2012-03-03

SOUTO DA CASA - A Casa Garrett e a Tomada do Carvalhal (Fev. 1890).

(História Reconstruída)

Souto da Casa.

       Apesar de não conhecermos os relatos de época ou documentação sobre este movimento de massas (Tomada do Carvalhal), tentaremos analisar o que se terá passado, recusando reduzir este acontecimento a um simples confronto entre vilões e vítimas.
       Vamos pois tentar descortinar as razões que assistem às duas partes em litígio: uma delas a Casa Garrett, ou melhor o Dr. José Maria Garrett através do seu feitor António Antunes Aquém; a outra parte, o povo da aldeia do Souto da Casa.
       Ao longo do tempo, sobre estes acontecimentos, fomos ouvindo versões ligeiramente divergentes e ideologicamente enviesadas, a maioria delas eivadas dos preconceitos de uma minoria ideológica arcaica que sempre pretendeu tirar dividendos em beneficio próprio deste tipo de acontecimentos, pelo que aqui vamos tentar encontrar a narrativa que nos parece mais provável na reposição da verdade.

       É sabido que numa manhã fria de Inverno, o despontar da alvorada nesta pequena aldeia da Serra da Gardunha começou tumultuoso como já se vinha adivinhando, acompanhado de desacatos com tiros à mistura e os sinos da igreja matriz a tocar a rebate.
      Toda esta inabitual agitação, acontecida há mais de um século, visava a defesa do antigo baldio do Carvalhal contra a tentativa da Casa Garrett, então uma das maiores casas agrícolas do distrito de Castelo Branco, para subtrair à comunidade local os cerca de 200 hectares desta terra de uso comum. Tudo isto, segundo a narrativa popular actualmente corrente.
       Esta grande casa agrícola, com a sua sede principal em Tortosendo, no concelho da Covilhã, tinha uma imensidão de terras dispersas pela Beira Baixa, Beira Litoral e Alto Alentejo. Dedicava-se à produção de vinho, azeite e cortiça, e tinha no pastoreio dos seus imensos rebanhos uma das actividades mais rentáveis. Para esse efeito, possuía inúmeras propriedades ao longo da sua rota de transumância entre o Alto Alentejo (Alandroal, Mourão, Monsaraz), e as encostas da Serra da Estrela, como seria este o caso. 
Serra da Gardunha, Castanheiro Secular.
      O povo da aldeia que não dispunha de terras próprias para cultivar, recorria aos mesmos terrenos do baldio para a sua agricultura de subsistência.
      Segundo parece, os diversos direitos sobre o Carvalhal estariam assim distribuídos: as pastagens, que inicialmente seriam de uso comum(?), estavam então nas mãos da Casa Garrett (por arrendamento ou hasta pública?); as castanhas do seu souto pertenciam à irmandade do Santíssimo da freguesia de São Pedro do Souto da Casa, como pertenciam outros soutos desta serra; as terras de cultivo eram distribuídas, de três em três anos, pelos vizinhos do povo. Foi a esta partilha das terras que a Casa Garrett se opôs.


      Segundo a tradição, na quarta-feira de 12 de Fevereiro de 1890, o povo juntou-se pela manhã no Carvalhal (Serra da Gardunha). Depois do regedor da paróquia dar o costumeiro tiro para o ar, houve a correria habitual onde cada participante com uma enxada nas mãos baliza com cavadelas a parcela de terreno que pretendia amanhar; após o que abrem os farnéis, comem, bebem e confraternizam.
       Porém, neste ano de 1890, o ritual colectivo de marcação das terras de cultivo teve a frontal oposição do Dr. José Maria Garrett, o qual deu ordem ao seu feitor para impedir esta ocupação, escudado numa qualquer alteração do regime legal até então em vigor (?); pretensão esta que foi ignorado pelos participantes.
Serra da Gardunha, castanheiros.
      Não se dando por satisfeito com esta atitude, o representante dos interesses do Dr. Garrett regressou ao Carvalhal alguns dias depois, numa quarta-feira do dia 26 do mesmo mês, acompanhado por testemunhas leais e intimidou com a justiça (daí concluirmos haver suporte legal para esta atitude) os que ali se encontravam a trabalhar a terra.
       Numa afirmação de posse, o feitor mandou de imediato proceder à plantação de alguns castanheiros, ou ao abate de outros já mais desenvolvidos (reboleiros), conforme as versões correntes.
       Em resposta a esta tentativa que o povo considerou ilegal, alguém correu desenfreadamente encosta abaixo em direcção à aldeia e tocou os sinos a rebate.
      Como consequência deste toque de alarme, alguns populares armados e disparando tiros para o ar avançaram serra acima para agarrar o infeliz feitor e, com gestos e gritos ameaçadores abriram uma cova, supostamente para aí o enterrarem …
Souto da Casa, Igreja Matriz.
   Ao mesmo tempo iam-no interpelando repetidamente: «– De quem é o Carvalhal?». Em resposta, ele ia balbuciando: «– É do senhor Dr. Garrett», resposta esta que enfureceu ainda mais o povo que acabou por lhe colocar às costas um pesado reboleiro que este havia mandado cortar, para ele arrastar até ao povoado, a cerca de quatro quilómetros de distância.
   Depois de muito intimidado, lá acabou por descer o terreno acidentado da encosta da serra aos tropeções e vergado sob o peso do citado castanheiro. Perante a insistente repetição da pergunta «– De quem é o Carvalhal?», já ia respondendo: «– É Vosso!», o que ainda não agradou aos seus algozes.
      Só depois de muito instado e já ofegante, rodeado de toda a população, já nas ruas da aldeia, cedeu finalmente e deu a resposta tão desejada de: «– É noooosso!... », logo repetido pelo clamor de todos: O Carvalhal é nosso! O Carvalhal é noooooosso!...
Já nas ruas da aldeia, ofegante e rodeado da população, acabou por ceder ao clamor popular  e deu a resposta tão desejada de: «– É noooosso!... », logo repetido por todos: – O Carvalhal é nosso! – O Carvalhal é noooooosso!...
       Deste modo, o feitor Aquém, identifica-se com este movimento da comunidade a que também pertencia. O povo revoltado serenou os ânimos e festejou ruidosamente esta vitória, evitando-se deste modo uma tragédia…
       Assim triunfaram, momentaneamente,  os interesses deste povo no tocante à preservação dos seus baldios.

Jornal «A Era Nova»,
Março-1936,
Castelo Branco.
       Pouco tempo depois chegou à aldeia ainda em festa uma pequena força militar que para aí foi enviada a fim de restabelecer a ordem e proteger os interesses da Casa Garrett. Estes militares, perante a dimensão do levantamento popular, acabaram por festejar este acto de revolta vitoriosa, juntando-se ao povo.
       Reza a tradição que os actores principais deste memorável acontecimento foram levados a julgamento no tribunal da Covilhã cujo juiz acabaria por confirmar os direitos da Casa Garrett sobre estas terras. Sabemos que de facto assim foi, tanto mais que as terras do Carvalhal continuaram na posse da família Garrett por mais de cinco décadas até que o Dr. Francisco Xavier de Almeida Garrett (1883-1971), sobrinho do Dr. José Maria Garrett, no ano de 1936 as tentou doar à Junta de Freguesia do Souto da Casa, para que «fossem dadas em glebas, para sementeiras, aos pobres que as quisessem cultivar» – o que acarretaria o pagamento de um imposto de vulto – acabando por as vender por um preço simbólico com encargos irrisórios perante o fisco (Jornal «A Era Nova», Castelo Branco, Março-1936).
       O rendimento dos soutos e dos pastos, assim como as terras de cultivo divididas em três folhas (sortes), sob um regime de rotação anual, melhorou o aproveitamento do solo e minorou as condições económicas da população mais pobre.

       
       Ainda na adolescência ouvimos contar algumas histórias relacionadas com estes acontecimentos a uma octogenária que serviu durante grande parte da sua vida a Casa do Passadiço (dos Oliveira Leitão), a qual era quase fronteira à Casa Garrett.
      Esta senhora, memória viva de muitos acontecimentos da citada casa, referiu que o seu proprietário, o oficial de cavalaria Joaquim Augusto de Oliveira Leitão (1854-1909), na qualidade de filho da terra foi sondado pelos seus superiores para, à frente de uma força militar, ir restabelecer a ordem pública por altura destes acontecimento, o que recusou para não hostilizar os seus conterrâneos.
Teatro: «Tomada do Carvalhal».
    Mais referiu, a citada senhora, que as provocações, os insultos, e ameaças, vinham sendo frequentes de parte a parte, e uma das vezes, pela madrugada, apareceu à porta do feitor dos Garrett um "alguidar e respectivo facalhão", apropriados para a matança do porco, no intuito de o intimidar a não prosseguir nos seus intentos de se apoderar das terras em disputa. 
       Esta epopeia colectiva, que ainda hoje perdura na memória, é a origem das actuais comemorações da TOMADA DO CARVALHAL, uma grande festa anual que se realiza na Quarta-Feira de Cinzas e já foi brilhantemente dramatizada pelo actor Nuno Pino Custódio.

Origem do conflito
     Por altura destes acontecimentos, os direitos relativos ao cultivo das terras comunitárias e ao seu pastoreio eram conflituantes, originando por todo o país, e até por toda a Europa, muitas tensões causadas pelos estragos de hortas espezinhadas ou danificadas pelo gado; ou por diversas culturas que inviabilizavam o bom aproveitamento das respectivas pastagens.
       Os terrenos em disputa, do ponto de vista da qualidade dos solos, não eram apropriados para uma agricultura que fosse muito para além da pastorícia ou da exploração florestal dos seus soutos.
       Esta zona da serra é bela pela sua rudeza salpicada de fragas e penedias, e só a pobreza extrema de algumas franjas populacionais, e a carência de pão em muitas bocas, valorizou esta terra para uma agricultura de subsistência que permitiu outrora esbater a fome que então grassava.
Serra da Gardunha.
       Na génese destes conflitos esteve quase sempre a política agrária do Regime Liberal que se tornou muito impopular junto dos camponeses ao pretender alienar os baldios a quem melhor os rentabilizasse, sem atender aos interesses das populações mais necessitadas.
       Por falta de documentação, é quase impossível saber com rigor o que esteve na base desta disputa da posse do Carvalhal, antevendo nós, não ter sido uma simples tentativa de rapina por parte da citada Casa Garrett, mas antes consequência da diversa legislação e das reformas introduzidas pelo no tocante aos baldios e à posse da terra por parte da Igreja e de diversas irmandades religiosas, a qual foi transferida: primeiro para a Bens Nacionais; depois, para superar a crise financeira, alienada para o domínio privado. Tudo isto com alguma contestação popular, por vezes com violência, como terá acontecido neste caso.
       Para a abordagem desta difícil problemática há que distinguir, como foi feito em 1869, o que é um baldio e um logradouro comum, assim como as consequências jurídicas desse facto.
       Parece-nos que a Mata do Carvalhal, e muitas outras à sua volta, seria em tempos muito recuados uma espécie de logradouro comum onde se operava um aproveitamento de pastos, matos, lenhas, etc., por parte das populações locais, encontrando-se as terras «incultas», isto é, não apropriadas individualmente.
     Estas situações vão originar, muitas vezes, aforamentos a irmandades religiosas locais, cujos bens seriam mais tarde incorporados nos Bens Nacionais, para posteriormente serem vendidos em hasta pública ou alugados a vários particulares: uma espécie de privatização daquela época, às quais concorreram vários agrários do país, incluindo a Casa Garrett.


       A politica da apropriação de pastos comuns, que haviam sustentado os animais dos camponeses durante gerações, era um acontecimento que vinha ocorrendo em toda a Europa desde o século XVI. Este fenómeno agudizou-se em Portugal por meados do século XIX, por via da promulgação de legislação e de acções administrativas concertadas para fazer face ao longo atraso que se verificava na agricultura, a qual começava a ser lentamente mecanizada e, por isso, dependia em grande medida de capitais que o pequeno camponês não dispunha.
Serra da Gardunha, 
tronco seco de um gigantesco castanheiro secular.
       As práticas agrárias, então em uso, são consideradas a partir da segunda metade de século XVIII, pelas camadas esclarecidas e a nível governamental, um obstáculo ao progresso económico agrícola, pelo que se achava que os numerosos e extensos baldios existentes em Portugal deviam ser extintos para proporcionar um aumento na produção agrícola, subtraindo deste modo a agricultura portuguesa a um verdadeiro regime feudal.
       Muitos dos baldios que havia na Cova da Beira foram sendo desviados da sua função original, acabando alguns por passar às mãos de privados ou de ser submetidos ao regime florestal, como foi o caso dos baldios de Alcongosta ou da Serra da Estrela.
     O culminar deste processo deu-se com a Regeneração (1851-1890), na qual a direita conservadora monárquica faz parte de sucessivas soluções governativas. O subsequente fomento industrial fruto da introdução da máquina a vapor por volta de 1880, veio permitir o desenvolvimento da indústria têxtil na Covilhã (Companhia Nacional de Lanifícios, a Real Fábrica Veiga, a Fábrica Campos Melo e de Custódio e Silva, entre muitas outras), a qual aumentou a sua produção e consequentemente requeria grandes quantidades de lã que a produção interna não satisfazia. Só a Fábrica Veiga, já consumia mais de 180.000 Kg de lã por volta de 1881.
     Para produzir grandes quantidades desta matéria-prima eram necessários grandes rebanhos cujo alimento dependia de grandes extensões de pastagem nas mãos de um só dono, o que a existência de inúmeros e extensos baldios nas mãos da comunidade vinha inviabilizando.
      A esta nova necessidade logo respondeu com grande eficiência a Casa Garrett, juntamente com a Casa dos Viscondes de Oleiros (Alcains), entre muitas outras nesta zona da Beira, por via dos extensos rebanhos que possuíam, cada um deles com milhares de cabeças, para os quais eram vitais boas terras de pastagem.

     A satisfação das exigências para rentabilizar os campos, levou à produção de diversa legislação por iniciativa de Mouzinho da Silveira (1780-1849), a qual, que a partir de 1834, começa por mandar à praça os chamados bens de mão morta, das capelas vagas, das misericórdias, das confrarias e corporações religiosas, da Coroa, etc., muitos já incorporados nos Bens Nacionais.
    Deste modo, procedeu-se à desvinculação da propriedade, suprimiram-se os pastos comuns, desamortizaram-se os bens eclesiásticos e passou-se a cultivar a terra intensivamente, com vantagem para o fomento de uma agricultura “científica”, nos antípodas da arcaica agricultura “agro-pastoril”, a qual era considerada a grande inimiga das reformas liberais na agricultura.
      Porém, desconhecemos em pormenor como toda esta legislação afectou a fruição da riqueza do Carvalhal por parte da população.
       Ao certo, todas estas alterações legais criaram uma tensão muito grande entre os camponeses mais pobres, que dependiam da sua agricultura de subsistência, e a Casa Garrett que necessitava destes pastos para a sua pastorícia em grande escala.
       Quanto a nós, o problema foi criado pelos sucessivos governos que não quiseram, ou não souberam, acautelar os interesses das populações mais frágeis, face aos interesses antagónicos de uma exploração agrícola desenvolvida em grande escala.

       Na origem, muitos direitos sobre os primitivo reguengo dos soutos da Gardunha, sabe-se lá por que meios, acabaram por cair nas mãos de privados como terá sido o caso da parcela do Carvalhal, cujos pastos foram parar às mãos da Casa Garrett, cujo derradeiro proprietário o Dr. José Maria Garrett, pretendeu tomar posse plena da terra contrariando ancestrais usos comunitários.
       Nunca é mencionado, na abordagem da questão do Carvalhal, a hipotética probabilidade de parte dos direitos desta imensa propriedade estar na posse de alguma ordem ou irmandade religiosa, cujos bens, por força da legislação Liberal, foram alienados a favor do Estado com a designação de bens nacionais por Portaria de 25-Abril-1822.

       Muitos destes bens, a coberto de diversa legislação cuja complexidade não cabe aqui explicitar, seriam vendidos em hasta pública, saciando deste modo o apetite voraz dos chefes e das clientelas liberais que estavam ávidas de engrossar os seus patrimónios. Por esta ocasião a nobreza adquiriu os prédios mais valiosos, a burguesia dos negócios adquiriu a maior fatia, assim como algum proeminente funcionalismo público, e ainda alguns elementos das classes populares ligadas ao campo que adquiriram alguns lotes de mais baixo valor.

       Quanto a questão da mudança da titularidade do Carvalhal, esta terá ficado a dever-se à Lei de 22-Jun-1866, que procedeu à desamortização – transmissão dos bens de mão-morta – das propriedades das câmaras, das paróquias, das confrarias religiosas e demais institutos pios ou de beneficência; ou, mais propriamente à Lei de 28-Ago-1869 que desamortiza os baldios e facilita a alienação dos mesmos, o que vem originar vários levantamentos populares entre os compartes (quinhoeiros) e os pequenos agricultores.
       Sabemos que os baldios já eram terrenos prescritíveis e susceptíveis de aquisição individual, durante a vigência do Código Civil de 1867 (Código Seabra).
       Não esquecer que à Irmandade do Santíssimo da freguesia de São Pedro do Souto da Casa (uma das várias irmandade aí existentes), pertencia o rendimento das castanhas deste souto, assim como de um outro que conseguimos averiguar por documentação particular; quem sabe, senão de muitos outros que a história não registou …

        Vejamos um caso semelhante, comprovado documentalmente.
      Sobre uma destas aquisições, na mesma Serra da Gardunha, no termo da freguesia do Souto da Casa, conhecemos a respectiva «Carta de venda do foro imposto em uma terra com castanheiros no sítio da Lage (…) que arrematou João dos Santos », por 42.410 réis.
       Este era um prazo enfitêutico (de Manuel Pinheiro) com um foro de 50.300 réis que era devido à dita irmandade do Santíssimo, cujos direitos lhe cabiam e estava por via da legislação liberal integrado nos bens nacionais. Por esta venda em hasta publica, passa à posse do comprador João dos Santos a 15-Dez-1882, “na conformidade da Lei de vinte e oito de Agosto de mil oitocentos e sessenta e nove” (Lei de desamortização dos baldios de 28-Ago-1869), como é declarado no citado documento.
       A numeração deste lote posto à venda “sob o número sete”, indicia que vários outros foram leiloados na mesma altura, desconhecendo-se qual o local exacto da sua implantação.


Venda de um foro no Sítio da Lage, 1882, f. 1.
Venda de um foro no Sítio da Lage, 1882, f. 1v





















Venda de um foro no Sítio da Lage, 1882, f. 2.
Venda de um foro no Sítio da Lage, 1882, f. 2v.





















       Refere o citado documento que este foro pertenceu à irmandade do Santíssimo, como pertencia o do Carvalhal, daqui se podendo inferir que, à época, o Carvalhal pode ter tido um destino semelhante...
       Terá a Casa Garrett aproveitado a citada Lei de 22-Jun-1866 para adquirir o souto do Carvalhal?... Terá ainda aproveitado a posterior Lei de 28-Ago-1869 para adquirir os restantes direitos do citado baldio? … 
       Por falta de documentação não podemos afirmar com rigor ter sido este o destino do Carvalhal, mas supomos que foi na sequência de toda esta legislação que a família Garrett adquiriu a totalidade dos seus direitos sobre estas terras, os quais andavam dividida por várias entidades (?). A ter havido esta aquisição, a mesma seria contestada anos mais tarde por este povo serrano, cuja situação económica nada tinha melhorado com a revolução liberal ….
     Ao certo sabemos que, duas décadas depois, no ano de 1890 (12 e 26 de Fevereiro), acontece esta revolta popular, talvez como consequência da turbulência politica a nível nacional.
       
       A 11 e Janeiro acontece o Ultimato Britânico, causando uma grande humilhação nacional, pela qual os republicanos portugueses responsabilizam o rei D. Carlos I e o seu executivo, levando à queda imediata deste último. No mês seguinte há eleições legislativas (30-Março), com violentos recontros que causam 10 mortos e 40 feridos em Lisboa, e nas quais são eleitos pela primeira vez 3 deputados republicanos.
Aproveitando o grande descontentamento popular, o Partido Republicano desenvolve grande actividade em Lisboa com comícios e uma manifestação que a história registou a 11-Fev-1890, cujos ecos chegaram certamente a esta zona recôndita da província, até porque é sabido, por tradição, ter havido nesta pequena freguesia do Souto da Casa um núcleo republicano desde cedo.

Os tempos eram outros e esta conquista popular (republicana?), mesmo que eventualmente tenha atropelado a legalidade instituída (?), pela insensibilidade de quem governava, jamais viria a ser desfeita.
Desta saga heróica, apenas permanece o simbolismo do seu grito de liberdade...
Este Povo heróico, há muito que não depende do Carvalhal para garantir a sua subsistência...


Os Protagonistas

O Povo
       Dos intervenientes populares desta saga – o povo da rama do castanheiro – a história infelizmente não registou nenhum dos seus nomes.

O Feitor
       Quanto a ANTÓNIO ANTUNES AQUÉM (c. 1890), natural da freguesia do Castelejo, no concelho do Fundão, que diversa documentação dá como jornaleiro e proprietário de uma «terra de mato no sítio do Reboleiral» no Souto da Casa, foi a infeliz vítima colateral deste acontecimento histórico pelo facto de exercer as funções de feitor da Casa Garrett. 
Uma narrativa miserável, de um desses falsificadores da História, ideologicamente comprometidos e sem o mínimo fundamento documental, dá-o como vindo «de uma família paupérrima de guardadores de porcos que não tinha sustento».
Assinatura de António Antunes Aquém.
       Ao que apuramos, era um dos vários filhos de Manuel Antunes Aquém e de D. Luísa Antunes e veio residir no Souto da Casa por aqui ter casado com uma filha desta terra que foi D. ROSÁRIA VAZ SERRAcomo constatamos em assentos de baptismo onde ambos, já casados e residentes no Souto da Casa, figuram como padrinhos de baptismo (Cf. António, a 20-II-1873 no Castelejo; e Maria, a 29-I-1888 no Souto da Casa), assim como em diversos assentos de casamento (José Tiago e Ana Vaz Serra, a 3-III-1886, etc.).

             
       Através dos assentos paroquiais desta freguesia, não conseguimos até agora conhecer por documentos a existência de filhos do feitor da Casa Garrett. 
Segundo uma informação que nos chegou sem indicar as fontes, teve dois filhos que deixaram cair o pelido AQUÉM e adoptaram os apelidos VAZ SERRA que lhes vinha por uma avó materna. Foram estes o destacado padre jesuíta ANTÓNIO VAZ SERRA, e seu irmão JOSÉ ANTUNES VAZ SERRA, o qual estará na origem de uma destacada família de Coimbra que deu varões ilustres que muito se distinguiram na Medicina e no Direito. 

       Porém, num documento do Consulado Geral do Brasil em Lisboa, um seu provável filho homónimo, senão mesmo um sobrinho (?), é dado como casado com D. Maria da Ascensão Paulo, natural do Castelejo, filha de António Paulo e de D. Maria Luísa, da qual teve um filho dezoito anos depois da Tomada do Carvalhal, não lhe transmitindo o singular apelido de Aquém – antigo nome de um povoado da Índia portuguesa – o qual traria má memória a esta família.
Casimiro Antunes Paulo
(Aquém), 1950.
       A esta criança foi dado o nome de Casimiro Antunes Paulo (1908-1974), e nasceu “às seis horas da manhã” do dia 4-IV-1908 na freguesia do Castelejo, onde foi baptizada pelo padre António Antunes Duarte a 26-IV-1908 na igreja paroquial de Nossa Senhora da Silva, apadrinhado por Aires Júlio de Oliveira, solteiro, sapateiro de profissão, e por sua avó materna D. Maria Luísa, todos moradores no Castelejo. 

       Este seu filho, Casimiro Antunes Paulo, veio residir para Lisboa e aqui casou na 2.ª Conservatória do Registo Civil no dia 8-IX-1935 com D. Elisa Rosa da Ascensão, nascida na freguesia de Marrazes, na cidade de Leiria. 
       Tirou passaporte em 1950, para em 6-II-1953 com a profissão de «construtor civil, sem filhos menores» obter autorização de residência no Brasil para onde embarca. Aí foi-lhe dada autorização de residência no Distrito Federal em 1953, aquando dos primórdios da edificação de Brasília (Consulado Geral do Brasil, Lisboa, 6-II-1953). Fomos encontrá-lo nos finais dos anos sessenta dedicado à compra e venda de automóveis e já retornado a Lisboa onde residia na Av. Estados Unidos da América, n.º 60, aquando do seu falecimento no ano de 1974 (21 de Setembro?) numa instituição de saúde em Carnaxide, no concelho de Oeiras.



       Dos vários elementos da família Aquém que fomos encontrando nos assentos paroquiais da freguesia do Castelejo destacamos o ANTÓNIO ANTUNES AQUÉM (1890-1930), outro homónimo do seu tio (o feitor do Carvalhal), nascido a 13-III-1890 no Castelejo onde foi baptizado a 27-IV-1890 na sequência dos acontecimentos da Tomada do Carvalhal (Fev. 1890)Era filho de João Antunes Aquém (irmão do citado feitor) e de D. Luísa Antunes Moreira, proprietários, naturais e moradores no Castelejo; neto paterno do já falecido Manuel Antunes Aquém e de D. Luísa Tavares, do Castelejo, que foram os pais do feitor da Casa Garrett no Souto da Casa; e neto materno de Domingos Marcelo e de D. Bárbara Antunes Moreira. Casou a 17-XI-1917 na Covilhã com D. Margarida Baptista, cidade onde faleceu a 12-VII-1930 na freguesia de Nossa Senhora da Conceição.
       Outro sobrinho do feitor do Carvalhal foi JOSÉ ANTUNES AQUÉM (1887-1942), nascido a 3-XII-1887 no Castelejo onde foi baptizado a 10-V-1888, pouco antes dos acontecimentos do Carvalhal, cujos pais e avós já foram mencionados anteriormente a propósito de seu irmão.
       Sabemos que este tirou passaporte em Maio de 1920, no qual figura como solteiro e carpinteiro de profissão, havendo um registo do seu embarque no navio Imperator em Southampton (Reino Unido) em direcção a New York onde chegou a 8-VIII-1929 quando contava 42 anos de idade, tendo retornado a Lisboa alguns anos depois e aqui faleceu a 10-VII-1942 na freguesia de São Sebastião da Pedreira. 


O Dr. José Maria Garrett
José Maria Proença de
Almeida Garrett.
        O principal interveniente – e aparente vilão desta história – foi o Dr. José Maria Garrett, de seu nome completo JOSÉ MARIA PROENÇA DE ALMEIDA GARRETT. Desconhecemos as datas do seu nascimento e do falecimento, assim como se terá casado. Pensamos que, perante o gigantesco património fundiário da casa paterna, a gestão de parte dele lhe estaria confiado.
     Os seus progenitores uniram pelo seu casamento duas ilustradas e ricas casas deste país: os Garrett, originários do Porto, e os Tavares Proença que nesta época eram dos maiores terratenentes das Beiras.

       No seu conjunto esta família teve um dos maiores patrimónios solarengos e agrícolas do Distrito de Castelo Branco, do qual fazia parte a Casa Garrett do Souto da Casa, a cargo de um dos filhos deste casal, provável herança dos Proença, família de grandes agricultores que nestas encostas da Gardunha tinham património de vulto há mais de quatro séculos.

Souto da Casa, 
Casa Garrett (à Dta,)
      O administrador desta casa era o filho mais velho (?) dos três varões que teve Gonçalo Xavier de Almeida Garrett (1841-1925), nascido a 30-XII-1842, falecido a 10-I-1925, fidalgo da Casa Real, Doutor e Lente de Matemática da Universidade de Coimbra, assim como bacharel em Filosofia; casado a 4-XI-1875 com D. Maria Joaquina Tavares de Almeida Proença (1850-1924), nascida a 14-IIII-1850 em Lisboa, e falecida a 25-II-1924.

     Neto por via paterna de Alexandre José da Silva de Almeida Garrett (1797-1847), nascido 7-VIII-1797, falecido a 24-X-1867, que foi fidalgo da Casa Real (1826), cavaleiro professo da Ordem de Cristo, capitão do Regimento de Milícias do Porto, que teve Carta de Brasão de Armas com escudo esquartelado de SILVA, ALMEIDA, SILVA, LEITÃO (Brasão passado a 7-I-1825, Reg. C.N., L. VIII, fl. 126v.); casado a 16-VI-1822 com D. Angélica Isabel Cardoso Guimarães (n. 1803), nascida a 2-II-1803.

Tortosendo, Casa Garrett.
     Neto materno de Francisco Tavares de Almeida Proença (f. 1872), natural do Tortosendo, concelho da Covilhã, onde tinha uma das maiores casas solarengas desta família, com um grande património terras, falecido a 25-VIII-1872, o qual foi Par do Reino, ministro de Estado Honorário, conselheiro de Estado Extraordinário, tendo casado a 7-XII-1835 com D. Maria da Piedade Fevereiro (n. 1815), nascida a 15-XII-1815 na freguesia da Madalena, em Lisboa. À sua imensa fortuna, aumentada pelo casamento, ainda acrescentou a gigantesca herança do seu amigo e correligionário político que foi VENÂNCIO PINTO DO REGO CEIA TRIGUEIROS (1801-1867), 1.º Barão de Porto de Mós, Par do Reino, uma das grande fortunas do país, senhor de imensas propriedades no distrito de Leiria (Quinta da Cortiça), e de Évora (Herdade do Esporão), entre muitas outras (in Ricardo Charters de Azevedo, A morte do Barão de Porto de Mós, Batalha: CEPAE - Centro do Património da Estremadura, 2010).

Francisco Tavares Proença Jr. 
(1183-1916).
       Era sobrinho-neto do não menos célebre João Baptista da Silva Leitão de Almeida Garrett (1799+1854), 1º visconde de Almeida Garrett (irmão de seu avô Alexandre José da S. A. G.), nascido a 4-II-1799, falecido a 9-XII-1854 em Lisboa, grande escritor e dramaturgo romântico, Par do Reino, ministro e secretário de estado honorário, cônsul em Bruxelas, grande activista e participante na revolução liberal de 1820, assim como fundador do Jornal «Regeneração» (1851) a propósito do movimento político da regeneração.

       Era primo de Francisco Tavares de Almeida Proença Jr. (1883-1916), — filho de um irmão de sua mãe D. Maria Joaquina Tavares de Almeida Proença — nascido a 1-VI-1883 em Lisboa, residente em Castelo Branco, falecido prematuramente a 49-IX-1916 em La Rosiaz, Lausana (Suiça), onde tinha ido em busca de alivio para a tuberculose. Foi um grande coleccionador cujo espólio está na origem do «Museu Tavares Proença» em Castelo Branco. Espírito diletante e culto, dedicou-se a estudos de biologia, balística em cujo âmbito inventou armas de fogo cujo uso ofereceu ao governo francês e russo (por desinteresse do governo português), epigrafia, etnografia e arqueologia, especialidade esta que levou ao seu reconhecimento internacional com a sua participação em prestigiadas organizações internacionais de arqueologia e vasta obra publicada.


       O Dr. José Maria Proença de Almeida Garrett, da Casa Garrett do Souto da Casa, foi professor da Faculdade de Ciências na Universidade de Coimbra.
Segundo parece, teve mais dois irmãos: o Alexandre de P. A. Garrett (1877-1960), casado duas vezes, sem geração; e o Francisco de P. A. Garrett (1883-1971), casado, com numerosa prole que chegou aos nossos dia e deu continuidade ao nome desta família.

       Fez parte, juntamente com o seu pai Gonçalo Xavier de Almeida Garrett (1841-1925), de um grupo de pessoas relevantes que assistiu ao designado “milagre do Sol”, também chamado “bailar do Sol” no dizer dos populares, ocorrido na Cova da Iria a 13-X-1917 (O Milagre do Sol, in «Novos Documentos de Fátima», Edições Loyala, São Paulo, 1984.)
Desta observação ímpar, pai e filho, deixaram depoimentos escritos datados de 18-XII-1917, os quais oferecem credibilidade devido às suas formações académicas, conjuntamente com os testemunhos de escritora e poetisa D. MARIA MADALENA VALDEZ TRIGUEIROS MARTEL (1884-1947), dado no final de 1917, e o testemunho do LUÍS ANTÓNIO VIEIRA DE MAGALHÃES E VASCONCELOS (1881-1955), 4º barão de Alvaiázere, de Aldeia Nova do Cabo, Fundão, escrito a 30-XII-1917; todos credíveis e concordantes na observação dos fenómenos atmosféricos observados em torno da nebulosidade daquele dia, apesar de inúmeros outros testemunhos.

       É esta a história (reconstruída) do Carvalhal: retrato da gesta heróica de um povo que foi conduzido à revolta devido às suas muitas carências; e onde os vilões não são propriamente os que o aparentam ser … Em nossa opinião, todos eles foram vítimas da conjuntura dominante e daqueles que tiveram nas suas mãos o nosso destino colectivo …
Ontem, como hoje, as politicas erráticas e o (des)governo, trucidaram este povo



                João Trigueiros



2012-02-24

Cristóvão de Lemos Coutinho Correia Barreto Coellho (c.1831) - Fundão.


Cristóvão de Lemos Coutinho Correia Barreto Coelho (c. 1831)
1.º- CORREIA; 2.º- COELHO; 3.º- BARRETO.
Museu Arqueológico José Monteiro (Reserva) - Fundão.


               Brasão de:    Cristóvão de Lemos Coutinho Correia Barreto Coelho (c. 1831).
               Forma:           Escudo boleado com o chefe de linhas concavas, terciado em Mantel: o 1.º de
                                      CORREIA – em campo ouro, fretado de correias vermelhas, repassadas umas
                                      por outras de seis peças (mal representadas quanto ao seu número); o 2.º de
                                      COELHO – de ouro, leão de púrpura, armado e lampassado de vermelho,
                                      carregado de três faixas xadrezadas de azul e de ouro, com bordadura de
                                      azul, carregada de conco coelhos de prata (aqui sete); e o 3.º de BARRETO – de
                                      prata, semeado de arminhos negros (mal representados).
               Elmo:             Desaparecido?
               Paquife:         Palmas.
               Data:              Século XIX (1.º quartel)?
               Local:             Museu Arqueológico José Monteiro (Reserva), Fundão.


Brasão
      Esta pedra de armas, juntamente com a armas da Casa do Serrão[1], e da Casa Nogueira de Andrade[2], foi uma das representações heráldicas que mais tempo resistiu às nossas tentativas de atribuição, com a qual concluímos um dos três maiores enigmas heráldicos do concelho do Fundão.

     Faz parte das colecções do Museu Arqueológico José Monteiro do Fundão (Reserva). O antigo catálogo deste museu com o título «Pequena História de um Museu» (Fundão, 1978), apresenta a sua reprodução fotográfica (Fig. 88, p.101) acompanhada da seguinte legenda que agora sabemos estar incorrecta: «Pedra de armas da família Correia, Coelhos e Veigas de Nápoles».

     De influência barroca, esta pedra de armas está incompleta, muito provavelmente por ter sido danificada quando foi apeada da respectiva fachada. O campo do escudo é terciado em mantel; um tipo de partição bastante raro em Portugal, sendo mais comum em Espanha e na França. Observa-se a hipotética e estilizada representação do gorjal que serviria de apoio a um elmo, o qual parece ter-se partido.

O Detentor do Brasão
      A sua atribuição foi feita por mero acaso, aquando da leitura de um documento sobre à história fundanense no qual fomos encontrar um vereador com a mesma sequência dos três últimos apelidos que figuram na partição deste brasão: CORREIA, COELHO e BARRETO.

       O citado documento é uma «Certidão do Auto de Câmara Geral», referente à reunião de 31-VIII-1831 na qual participaram cerca de 220 cidadãos do concelho do Fundão. Consta do Livro dos Autos de Vereações e vem transcrita no jornal oficial da época a «Gazeta de Lisboa» (n.º 54, 3-III-1832, pp. 275-277).

        Os participantes deste evento declaram-se incondicionais apoiantes do Rei D. Miguel I e expressam estar «dispostos a defender e sustentar a indisputável Legitimidade com que Vossa Magestade Occupa tão gloriosamente o Throno Português», assim como «põem a disposição do Governo de Vossa Magestade suas pessoas, bens, e faculdades».

       Esta assembleia das forças vivas do Fundão é certamente uma resposta local às ameaças que vinham sendo feitas pela oposição Liberal então concentrada na ilha Terceira, nos Açores, com planos para a  invasão e tomada do poder em Lisboa.
         
        A citada proclamação de lealdade, é feita e assinada pelo juiz de fora, vereadores, procuradores, clero, nobreza, povo, juízes de vintena e regedores das diversa aldeias, assim como homens bons do concelho: certamente muitos deles por convicção, e outros por calculismo para ficarem ao abrigo de perseguições futuras.

         O terceiro subscritor deste documento é o vereador CRISTÓVÃO DE LEMOS COUTINHO CORREIA BARRETO COELHO (c. 1831) que, ao encabeçar um lugar de destaque nesta lista de apoiantes, revela ter tido algum relevo na dedicação à causa do miguelismo, o que certamente lhe viria a trazer futuros dissabores com a queda dos partidários da legitimidade do rei D. Miguel I.

       Sucede que esta personagem sempre figurou na história local com o nome abreviado de Capitão CRISTÓVÃO DE LEMOS COUTINHO. Foi este facto que nos dificultou, até agora, a identificação da citada pedra de armas, caso não aparecesse esta listagem com o seu nome completo.

       Muitas interrogações ficam no ar quanto ao enigma do uso destes três apelidos (Correia, Barreto, Coelho) nesta ocasião, os quais constam da pedra de armas em apreço.


«GL», n.º 54, p.273, 3-III-1832.
«GL», n.º 54, p.273, 3-III-1832.








«GL», n.º 54, p.275, 3-III-1832.
«GL», n.º 54, p.276, 3-III-1832.


















    

   

                                 
Santo Ofício, Habilitações,
Pe. Dr. Crostóvão Correia Barreto.
(1693)
        CRISTÓVÃO DE LEMOS COUTINHO CORREIA BARRETO COELHO (c. 1831) foi capitão de ordenanças e vereador na Câmara do Fundão em 1828 (regência de D. Miguel), 1831, e 1832/33 (reinado de D. Miguel), já falecido em Outubro de 1836 quando a sua irmã Josefa morreu. Sabemos que morou em Alcongosta, mas não conseguimos apurar quais eram os seus progenitores, o seu estado civil, assim como não sabemos de deixou descendência. 
Ao certo apenas ficamos a saber, pelo Livro de registo de Óbitos do Fundão (1798-1840), que teve uma irmã de nome JOSEFA DE LEMOS COUTINHO (1760?-1836), falecida de “febre catarral” (bronquite, ou tuberculose?) a 7-X-1836 no Fundão quando contava 76 anos e já era viúva de Martinho José da Costa, filho de Manuel da Costa, tendo recebido sepultura na capela de Nossa senhora da Conceição. Fez testamento, no qual deixou o encargo de 145 missas por sua alma dos seus antepassados, entre os quais destacamos este seu irmão Cristóvão; os seus tios Domingos, Manuel, e João de Lemos; assim como o seus avós Manuel de Morais Sarmento, e Bartolomeu Pires. 

        Esta família, aparentemente caiu no esquecimento, ao qual não terá sido alheio o triunfo da causa do liberalismo. Não sabemos se abandonaram esta vila, à semelhança do que aconteceu com outras que foram perseguidas por servirem a causa do Rei D. Miguel I.
    Sabemos ter havido por estas bandas pessoas cujos apelidos podem indiciar algum parentesco[3].

      Senão vejamos:
     No «Livro para óbitos na freguesia do Fundão em 1866» (Arquivo Distrital de Castelo Branco, PFND18/3/Liv08O Mç 49), fomos encontra o assento do falecimento de BERNARDETE DE LEMOS COUTINHO (1858?-1866), de “oito anos e oito meses” de idade que morreu a 22-VIII-1866 na Rua da Corredoura (actual Rua Dr. José Germano da Cunha), filha de JOSÉ DE LEMOS FREIXO e de D. BERNARDA DE LEMOS COUTINHO BARRETO. Porém, não conseguimos apurar o grau de parentesco destes com Cristóvão de Lemos.
      Destes prováveis parentes encontramos, quase um século antes, o Padre Dr. CRISTÓVÃO CORREIA BARRETO (f. 1731), clérigo do hábito de São Pedro, natural da Covilhã, o qual também foi morador em Alcongosta, terra onde veio a falecer a 13-III-1731, com testamento cujo teor desconhecemos. Dele ficamos a saber, por uma habilitação que este sacerdote fez no ano de 1693 para o Santo Ofício, que era filho de GASPAR CORREIA BARRETO, natural da Covilhã onde foi provedor da Santa Casa da Misericórdia (1665-1666), e de D. MARIANA DE AGUILLAR, natural da Covilhã; pelo lado paterno, era neto de CRISTÓVÃO PROENÇA DA FONSECA (c. 1600), natural da Guarda, falecido na Quinta do Ortigal, freguesia do Telhado, concelho da Guarda, e de sua mulher D. CATARINA MENDES CORRÊA,, natural de Beja; e pelo lado materno, neto de CUSTÓDIO DE AGUILLAR DE SOUSA e de D. ANA DE FORTES[4].
 

Telhado, Quinta do Ortigal,
com pedra de armas dos PROENÇA.
     Recuando no tempo, vamos encontrar um JOSÉ COUTINHO (f. 1771), capitão de ordenanças em 1757, falecido no Fundão a 20-VII-1771, o qual foi casado em Alcongosta com D. MARIA DE LEMOS (f. 1784), também falecida no Fundão a 22-VIII-1784. Poderá estar neste casal a progenitura do nosso Cristóvão de Lemos Coutinho (como indiciam os seus apelidos e o casamento de seus pais em Alcongosta), entretanto armigerado (?), e por essa via acrescentando ao seu nome de baptismo os apelidos CORREIA, BARRETO, e COELHO, recuperados de antepassados mais longínquos.

    Outra hipótese de parentesco em relação aos apelido de LEMOS, COUTINHO e BARRETO que usou, parece ter origem nos senhores da Quinta do Ortigal, mais precisamente em JOSÉ DIOGO DA FONSECA COUTINHO (n. 1733), nascido na Covilhã a 2-VIII-1733, senhor do Ortigal em 1753, casado a 10-II-1754 com sua prima D. JOSEFA BERNARDA CORTE-REAL, o qual era filho de LUÍS DE LEMOS COUTINHO (1666-1743), senhor da Quinta do Ortigal, e de sua mulher e prima D. BRÍZIDA TERESA BARRETO DE SOUSA, natural da Lardosa [5].

Deixamos aqui registo dos elementos apurados sobre este enigmático cidadão fundanense, possibilitando, deste modo, a outros investigadores mais afortunados o aclarar do que aqui reportamos.

      ________________

Notas:

[1]   Cf. João Trigueiros, «A casa e o brasão de Gonçalo Serrão de Azevedo – Atribuição inédita de um Brasão», Jornal do Fundão, Fundão, 2002-VIII-23, p. 42.
[2]   Cf. João Trigueiros, «Casa Nogueira de Andrade», Ebvrobriga, n.º 5, Museu Arqueológico José Monteiro, Fundão, pp. 69-80.
[3]   Muita da informação relativa aos seus presumíveis parentes foi-nos cedida pelo Doutor Joaquim Candeias da Silva, notável investigador da historia local que nunca nos recusou a sua colaboração e ao qual prestamos aqui o nosso tributo de gratidão. Deixamos apenas um lamento, referente à sua obra «Concelho do Fundão – História e Arte» (Vol. II), que há vários anos aguarda oportunidade de ser editada pela CMF, sem que tal se concretize.
[4]   IAN/TT, Santo Ofício, Conselho Geral, Habilitações incompletas, doc. 1151.
[5]   Cf. FALCÃO, Armando de Sacadura, Freires Corte-Reais, Lisboa, Universitária Editora, 2000, p.174.

2012-01-30

LEITÕES - Beira Interior (Generalidades).

LEITÃO
                                                                            
                                        Forma:     Escudo português. Em campo de prata, três faixas
                                                         de vermelho.
                                       Timbre:     Leitão passante de prata, carregado de um filete
                                                         vermelho em faixa.


       A família LEITÃO, segundo o grande linhagista Conde D. Pedro  ̶  D. Pedro Afonso (1287-1354 )   ̶ , parece proceder de D. GUEDA «O VELHO» (c. 1096?), rico-homem que acompanhou o conde D. Henrique quando este veio tomar posse do Condado Portucalense e era originário de uma grande estirpe de Toledo que procedia do rei visigodo Chindasvinto que reinou de 642-653 e tinha fama de sábio legislador. Deste descendem vários ramos desta família, os quais tomaram diferentes apelidos.
       
      Alguns destes viveram em Lodares, concelho de Lousada, tendo acrescentado ao nome o apelido LEITÃO.
      O primeiro que conhecemos foi MARTINS PIRES LEITÃOfidalgo principal e senhor de Lodares, do morgado de Cidoros e do padroado da Igreja de Santa Marinha no termo de Barcelos (filho de Pedro Martins de Lodares  e de sua mulher D. Sancha Pires de Valdomar), casado com D. TERESA RODRIGUES DE URRÔ (f. 1317), da qual teve cinco filhos que propagaram e multiplicaram este apelido até aos nossos dias.
      Vários ramos desta família criaram raízes no centro do país, nomeadamente na Beira Interior onde proliferaram com sucesso, deles havendo importantes núcleos de dispersão, a partir de meados do século XVI, na Sertã, em Vila de Rei, em Oleiros, em Pedrógão Grande, na Idanha-a-Nova, em São Vicente da Beira, em Castelo Novo, terras onde instituíram diversos morgados. São, em toda a Cova da Beira, um apelido muito generalizado devido à sua grande antiguidade.

      Destes destacamos um AFONSO VAZ LEITÃO, 5.º neto do anteriormente mencionado MARTINS PIRES LEITÃO (séc. XIV) de Lodares, que foi cavaleiro de D. João I e alcaide-mor de Idanha-a-Nova, do qual se desconhece o nome da sua mulher que lhe deu quatro filhos que serviram os reis D. João I e D. Duarte, e continuaram o apelido. A sua descendência serviu nos ofícios de Alcaide, Escrivão da Câmara e na Alfandega de Idanha-a-Nova onde viveram. Estes viriam a ligar-se às mais ilustres famílias da Beira Interior, tais como: os Sousa Refóios, antepassados da Casa da Graciosa (Idanha-a-Nova); à Casa da Borralha, que tem a varonia dos Leitão, descendentes de MARTINS PIRES LEITÃO (Borralha, Sertã e São Vicente da Beira); à Casa Tudela Castilho (Praça Velha, Fundão); à Casa Feio de Andrade (Largo da Igreja, Fundão), à Casa dos Brito Homem (Alpedrinha); aos Taborda (Fundão e Alpedrinha); à Casa dos Alvaiázere (Aldeia Nova do Cabo); aos Caldeira (Alpedrinha); à Casa do Morgado de São Nicolau (Alcongosta); á Casa dos Leitões, de Silvestre Fernandes Leitão (Castelo Novo); à dos Achiolli da Fonseca (Oledo e Castelo Branco), e dos Trigueiros Frazão (Salgueiro e Quintãs), entre muitas outras da Beira Interior.

      Fomos encontrar uma vergôntea do ramo da Idanha-a-Nova fixada em São Vicente da Beira: é PEDRO LEITÃO neto do já mencionado AFONSO VAZ LEITÃO que serviu em África os reis D. Afonso V e D. João II, pelo que teve a comenda de São Vicente da Beira e foi casado com D. CATARINA GONÇALVES da qual teve seis filhos. Parte desta descendência veio a espalhar-se pelas diversas aldeias do então concelho de São Vicente da Beira, no qual se incluía em épocas recuadas grande parte da actual Cova da Beira onde este apelido se tornou dos mais comuns devido à sua antiguidade.
     O filho primogénito deste casal foi BARTOLOMEU VAZ LEITÃO foi casado com D. ISABEL FERNANDES MAGRO, da qual teve: GASPAR VAZ LEITÃO, prior em São Vicente da Beira; CRISTÓVÃO VAZ MAGRO; FAGUNDA VAZ LEITÃO; e D. CATARINA VAZ LEITÃO, da Soalheira. Hipoteticamente poderá estar neste ramo o antepassado da família LEITÃO do Souto da Casa, concelho do Fundão, a qual usou por mais de uma vez o nome de baptismo Bartolomeu.

        Tal como os aparentemente muito comuns apelidos dos PROENÇA, e dos OLIVEIRA, o apelido LEITÃO e o sangue herdado de D. GUEDA «O VELHO», companheiro de armas do Conde D. Henrique, continua a circular nas veias de grande parte da população da Beira.

2012-01-29

OLIVEIRAS - Souto da Casa, Fundão (Generalidades).


OLIVEIRA

                             Forma:      Escudo português. Em campo vermelho uma oliveira de verde,
                                               arrancada de prata e frutada de ouro.
                            Timbre:      A oliveira do escudo.


Este apelido bastante comum em toda a Beira Interior espalhou-se por todo o concelho do Fundão onde é conhecidos desde os alvores do século XIV, ligando-se à quase totalidade das linhagens das diversas casas solarenga mais antigas, nelas espalhando as suas vergônteas até aos nossos dias. Esta família é uma das principais famílias fundadoras deste concelho.

Os OLIVEIRAS eram originários da freguesia de Santa Maria de Oliveira, termo de Arcos de Valdevez, onde tinham o seu paço no qual provavelmente terá nascido de Pedro Oliveira, 1.º senhor do Morgado de Oliveira (fundado em 1306), o qual era um dos mais antigos de Portugal e veio posteriormente ter a sua sede no Alentejo.
No concelho do Fundão este apelido é bastante comum devido à sua antiguidade, e a sua hipotética origem está nas contíguas freguesias de Aldeia de Joanes e de Aldeia Nova do Cabo.

         Um dos primeiros desta família, conhecido nesta região nos primórdios do século XVI, foi Pedro de Oliveira de Proença, 10.º neto de Rui Martins de Oliveira, do tronco dos Oliveira, o qual casou com ANA DE PROENÇA, irmã de BELCHIOR PROENÇA, moradores no Freixial. Foram pais de GASPAR PROENÇA casado com sua parente D. ANA DE OLIVEIRA, herdeira do Morgado das Grangeas em Aldeia Nova do Cabo, filha de DIOGO PAIS DA CUNHA (f. 1575) e de D. MARIA VAZ (f. 1549), os quais tiveram filhos que deixaram numerosa prole que esteve na origem Oliveiras que se espalharam nesta região.
          Alguns deles tiveram Carta de Brasão de Armas e ligaram-se por casamentos às mais ilustres famílias, das quais destacamos as casas de Sarnadas (Condes de Tondela), do Outeiro (Condes de Idanha-a-Nova), do Morgado de São Nicolau (Alcongosta), dos Geraldes de Melo (Idanha-a-Nova e Aldeia Nova do Cabo), do Terreiro (Aldeia Nova do Cabo), dos Figueira Castelo Branco (Aldeia Nova do Cabo), dos Nogueira de Andrade (Fundão), dos Oliveira e Cunha (Fundão), dos Tudela Castilho (Fundão), do Salgueiro e das Quintãs (Viscondes do Sardoal), entre muitas outras por toda a Beira Interior.

    Destes OLIVEIRAS destacou-se também nesta época D. BEATRIZ BARREIROS DE OLIVEIRA, supostamente nascida em Aldeia de Joanes, mãe de D. Frei DIOGO GOMES DA SILVA (1485-1541), 1.º Inquisidor Geral de Portugal (1531-1539), desconhecendo-se o nome do seu antepassado Oliveira, assim como a sua origem geográfica, já que os genealogistas e biógrafos do Inquisidor detiveram-se mais nos costados da família SILVA devido à sua proeminência social, pois provinham da velha linhagem da ilustre Casa dos Silvas, família de altos dignitários da corte e dos maiores terratenentes de Portugal cujos extensos domínios se estenderam até Aldeia de Joanes.

O mais antigo Oliveira que encontramos no Souto da Casa foi:

1.   DOMINGOS DE OLIVEIRA (n. 1639), nasceu a 16-I-1639 em Aldeia Nova do Cabo, concelho do Fundão,
     filho de SIMÃO RODRIGUES e de D. MARIA DE OLIVEIRA; neto materno de Baltazar de Oliveira e de sua
     mulher D. Isabel Nunes Proença.
     Casou a 2-XII-1666 no Souto da Casa, Fundão, com D. CATARINA ROSQUILHA, natural de Aldeia Nova do
     Cabo, Fundão, filha MATEUS RODRIGUES ROSQUILHA e de D. MARIA NUNES.
     Tiveram:
     2.   D. MARIA DE OLIVEIRA (n. 1669), que segue abaixo.
     2.   DOMINGOS DE OLIVEIRA (n. 1681), nasceu a 12-IX-1672.
     2.   JOÃO DE OLIVEIRA (n.1681), nasceu a 17-I-1681.

2.    D. MARIA DE OLIVEIRA (n. 1669), nasceu a 29-IX-1669 no Souto da Casa, tendo casado com MATIAS
      FERNANDES LAGARTO, filho de António Fernandes Lagarto, natural do Souto da Casa, e de D. Maria
      Fernandes. Desta família é conhecido outro (?) António Fernandes Lagarto, casado em 1704 com sua
      mulher D. Domingas Vaz, natural de São Vicente da Beira.
     Tiveram:
     3.   MATIAS (n. 1705), nasceu a 26-X-1705 no Souto da Casa, Fundão.
     3.   DOMINGOS (n. 1713), nasceu a 27-XII-1713 no Souto da Casa, Fundão.
     3.   D. MARIA (n. 1718), nasceu a 26-VII-1718 no Souto da Casa, Fundão.
     3.   AGOSTINHO DE OLIVEIRA (n. 1721), que segue.

3.   AGOSTINHO DE OLIVEIRA (n. 1721), nasceu a 5-V-1721 no Souto da Casa, Fundão, tendo casado com
     D. MARIA PINHEIRO.
     Tiveram:
     4.   JOSÉ DE OLIVEIRA, o qual casou com D. JACINTA MARIA, filha de António  Assunção e de D. Ana
          Maria. Estes tiveram geração que propagou este apelido até aos nossos dias.


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Apêndice:


As Terras de Oliveira

                                                                                           Se queres compreender qualquer coisa, 
                                                                                           observa o seu ínicio e o seu desenvolvimento
                                                                                                                                             Aristóteles
Texto gentilmente cedido por
António Coutinho Coelho
                                                          

      No Dicionário de Américo Leal encontramos mais de 300 lugares com o nome de Oliveira, no território português, embora os possamos encontrar igualmente na Galiza. São, essencialmente,  pequenos lugares mas também vilas e cidades como Oliveira de Azeméis, Oliveira de Frades, Oliveira do Bairro, ou Oliveira do Hospital.

     "Oliveira", com variações de grafia, como Olveira, Ulveira, ou Ovar, é um topónimo cuja origem se associa à existência de um pântano ou de zona alagada. Uma "Ulveria", deriva do latim ulvaria, solo pantanoso, terra de lameiro (local onde abunda a ulva, alga palustre), nada tendo a ver com a árvore cujo fruto é a azeitona. Ulva (Linnaeus 1753) e Ulvaria (Ruprecht 1850)  são dois géneros distintos de algas verdes da família Ulvaceae. As terras de Oliveira, com efeito, estendem-se ao longo da bacia hidrográfica do Vouga, uma bacia entre grandes serras, de um lado o Caramulo, o Karmel, a montanha dos canaanitas e hebreus, e do outro a Gralheira, e que na sua parte mais baixa se sabe ter já existido um lago, que terá sido a ulveria ou ulveira. Oliveira passou a ser o modo mais fácil e generalizado de pronunciar ulveira ou ulveria.

     O rio Vouga era, em tempos antigos, navegável em grande extensão e conhecido de fenícios e púnicos. Aí se desenvolveram férteis terrenos agrícolas, o que se traduziu desde tempos muito antigos numa significativa densidade populacional. Com um clima temperado, de características quase mediterrânicas, poderemos até aí observar extensos e magníficos laranjais.

     O primeiro documento (que se conhece) a dar notícia da existência das terras de Oliveira tem data de 922, e faz parte da doação do rei Ordonho II, de Leão, ao bispo Gomado, de várias terras ao Mosteiro de Crestuma (Castro de Uíma): ” E a Vila de Oliveira, com a sua igreja de São Miguel com seus direitos e aumentos”. Sabe-se também da doação do antigo Couto de Ulveira feita por D. Afonso Henriques aos monges de Santa Cruz de Coimbra, em 1169 (Cf. Foral de Oliveira de Frades - Arquivo Nacional da Torre do Tombo, livro 3, maço 12, dos Forais Antigos, fls. 69-verso).

     Sendo a terra rica, haveria de ter necessidade de escoar os seus produtos. A feira surge, assim, como inevitável e nada melhor para a sua localização que a antiga estrada romana que de Conimbriga se dirigia a Cale. E, talvez em 910, com Afonso III, de Leão, surge num cabeço, onde terá existido um santuário tribal, junto ao entroncamento com a estrada para Viseu, uma das mais antigas feiras do território, que hoje é Portugal: a feira de Santa Maria (Cf. José Mattoso – A Terra de Santa Maria na Idade Média, ed. Castelo da Feira, 1993). E como onde surgiam feiras sempre surgiam judeus, que prestes aí se instalavam, fazendo valer os seus excelentes dotes de mercadores e comerciantes. Pouco mais tarde, surge outra feira, igualmente importante, em Trancoso, logo adiante da nascente do Vouga, na Serra da Lapa, em Sernancelhe.

      São Miguel, o patrono de Israel é o patrono e orago das ricas terras de Oliveira, o que é usual em terras de cristãos-novos: “Naquele tempo levantar-se-á Mihael, o grande príncipe celestial, o patrono dos filhos do teu povo” (Daniel: 12-1).
     Junto a Romariz encontramos a povoação de Goim. Goy (do hebraico גוי, plural goyim גויים) é a transliteração da palavra hebraica para nação ou povo, também utilizado pela comunidade judaica para se referir aos não judeus, ou gentios. E os gentios destas terras elegeram como seu doce preferido, a fogaça, que nada mais é que uma adaptação do chalat, o pão da bênção do Shabat judaico.

     O rio Vouga que une as terras dos interiores com as terras de fronteiras permeáveis ao mar. Terras onde existem as tais Naves, as “nawes cannanitas”, que seriam as pastagens de um povo, em grande parte dependente do pastoreio. Naves que vão desde o planalto da Nave até às naves de Trancoso ou Sabugal e Almeida, e até essa curiosa Nave de Santo António, na Estrela, em que se consagram as pastagens a Santo Antão, padroeiro dos pastores. Santo António será, como em tantos outros locais, a “cristianização” de um santo egípcio que lembrava mais Athon, que o santo eremita. E tantas outras marcas canaanitas. Rio que segundo parece, os fenícios tanto navegaram. E o barco moliceiro que tantas marcas fenícias tem…
Nomes que perduraram até hoje, pois aos diversos colonizadores, o que menos interessava era o nome dos rios, das terras, das aldeias. Mudá-los para quê? Os nomes dos sítios são estáveis como as sociedades que os utilizam, e insubstituíveis porque são referências indispensáveis à vida quotidiana.
     Por todas estas terras de Oliveira, a fogaça, o folar, a broa de pão de ló como dizem em Ovar, os caladinhos, que se fazem pela Páscoa, sem fermento e sem leite, porque não podem os Judeus comer carne e leite na mesma refeição. “Não comerás o cabrito com o leite de sua mãe” (Deut: 14-21).