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2025-11-23

CAPELA e CONVENTO DE NOSSA SENHORA DO SEIXO, Fundão



Convento do Seixo, Fundão.

Ermida de Santa Maria do Seixo, ou da Senhora do Miradouro
(Séc. IV)

Capela de N.ª Sr.ª do Seixo, Fundão.


A CAPELA DE NOSSA SENHORA DO SEIXO (anterior a 1395), ou ainda “Nossa Senhora do Miradouro”, como também é denominada actualmente, tem uma história que faz parte da identidade da comunidade onde se insere — a Cova da Beira.

Situada na encosta Poente da Serra da Gardunha, à beira de uma trilha primitiva que a atravessava desde o Souto da Casa até Alpedrinha, a partir da qual se contemplava a exuberante paisagem da Cova da Beira, temo por fundo a majestosa Serra da Estrela.

Muito alterada ao longo dos séculos, a pouco mais 200 metros do pequeno Convento do mesmo nome a que posteriormente deu origem, antecede a entrada deste, do lado de fora da sua cerca.

Esta vertente da serra, ao longo deste caminho, envolta num aprazível arvoredo, teve várias designações através dos tempos. Já foi denominada por “serra do Ocaia”; por Souto do Alcambar (do árabe “al-Qanbar”); por “carvalhal de Sam Brás”, ou “monte São Brás”, topónimo tirado de uma outra antiquíssima capela de grande devoção que não resistiu ao tempo e foi demolida entre 1694 e 1703, a qual fora edificada na mesma encosta, junto ao que restavam vestígios de um agregado populacional proto-histórico cujo povoamento remonta a 3.000 anos, na transição do II para o I milénio a.C.

O pequeno templo do Seixo é um modesto eremitério que, à semelhança de muitos outros por essa Europa fora, nasceu à revelia das ordens monásticas tradicionais.

Provavelmente nascido sob a inspiração de um franciscanismo radical, numa vivência próxima da mendicidade que gerou alguma hostilidade por parte da hierarquia da Igreja, esta acaba por submeter estas iniciativas à obediência das Ordens tradicionais, com foi este o caso.

Cova da Beira, Fundão

O ermitério do Seixo, assente num território que pulsa entre pedras antigas e ecos de fé, foi erigido com o propósito de recolher com alguma dignidade uma imagem de Nossa Senhora, do Seixo como lhe chamaram, por ter aqui aparecido entre seixos brancos.

Esta imagem, esculpida em pedra de Ançã (calcário português de alta qualidade) – hoje à guarda da Igreja Paroquial –, terá sido aqui escondida em tempos imemoriais pelos cristão em fuga, para a subtrair à depredação de uma qualquer invasão árabe desta região, sucedida a partir da Batalha de Guadalete que derrotou os visigodos em 711, ou da vaga de Amansor que conquistou Coimbra e Covilhã em 980, cuja população procurou refúgio nas serras próximas.

Muitíssimo mais tarde, após a reconquista cristã, foi encontrada e posta à adoração dos muitos devotos que atraía, vindo a dar origem a um convento com o mesmo nome.








Este exíguo cenóbio, foi edificado sem autorização régia pelo ermitão leigo JOHAM DIAZ – João Dias – que estaria na posse da imagem. Sabemos que o mesmo já existia em 1395, ao tempo do rei D. João I (1357-1433), tendo o citado eremita sido dele desapossado por D. Afonso Correia – também conhecido por Afonso Domingues de Linhares –, bispo da Guarda (1367-1384), e posteriormente de Segóvia (1384-1397), em Castela, para onde fugiu depois de lhe ter sido confiscado todo o seu património (que incluía o Solar dos Lagares d'El-Rei em Alvalade, Lisboa, que viria a pertencer aos Condes de Almada), por ter aderido à causa castelhana na Batalha de Aljubarrota (1385), cuja vitória portuguesa garantiu a nossa independência.

Quase todos os eremitérios criados sob a influência da postura humilde e generosa do Povarello de Assis, consagravam o seu destino à penitência, à pobreza e ao trabalho manual. Inicialmente viviam num absoluto isolamento geográfico em comunhão com a natureza, à revelia das instituições eclesiásticas tradicionais. Porém, acabaram submetidos à dependência espiritual de um convento que disciplinaria o seu modo de vida em pequenas comunidades auto-suficientes onde a cupidez e a vaidade não tinham lugar.                                                                                                                                                                                    
Terá sido este o caso em apreço, pois, tendo este local de contemplação sido criado irregularmente por iniciativa do citado ermitão, e ainda não existindo o Convento do Seixo, mais tarde terá ficado sob a tutela de uma casa religiosa próxima – talvez o desaparecido Convento de São Francisco da Covilhã (1235), do qual ainda resta a Igreja de N. Sr.ª da Conceição, e antecedeu o Convento de Santo António da Covilhã (1553), também ele da Província da Soledade.
Em 1386, D. Frei Vasco de Lamego, bispo da Guarda (1384-?), apossa-se da citada capela, quiçá ávido de desfrutar do rendimento proporcionado pelas dádivas generosas dos muitos devotos que acolhia. Esta acaba por ser doada a um clérigo e, segundo sabemos, em 1395, a mesma já pertencia ao Padroado Real.

Provavelmente funcionando como um exíguo eremitério então na posse de frades, acabou ampliado e melhorado por sucessivas reconstruções, a maior das quais sucedeu em 1680, quando lhe acrescentaram um alpendre e retábulos de talha dourada; melhorias que logo se tornariam insuficientes perante a grande afluência de devotos que a frequentavam durante todo o dia.

Desta nova necessidade nasceu o desejo de se edificar um pequeno cenóbio que abrigasse os monges indispensáveis às diversas actividades de assistência e apoio espiritual aos peregrinos que ocorriam á Senhora do Seixo em busca de cura para as suas maleitas. Dessa carência, acabou por surgir nesta encosta, num outeiro um pouco mais acima, o convento dedicado à citada Santa.

Com fama de milagreira, o maior prodígio seu que perdura na memória popular, sucedeu numa véspera de Natal, há hora da Missa do Galo, em 1608, ano em que é atribuída uma aparição da Virgem e cura de um mudo de nascimento (por deformação da língua – anquiloglossia?) que se sustentava de esmolas e costumava varrer a Capela, o qual “começou a falar clara e desembaraçadamente chamando pela Virgem Senhora nossa”, ao tempo do guardião Padre Frei Francisco da Guarda. A repercussão deste acontecimento, levou à intervenção do Vigário Geral de Coimbra, cuja investigação e inquirição de testemunhas fidedignas levaram à validação deste milagre a 27-VII-1609; o qual tornado público, levou a um grande aumento dos romeiros vindos dos lugares mais distantes.

Muitos outros milagres se seguiram, tais como a cura de moribundos que pela sua extensão não cabe aqui relatar.


Convento de Nossa Senhora do Seixo
(Séc. XVI)


Convento do Seixo, reconstruido.


Integrado na Ordem de São Francisco – Ordem dos Frades Menores Capuchinhos –, este pequeno convento datado do século XVI passou a depender da Província da Soledade em 1673.

Já teve diversas designações, sendo outrora também conhecido por Convento de Nossa Senhora da Natividade, assim como por Convento de Santo António, denominação esta que chegou aos nossos dias.

D. Frei Diogo da Silva
(1485-1541),
Arcebispo de Braga
(col. da Sé de Braga).

Em 23-X-1522 é passada uma provisão régia para a sua construção, a qual se inicia em 1526 por solicitação de D. FREI DIOGO DA SILVA (1485-1541), um clérigo nascido em 1485 na secular Casa do Outeiro (de Cima), ou do Bispo, localizada em Aldeia de Joanes/Aldeia Nova do Cabo, no sopé desta encosta, a pouco mais de 1.000 metros desta ermida, a qual por sucessão está na posse da família Trigueiros Aragão.

D. Frei
Aldeia de Joanes,
Casa da Comenda ou do Outeiro,
Séc. XV.

D. Frei Diogo, filho bastardo de João Gomes da Silva, Comendador da Ordem de Cristo “com voto de castidade”,  e de Beatriz Barreiros de Oliveira, senhora de uma das Casas mais distintas de Aldeia de Joanes/Aldeia Nova do Cabo (Casa da Comenda, ou do Outeiro (de Cima), entre muitos outros cargos foi Bispo de Ceuta (1334), 1.º Inquisidor do Reino (1531) pela Bula de 7-XII-1531, função esta que, mesmo após uma intimidação papal – breve Cum Nuper – rejeitou devido à bondade do seu carácter, terminando os seus dias como Arcebispo de Braga (1539-1541). Foi ainda Desembargador do Paço e confessor do rei D. João III (1502-1575), o que lhe dava alguma superioridade na corte, a qual terá facilitado os seus intentos de diligenciar a edificação do Convento do Seixo em terrenos da Coroa, junto à casa onde nascera. Para este efeito, o monarca, juntamente com D. Jaime (1479-1532), 4.º Duque de Bragança, contribuíram com avultada esmola para a construção do primitivo edifício que foi iniciada em 1526.

Muito mais tarde, o Convento aumentou a sua cerca para tornar viável a agricultura (principalmente de cereais, azeite e vinho) e pastorícia (com vários rebanhos e pastores), assim como recebeu sucessivas melhorias e ampliações.

Em 1616, o padroado da Capela da Sala do Capítulo foi concedido a dois benfeitores que forem Bartolomeu Afonso da Fonseca e sua esposa D. Isabel Vaz de Barros (ou Barreiros?), da citada Casa do Outeiro (Aldeia Nova/Aldeia de Joanes), para nela se poderem sepultar, sendo esta descendente de D. Frei Diogo da Silva (1485-1541).

Convento do Seixo (ruínas),
 Colunata  do Claustro, 
com sepulturas dos momges
Em 1667, presumivelmente devido ao aumento de monges e noviços, sofre uma nova ampliação; assim como em 1669, recebe a doação de um outeiro situado atrás da igreja sendo então removido fontanário octogonal que se encontrava no claustro para o jardim fronteiro. Claustro este que hoje ostenta uma bela colunata à sua volta, a qual acolhia as sepulturas anónimas dos monges aí falecidos, alguns deles envoltos em fama de santidade, ou célebres pelo seu perfil intelectual, dos quais destacamos: Frei Domingos de Lisboa (f. 1640), nomeado por Filipe III juiz da de Beja e mais tarde de Coimbra em cuja Universidade foi catedrático, após o que professou tendo falecido no Seixo em 1640; Frei Francisco da Idanha (1588-1666), notável pela sua cultura e dons proféticos que lhe granjearam a admiração entre governantes e nobres, muitas vezes postos à prova em diversos acontecimentos da política nacional, que previu a própria morte; e Frei José de Mesquitela (f. 23-IV-1728), catedrático de Filosofia e Teologia na Universidade de Coimbra que morreu com fama de santidade.










Este espaço de dois pisos, de grande centralidade e beleza, congregava em seu torno as antigas dependências conventuais, nomeadamente o refeitório e cozinha, o scriptoria, a biblioteca, e adega. O piso superior destinava-se às celas dos frades, à casa de hóspedes e respectiva enfermarias.

Em 1673 passa a integrar a Província da Soledade. No ano seguinte, em 1674, é por iniciativa do guardião Frei Francisco de Pereiras – responsável máximo pelo governo e condução espiritual do convento –, é encomendada em Lisboa uma nova imagem de N. Sr.ª da Assunção para o altar-mor, sendo a anterior recolhida ao Convento de Santo António da Covilhã.

Em 1684 o Papa Inocêncio XI concede indulgências ao altar-mor, confirmadas em 1700 por Inocêncio XII.

Em 1714, aumenta novamente as suas instalações e recebe um novo dormitório no piso superior, assim como oficinas (carpintaria de mobiliário, imagens de santos e altares em talha), enfermaria e biblioteca com cerca de 4.000 volumes, melhoramentos reveladores da importância alcançada pelo culto aqui implantado.

Em 1738 é edificada a capela-mor da Igreja e executado o retábulo.

Mais tarde, é equipado com uma forja (1755), para produção de alfaias agrícolas, ferragens várias, grades e portões.

Em 1779, é nele criada pela rainha D. Maria I uma “Escola de Ler, Escrever e Contar”, nomeando para seu mestre Frei António do Alcaide. É a primeira Escola Pública do Fundão que pouco mais teria do que dez alunos.

Em 1834, com o fim da Guerra Civil e o triunfo do Liberalismo, a sua corrente mais anticlerical apaga este farol então devotado ao serviço assistencial – aos enfermos e indigentes – e educativo da comunidade. A este símbolo de bem-fazer, que iluminava com o seu saber e compaixão este recanto da então frondosa serra plantada de castanheiros e carvalhos, é posto fim com o decreto da extinção das Ordens Religiosas (28-Maio-1834).

Confiscados os seus bens a favor do Estado, estes são posteriormente alienados em hasta pública, pelo que passam sucessivamente às mãos de entidades privadas.

Começa então o saque, num banditismo oficializado e apoiado na Lei. O seu valioso recheio é desencaminhado, o campanário com o respectivo sino é-lhe mais tarde retirado e passa a encimar o centro da fachada dos Paços de Concelho do Fundão; a valiosa Biblioteca é saqueada é dispersa; as valiosas obras de arte e alfaias religiosas são desviadas; assim como diversas cantarias da fachada que lhe são retiradas e vendidas a pataco.

O retábulo, juntamente com uma imagem de Nossa Senhora da Assunção datada de 1745, foi vendido para integrar a Igreja Matriz da freguesia de Partida, próxima a São Vicente da Beira.

Nos nichos da fachada, as presumíveis imagens de N. Senhora, S. Francisco e Santo António, que a tradição nos diz terem aí estado, também levaram sumiço...

À data da sua extinção ainda restava parte de uma frondosa mata de árvores exóticas, acompanhadas de castanheiros e carvalhos seculares, assim como belíssimos pomares e terras de cultivo com várias nascentes de água abundante, distribuída por um funcional sistema de irrigação e cinco fontes, quase tudo isto hoje degradado ou desaparecido.

Quanto aos monges, 21 na sua totalidade, são julgados e só dez deles terão direito a pensões de sobrevivência. Após a morte do último monge aí residente, o convento passa definitivamente à posse do Estado que em 1915 aí estabelece um posto agrícola com viveiros de espécies arbóreas.

Claustro, arruinado.

O edifício foi cedendo lentamente ao peso do tempo e ao abandono. O vandalismo e pilhagem completaram o seu trabalho, transformando-o num esqueleto de vigas e sombras onde a noite se instalou como morada. Do que sobejou nasceu o actual “Boutique Hotel & Spa” com 21 quartos – o mesmo número de monges do Convento à data da sua extinção. Este hotel de 5 estrelas é resultado de uma profunda reconversão datada de 2018.

Em 2021 foi classificado como Monumento de Interesse Municipal, reconhecendo o seu valor cultural e arquitectónico para o concelho do Fundão.

 Que este passado de serviço e abnegação, longe da vaidade e da cupidez humana, ilumine o futuro.

 

João Trigueiros

Agradecimentos:

Com profunda gratidão, reconheço a riqueza colhida nas páginas do livro «Convento de Nossa Senhora do Seixo do Fundão», obra do estimado João Mendes Rosa (Câmara Municipal do Fundão, 1997), o qual nos abandonou prematuramente em 2021. Foi a esta obra ímpar que recorremos para aqui dar nota deste monumento.

Cada linha, cada imagem, cada referência histórica ali contida, é mais do que informação — é memória viva, é património preservado com sensibilidade e rigor.

A dedicação do autor em entrelaçar história, lenda e literatura, revela não apenas o valor arquitectónico e espiritual do Convento, mas também a capacidade de inspirar a reflexão sobre o passado e iluminar o presente com a sua aura de mistério e transcendência — um verdadeiro tesouro para quem busca compreender o Fundão e suas raízes.

A sua escrita sensível e erudita devolveu vida às pedras antigas, às tradições esquecidas e à alma franciscana que permeia o Convento do Seixo. Cada página é um convite à contemplação, à escuta do silêncio e à redescoberta da simplicidade.

Este livro não é apenas um registo histórico, que nos inspirou — é um gesto de amor à memória, à espiritualidade e à beleza que habita este território.

Á sua memória, em honra ao seu espírito e à inspiração franciscana que tanto valorizava.

Obrigado.

 

João Trigueiros