2010-04-08

Casa do Serrão (Séc. XVII) - Fundão


Gonçalo Serrão de Azevedo (1590?-1662), 1641.
  

                           Brasão de:   Gonçalo Serrão de Azevedo (1590?-1662)
                           Forma:         Escudo português inclinado para a dextra e cortado. O chefe do
                                                cortado terciado em pala: o 1.º de SERRÃO – um leão sobre um
                                                monte; o 2.º e o 3.º, em conjunto, de AZEVEDO (simplificado) – o
                                                primeiro com uma águia estendida, e o segundo com cinco estrelas
                                                de seis pontas e bordadura carregada com oito aspas.
                                                O contrachefe de ROCHA – uma aspa carregada de cinco vieiras.
                           Elmo:           De grades voltado a três quartos de perfil, olhando à direita do 
                                                escudo.
                           Timbre:        Um leão sainte, tirado das armas da família Serrão.
                           Local:          Fachada de casa na Rua da Cale, Fundão.
                           Data:           1641



Casa do Serrão, Rua da Cale,
 Fundão.
     A meio da emblemática Rua da Cale, uma das antigas artérias do burgo, no lado esquerdo de quem sobe, situa-se uma casa armoriada cujo brasão durante vários séculos resistiu a todas a tentativas de identificação do seu legítimo detentor. A leitura das peças heráldicas indiciadoras dos respectivos apelidos que aí figuram não nos levantava problemas.   
   A questão que se levantava, era a sua atribuição a qualquer personagem conhecida na história local. As famílias nele representadas aparentemente não pertenciam ao número daquelas que, desde há longos séculos, são referenciadas nesta região. Para dificultar a pesquisa havia algumas interpretações já publicadas que davam esta casa como tendo pertencido à família do padre António Vieira, atribuições estas alicerçada num erro de interpretação heráldica, induzido pelo facto de uma das partições do escudo ostentar cinco vieiras.


Brasão
      Esta pedra de armas, trabalho de cantaria de fino recorte a denotar a mão hábil de um artista sensível, apresenta uma composição quase irrepreensível segundo as mais estritas regras da Armaria, com todos os seus elementos entre os quais sobressai um bem desenhado paquife de folhas de acanto que se desenvolve com grande sentido estético e ocupa toda a forma rectangular onde se inscreve. Devido à sua apreciável dimensão é formado pela junção de dois blocos de granito que se unem a meio da metade superior, sem prejuízo para a estética do seu conjunto, estando emoldurado por um bem desenhado rebordo exterior saliente.
     Para sabermos a quem pertenceu esta imponente representação escudo de armas, temos que fazer a leitura detalhada das suas diversas peças heráldicas, sem perder de vista o seu conjunto.
     O escudo do brasão, quanto à sua partição é cortado. A primeira metade superior está terciada em pala: o 1.º de SERRÃO (leão sobre um monte); o 2.º e 3.º, em conjunto, de AZEVEDO (o primeiro com uma águia estendida, o segundo com cinco estrelas de seis pontas e bordadura carregada de oito aspas). A parte inferior representa a família ROCHA (aspa carregada de cinco vieiras). A encimar o escudo temos o elmo, aberto e voltado para a direita, posto a três quartos, o que indica ser de um nobre de mais de três gerações. Por cima deste figura o virol, sobre o qual assenta como timbre um leão sainte que representa a família SERRÃO.
     As armas da família Azevedo, aqui representadas e vindas por via de uma avó materna, são derivadas das armas da família Azevedo Coutinho, senhores da casa de São João de Rei.
Esta pedra de armas, de rara qualidade estética, só tem paralelo no concelho do Fundão, tanto na sua tipologia como na data da concessão, numa outra existente na casa dos morgados de São Nicolau em Alcongosta. Sabemos que teve carta de brasão de armas em Abril de 1641, desconhecendo-se o alvará da sua concessão .

Gonçalo Serrão de Azevedo
     O seu detentor foi GONÇALO SERRÃO DE AZEVEDO (1590?-1662), natural de Lisboa, o qual veio residir no Fundão . É ele o primeiro Serrão a ser mencionado na história desta terra, e sabemos ter nascido por volta de 1590 em Lisboa, ao que parece na freguesia das Mercês como consta no seu registo de casamento. Falecido a 28-V-1662 no Fundão, com testamento, foi sepultado na igreja matriz.
      Fixou-se nesta terra ao serviço da administração Filipina no desempenho do ofício de «escrivão das sisas gerais, guias e selos dos panos do Fundão», cargo para o qual foi nomeado por carta régia de 15-II-1622, em substituição do anterior titular Manuel Carvalho, entretanto falecido. Exerceu este ofício até ao final dos seus dias, durante quarenta anos.
Por altura da concessão das armas já citadas (1641), recebeu ainda a mercê de escudeiro fidalgo com 750 réis de moradia por mês, tendo passado a cavaleiro fidalgo em retribuição dos serviços prestados por seu pai .
       Em 1656, em busca de maior prestígio social ou melhores condições económicas, habilitou-se para o cargo de familiar do Santo Ofício, porém sem sucesso. Apesar das boas informações obtidas no início do processo de habilitação, acabou por lhe ser recusado o cargo devido ao parecer negativo de algumas das seis testemunhas inquiridas no Fundão. Estas, talvez por despeito ou devido a algum ajuste de contas provocado pelo seu ofício de escrivão de sisas, foram contraditórias nos seus testemunhos e alegaram «que não era de boa vida e costumes» e «estava infamado de cristão novo», sendo «incapaz de guardar segredo»; enquanto outras reconheciam que vivia «com limpeza», que «se tratava bem», e era pessoa de «juízo» .
       Era filho legítimo de Manuel Serrão de Azevedo, moço da câmara de Sua Majestade, escrivão da Mesa da Câmara do Desembargo do Paço, natural de Moura, e de sua mulher D. Branca Rodrigues de Azevedo, natural da freguesia dos Mártires em Lisboa, onde residiu na Rua da Barroca, e dos quais há testemunho de terem morado na Covilhã na década de 1620, donde muitas vezes vieram ao Fundão, e onde seu filho ocuparia um cargo.
     Era neto paterno de Francisco Serrão, moço da câmara de Sua Majestade, executor das contas do Reino, e de sua mulher D. Joana Lopes da Rocha, da vila de Serpa; e neto materno de Brás Fernandes de Azevedo que teve foro e moradia da Casa Real, e de sua mulher D. Isabel Manoel, moradores na Rua da Barroca, ao Bairro Alto, em Lisboa.
Seus pais e avós, originários de Lisboa, de Moura e de Serpa, eram gente nobre de longa data com foro da Casa Real, na qual serviam.
     Casou duas vezes e teve pelo menos 14 filhos, dos quais nem todos sobreviveram por muito tempo. Esta numerosa prole indiciava alguma capacidade financeira do patriarca desta família, o que certamente não o livraria de algumas dificuldades para sustentar tantos filhos. O ordenado anual de mil réis que lhe competia no exercício do cargo que desempenhava, ao qual juntaria alguns outros emolumentos ou tenças, não sendo de pequena monta, seria certamente insuficiente face à instabilidade e dificuldades económicas sentidas nos últimos tempos da monarquia filipina, assim como da guerra resultante da subsequente restauração da coroa portuguesa.
      As sua primeiras núpcias foram celebradas na igreja matriz do Fundão a 16-XII-1624 com D. ANTÓNIA RODRIGUES (f. 1635), filha de António Dias e de Antónia Rodrigues, todos daqui naturais, provavelmente moradores na rua que mais tarde passou a designar-se por rua do Serrão, por este aí ter residido após o seu casamento, em casa próxima dos seus sogros, que eram cristãos-velhos e tinham decerto alguma capacidade económica. Sua mulher faleceu a 27-XI-1635, doze dias depois do último parto de seu filho João, que não terá sobrevivido por muito tempo, tendo sido sepultada dentro da igreja paroquial do Fundão.
      Falecida sua primeira mulher, Gonçalo Serrão de Azevedo passou a segundas núpcias a 2-IX-1637 na Igreja de Nossa Senhora da Graça, em Castelo Novo, com D. JULIANA DA COSTA PINTO (f. 1679), natural da Guarda, falecida a 1-III-1679 no Fundão, com testamento e sepultada na igreja matriz; filha de Francisco da Costa Pinto (f. 1639), natural da Torre de Moncorvo, tabelião do público judicial e notas de Castelo Novo, terra onde veio a falecer a 28-VIII-1639, e na qual casou com sua mulher Apolónia Leitão (f. 1668), natural de Castelo Novo.

Do 1.º casamento com D. Antónia Rodrigues, conhecemos os seguintes filhos :
1.º - MANUEL (n. 1626), nasceu no Fundão a 29-XI-1626, tendo por padrinho de baptismo o abastado e proe-
       minente Heitor Pinto Cardoso e Filipa Rodrigues.
2.º - FRANCISCO RODRIGUES SERRÃO (1630-1692), nasceu a 23-III-1630 e foi baptizado a 7-IV-1730, tendo
       por padrinhos Teodósio Correia e sua mulher D. Brites Barbosa, da Covilhã. Este casou com D. Maria
       Nunes, da qual teve vários filhos que foram: ISABEL (b. a 9-VII-1657); MARIA (b. 29-VIII-1658); ANTÓNIO
       (b. a 24-XII-1659); D. ANTÓNIA RODRIGUES DE AZEVEDO, casada a 8-VII-1690 com Bento de Andrade;
       D. DOMINGAS SERROA DE AZEVEDO (b. 2-VIII-1665), casada em 1709 com Lucas da CunhaFaleceu a
        22-III-1692 e foi sepultado dentro da matriz do Fundão.
3.º - MIGUEL SERRÃO DE AZEVEDO (1633-1701), nasceu a 1-X-1633 e foi baptizado 8 dias depois, apadrinha-
      do por Heitor Pinto Cardoso e Brites da Rocha. Casou no Fundão com D. Ana Mendes, filha de D. Ana
      Rodrigues, viúva de Francisco Mendes Falcão. Faleceu a 5-II-1701 e foi sepultado na igreja da Misericór-
      dia.
4.º - JOÃO (n. 1635), nasceu a 15-XI-1635, baptizado a 23-XI-1635, tendo por padrinhos João Correia, juiz de
      fora da Covilhã, e Maria Rodrigues.

Do 2.º casamento com D. Juliana da Costa Pinto, teve numerosa prole:
5.º - MARIA AZEVEDO (n. 1638), nasceu a 15-VIII-1638, sendo apadrinhada pelo prior Dr. Gaspar Gomes Real
      e Ana da Costa Pinto, mulher de Francisco Dias Beirão. Casou em 1662 com André Botelho da Fonseca.
6.º - MANUEL (n. 1639), nasceu a 5-IX-1639, tendo por padrinhos o mesmo prior e Branca Nunes, mulher de
      Francisco Salvado. Terá falecido novo.
7.º - FRANCISCO DA COSTA PINTO (1641-1696), nasceu a 12-V-1641 e foi também apadrinhado pelo prior Dr.
      Gaspar Gomes Real. Terá falecido em 1696, ano em que foi reconhecido aos seus filhos a sucessão nos
      cargos e ofícios de seu pai. Fidalgo da Casa Real e capitão de cavalos com o soldo de 32$000 réis por
      sucessão de seu pai e carta de 10-X-1669, foi-lhe atribuído a propriedade do ofício de «escrivão das sisas
      gerais do Fundão e dos panos e selos deles e das guias do lugar do Fundão» por cedência de sua irmã
      Apolónia Leitoa. Em 25-V-1669 obteve uma tensa de 80$000 réis de pensão e o hábito da Ordem de Cristo.
      Foi assistente em cortes e procurador de Castelo de Vide (1674?) e da Bahia (1679-1680), recebendo o en-
      cargo de escrivão da câmara na Mesa do Desembargo do Paço.
      Casou duas vezes e teve geração de ambos os casamentos. Das segundas núpcias celebradas em Lisboa
      com D. Francisca Leonor de Bacelar Sotomayor (n. 1662), natural de Monção, teve dois filhos: 
     GONÇALO FRANCISCO DA COSTA SOTOMAYOR (n. 1686), nascido em Lisboa; e DUARTE CLÁUDIO HUET
     SOTOMAYOR (n. 1687), também nascido em Lisboa e herdeiro do ofício de escrivão de cisas. Destes pro-
     cedem os Huet Bacelar dos nossos dias.
8.º - GONÇALO DA ROCHA SERRÃO (n. 1662), nasceu a 18-XII-1642 e foi apadrinhado pelo mesmo prior e por
      sua tia Apolónia Leitoa, solteira, de Castelo Novo. Combateu na Guerra da Restauração e obteve a mercê
      de capitão da Companhia de Infantaria da Bhaia (16-IV-1676), no Brasil. Por carta padrão de 9-V-1681 teve
      uma tença de 12$000 réis e o hábito da Ordem de Cristo .
9.º - ANTÓNIO (n. 1644), nasceu a 1-I-1644 e foi apadrinhado pelo sobredito prior e por Maria Salvada, mulher
      de Manuel Homem.
10.º - D. APOLÓNIA LEITOA (n. 1646), baptizada a 14-III-1646. Obteve um dote de 200$000 réis e a mercê dos
      ofícios de seu pai que era «escrivão das sisas gerais do Fundão». Como não casou, passou este direito
      à posse do seu irmão Francisco da Costa Pinto, tendo ingressado como religiosa no convento de São Vi-
      cente da Beira.
11.º - JERÓNIMO DA COSTA PINTO (1647-1704), nasceu em perigo de vida a 28-III-1647 pelo que foi baptizado
      em casa pelo cura P.e José Alves, recebendo posteriormente a 12-V-1647 os santos óleos na matriz do
       Fundão. Prestou serviço na cavalaria e infantaria da província da Beirasendo posteriormente nomeado
       capitão da Companhia de Infantaria da Bahia no Brasil por uma provisão datada de 24-III-1684, terminan-
       do por servir na província do Alentejo, onde a morte o surpreendeu no quartel de Borba a 22-XI-1704 com
      perto de 29 anos de serviço activo e no posto de alferes de infantaria.
12.º - JOSÉ SERRÃO DE AZEVEDO (n. 1652), baptizado a 15-X-1652 na igreja matriz do Fundão, apadrinhado
       pelo seu tio materno António da Costa Pinto de Castelo Novo. A 17-III-1696 recebeu a mercê de «capitão
       de infantaria da gente que vai nesta monção de socorro para a Índia na Nau N.ª Senhora da Glória»;
       seguindo-se a 22-III-1696 o alvará de fidalgo cavaleiro da Casa Real com 1$600 réis de moradia por mês e
       um alqueire de cevada por dia, assim como uma carta padrão com ajuda de custo de 600$000 réis para a
       sua viagem para a Índia.
13.º - D. JULIANA (n. 1657), baptizada a 8-VII-1654 na matriz, apadrinhada pelo prior Pedro Mena Falcão.
14.º - D. MARTINHA (n. 1657), baptizada a 18-VII-1657.


Carta de Brasão de Armas de G. S. A.
«GONÇALO SERRÃO DE AZEVEDO, cavaleiro fidalgo, natural de Lisboa e morador no Fundão, termo da vila da Covilhã; filho de Manuel Serrão, moço de câmara de Sua Majestade, natural da vila de Moura; e neto de Francisco Serrão e de sua mulher Joana Lopes da Rocha, da vila de Serpa. O suplicante era filho legitimo de Branca Rodrigues de Azevedo, natural de Lisboa e filha de Brás Fernandes de Azevedo que teve foro e moradia da casa Real, e de sua mulher Isabel Manoel.Partido de três em chefe: SERRÕES, AZEVEDOS e ROCHAS. Diferença: uma flor-de-lis azul. Brasão passado a ... de Abril de 1641»


Obs:
Devemos às investigações do Professor Doutor Joaquim Candeias da Silva, que fez um exaustivo levantamento dos arquivos paroquiais e das chancelarias régias, muita da informação sobre os descendentes do biografado, o qual foi por nós dado a conhecer em primeira mão num artigo publicado no Jornal do Fundão no ano de 2002. Esse artigo de jornal é a base deste trabalho com recurso a posteriores investigações nossas e do citado investigador, que para nós tem sido um grande exemplo de amor pelo torrão natal, e ao qual expressamos aqui a nossa gratidão.

cfr. TRIGUEIROS, João, «A casa e o brasão de Gonçalo Serrão de Azevedo - Atribuição Inédita de um Brasão», Jornal do Fundão, Cultura, 2002-VIII-23, p. 42; e SILVA, Joaquim Candeias, «Subsídio para o enquadramento histórico da casa onde se encontra instalado o Museu Arqueológico José Monteiro», Revista Ebvrobriga, Fundão, Museu José Monteiro, n.º 5, 2008, pp. 53-68.






2 comentários:

  1. Berenice Bacelar3/03/2011

    Caro SR
    Li seu artigo na internete fiquei surpreza em saber que que os Huet de Bacelar têm ligação com a casa Serrão. Sou Bisneta de Jose Maria Huet de Bacelar(casado com Maria Loureiro de Bacelar)que era filho do 2ºcasamento de Joao huet de Bacelar Botelho Pinto Guedes Sotto Mayor com Maria Gomes da Luz. Moro em Belém, capital do Estado do Pará no Brasil, e meu bisavo quando veio de Portugal, veio morar no municipio de Monte Alegre (Pará). Não tenho muito conhecimento nem relacionamento com outros Huet de Bacelar que são muitos e estão espalhados por todo este imenso Brasil. Meu pai se chama Antonio José Maria Huet de Bacelar,filho de Heitor Huet de Bacelar, que era filho de José Maria Huet de Bacelar. Gostaria de ter mais informação dessa família.
    Meu endereço eletronico é : Berenicebfb@globo.com

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  2. Boa noite ,estou tão feliz de saber um pouco do ancestral da qual eu faço parte .Fazer parte da família Serrão é uma honra. RESIDO EM BELEM DO PARÁ.MINHA FAMILIA VEIO DE PORTUGAL. SOU DINEIDE A. SERRÃO.

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