisboa, 1898, pp. 51-52.
[6] Cláudio da
Conceição, Gabinete Histórico…, Lisboa,
Imprensa Régia, 1818, p. 173.
[7] Idem, pp.
177-178.
[9] Cláudio da
Conceição, Gabinete Histórico…, Lisboa,
Imprensa Régia, pp. 177-178.
[11] A imagem original tinha cinco polegadas e meia
de altura, e a que foi devolvida só media quatro polegadas.
[13] Diário Popular,
5-09-1883.