2016-11-11

CASA SAMPAIO ROQUETTE - Castelo Novo, Fundão (Séc. XIX)


Castelo Novo, Casa Sampaio Roquette (Séc. XIX).

A CASA SAMPAIO ROQUETTE está situada à entrada do centro histórico de Castelo Novo, mais precisamente na confluência da Rua de São Braz com a Rua de Santana: dois dos mais antigos acessos a esta povoação de origem medieval que já foi sede de concelho[1].
Da antiga importância desta fascinante terra, ao longo dos séculos talhada no granito da Serra da Gardunha, além do que resta do seu castelo de origem templária, temos alguns edifícios públicos e capelas, assim como algumas grandes casas senhoriais e solarengas a atestar a grandeza do seu passado. Entre estas evidencia-se pela sua grande área edificada a contígua Casa Correia Sampaio da Quinta do Ouriço, e a adjacente e mais recentemente designada Casa Sampaio Roquette (denominação que lhe foi dada já no primeiro quartel do século XX): ambas anteriormente na posse da mesma família e apenas separadas pela estreita rua de Santana.


A CASA SAMPAIO ROQUETTE é um sóbrio casarão de linhas simples, implantado de frente para a Rua de São Braz, tendo um apreciável reduto nas suas traseiras.
Castelo Novo, Casa Sampaio Roquette.
De planta rectangular com uma cobertura de quatro águas e uma significativa volumetria, esta residência é composta por dois pisos demarcados por um friso em cantaria de granito. Na fachada principal, cada um dos pisos apresenta cinco vãos, tendo o andar térreo um balcão lateral alpendrado. Apresenta ainda duas portadas de entrada na fachada principal, as quais podem indiciar ter este edifício resultado da união de duas bem mais modestas habitações aí existentes desde tempos recuados, as quais foram reedificadas e unidas já nos finais do século XIX, dando origem ao actual casarão.
A antiguidade da casa, ou das casas que deram origem a esta, pode ser avaliada por um portado quinhentista que lhe fica próximo[2].
Na fachada que dá para a Rua de Santa Ana, apresenta um painel azulejar com figuração mariânica a condizer.

Origem e sucessão na posse da casa
Na falta de documentação fidedigna sobre a origem desta casa, apenas podemos fazer algumas deduções a partir do estudo genealógico da citada família Correia Sampaio, senhores da contígua Quinta do Ouriço, nos quais entroncam os proprietários da Casa Sampaio Roquette
Castelo Novo, Solar Correia Sampaio,
 Qta. do Ouriço
A origem dos dois casarões – o Solar Correia Sampaio (Quinta do Ouriço) e a Casa Sampaio Roquette – partiu de casas mais simples que foram sendo expandidas e beneficiadas ao longo dos séculos.

Uma das primeiras ampliações da casa rural que lhe terá dado origem, terá ficado a dever-se a MANUEL DA SILVA CABRAL (n. 1645) (III), homónimo de seu pai e avô, nascido a 29-V-1645 em Castelo Novo e aí casado a 29-V-1667 com D. MARIA FREIRE (f. 1699), irmã do corregedor de Castelo Branco Dr. Manuel Freire de Matos (f. 1684)[3]. Sem geração legítima do seu casamento, terá deixado estes bens a um afilhado de baptismo que foi Pedre Freire Corte-Real (n. 1676), certamente parente de sua mulher como indicia o apelido Freire que lhes é comum, pois é na sua descendência que anos mais tarde vamos encontrar estas propriedades.

Os antepassados de MANUEL DA SILVA CABRAL (n. 1645) (III) alcançaram alguma proeminência em Castelo Novo nos finais da dominação filipina, ou, mais provavelmente, após a Restauração (1640), o que os levou a reunir um apreciável património. Este era filho de outro MANUEL DA SILVA CABRAL (II) que foi casado com MARGARIDA DA SILVA E CUNHA.
Castelo Novo, 

Casa Sampaio Roquette (Séc. XIX),

pormenor da fachada lateral.
Como já foi dito, terá sido ele – ou o seu pai homónimo (?) – que ampliou parte da primitiva casa da Quinta do Ouriço, na origem uma pequena residência com capela anexa, a qual viria a dar origem ao actual Solar Correia Sampaio, resultante de sucessivos acrescentos pelos seus herdeiros que dispunham de um apreciável património de terras à sua volta, nos quais se incluía os terrenos da que viria a ser mais tarde Casa Sampaio Roquette.
Manuel da Silva Cabral (n. 1645) (III), a 22-XI-1695, por volta dos cinquenta anos de idade e provavelmente pelo facto de não ter filhos legítimos, vendeu algum do património que tinha fora de Castelo Novo ao capitão-mor de Idanha-a-Nova Francisco Marques de Andrade e a sua mulher D. Francisca Nunes Moucho[4].
Das cerca de dez propriedades que constam desta venda temos umas casas em Aldeia do Bispo no concelho do Sabugal; assim como diversas terras em Idanha-a-Nova, tais como no Pendricão (propriedade actualmente incorporada na malha urbana de Idanha onde ainda subsiste uma rua com este nome), em naves da Chachoresa (?), no Britorto (?), em Campo de Cima no caminho do Ribeiro do Oledo e folha do dito ribeiro[5], na lombada da Cardosa com um curral no Vale do Gamo (junto à Ribeira do Vale do Gamo, próxima da Zebreira)[6], a folha da Ribeira do Aravil nos Zebros (entre Zebreira e Monfortinho?), conforme consta por uma «Carta de Venda feita por Manuel da Silva Cabral e sua mulher Maria Freire …»[7].
Terá conservado na sua posse a Quinta do Ouriço – que então englobaria a casa hoje conhecida por Sampaio Roquette – a qual foi legada a um afilhado, parente de sua mulher (?).


PEDRO FREIRE CORTE-REAL (n. 1676), o presumível sucessor desta casa por herança do citado Manuel da Silva Cabral (n. 1645) (III), nasceu a 20-XII-1676 em Castelo Branco onde foi baptizado na igreja de Santa Maria do Castelo a 31-XII-1676, apadrinhado pelo já citado Manuel da Silva Cabral, de Castelo Novo, e por D. Maria da Cunha natural da Donas, Fundão; filho de Diogo Freire Corte-Real (1653-1681), cavaleiro fidalgo da casa Real, nascido a 10-III-1653 em Castelo Branco onde faleceu prematuramente a 26-IX-1681, casado a 27-X-1672 em Alpedrinha com D. Brizida de Almeida.
Matriculou-se em Leis na Universidade de Coimbra (1-X-1695), foi escrivão da provedoria da Comarca de Castelo Branco[8], e provedor da Misericórdia da mesma cidade (1707-1708), mestre de campo do terço de auxiliares de Castelo Branco[9], familiar do Santo Ofício (Carta de 7-I-1721)[10], assim como, pelo seu casamente, veio a ser senhor do grande prazo da Quinta de Corges na então periferia da Covilhã, junto à da ribeira do mesmo nome, por herança de seu pais.
Casou com D. FILIPA TERESA SERPA DA SILVA LOBO – ou Filipa Lobo da Silva –, da Covilhã, a qual, juntamente com o seu marido, criou um vínculo com o terço dos seus bens; filha de Diogo de Serpa da Silva (c. 1696), senhor do grande prazo da Quinta de Corges na Covilhã, familiar do Santo Ofício (Carta de 28-XI-1696), e de sua mulher D. Inês Tavares da Costa Lobo, ambos naturais da Covilhã.
Estes tiveram um filho que foi DIOGO JOSÉ FREIRE DE SERPA DA SILVA (c. 1770)[11], natural de Alpedrinha, capitão-mor de Castelo Novo e Alpedrinha (1770?), escrivão da Provedoria de Castelo Branco (Alvará de 24-II-1751)[12], casado em segundas núpcias com sua prima D. CATARINA DE SOUSA BOTELHO DE ALBUQUERQUE natural de Alpedrinha.

Destes últimos foi filha herdeira D. ANA LUÍSA DE ALBUQUERQUE DA SILVA FREIRE DE SERPE (1762-1802)[13], natural de Castelo Novo, onde herdou estas casas e terras, assim como do grande prazo de Corges na Covilhã.
Casou com FRANCISCO LOPES SARAFANA CORREIA DA SILVA SAMPAIO (1738-1803), herdeiro de vários morgados em Alpedrinha, Vale de Prazeres e Idanha-a-Nova[14], tendo mandado edificar o Palácio Sarafana / Palácio do Picadeiro em Alpedrinha (finais do Século XVIII). Este era filho de António Manuel Correia da Silva Sampaio (n. 1708)[15] que nasceu a 6-IX-1708 e foi baptizado a 3-X-1708 em Alpedrinha, filho segundo que veio a suceder na casa de seus pais e ainda solteiro foi soldado de Cavalos da Companhia de Belchior Pacheco da Gama[16], tendo casado a 14-IV-1753 com sua prima D. Maria Rita Freire Sarafana (n. 1713) nascida a 6-XII-1713 e baptizada a 20-XII-1713 em Idanha-a-Nova.

A este casal, detentor de uma grande fortuna, veio a suceder na posse deste património o filho ANTÓNIO MANUEL CORREIA DA SILVA SAMPAIO (c. 1788), homónimo de seu avô paterno e sucessor na casa de seus pais, fidalgo da Casa Real (Alvará de 19-XI-1823), comendador da Ordem de Cristo, coronel agregado do Regimento de Milícias de Idanha-a-Nova, cidade onde tinha a Casa Sarafana com a capela anexa do Sagrado Coração de Jesus, foi abastado proprietário do distrito de Castelo Branco. Desconhecemos o ano do seu nascimento mas sabemos ainda ser vivo em Junho de 1853 quando foi padrinho de baptismo do seu neto António Pedro Manuel que viria a ser 1.º visconde de Castelo Novo.
Casou com D. MARIA JOANA DE FIGUEIREDO COSTA SOTTOMAYOR (c. 1800)[17], filha de José Nicolau de Figueiredo da Costa Pegado, fidalgo da Casa Real, cavaleiro professo da Ordem de Cristo, abastado proprietário de Escalos de Cima, no concelho de Castelo Branco, onde era senhor do Solar dos Figueiredos que está armoriado de COSTA, FIGUEIREDO, PEGADO e SEQUEIRA, com a respectiva capela anexa de São Domingos[18], e de sua mulher D. Ana Victória Sottomayor, nascida na Casa da Quinta do Bravo, um morgadio situado na freguesia de Triana no concelho de Alenquer, o qual terá passado de seu irmão – que teve duas filhas, ambas casadas, sem geração –, para a sua descendência[19].
Este casal teve 8 filhos, sendo o sucessor:


FRANCISCO CORREIA DA SILVA SAMPAIO (c. 1815), natural de Escalos de Cima, licenciado, fidalgo cavaleiro da Casa Real, abastado proprietário nos concelhos de Idanha-a-Nova, Fundão e Alenquer, por sucessão na casa de seus pais.
Casou a 29-I-1851 no “Oratório do Palácio do Exmo. D. Pedro da Cunha Mendonça e Menezes” – o Palácio do Cunhal das Bolas ao Bairro Alto, casa do pai da noiva –, na freguesia das Mercês em Lisboa, com D. MARIA LEONOR DA CONCEIÇÃO DE MELO E CASTRO COSTA E SOUSA (1833-1855), nascida a 28-VII-1833 na freguesia das Mercês em Lisboa, e falecida a 15-VI-1855, antes de sua mãe D. Maria Rosa (f. 1884), pelo que não sucedeu nos morgados, os quais foram extintos em 1863, dispersando o seu património pelas restantes filhas sobrevivas. Sua mulher era a primogénita de três irmãs[20], filhas de D. Pedro José de Melo da Cunha de Mendonça e Meneses (1810-1866), baptizado a 18-III-1810 no Beato em Lisboa e falecido a 28-V-1866 em Alverca do Ribatejo, concelho de Vila Franca de Xira, o qual foi casado nas primeiras núpcias de D. Maria Rosa de Melo e Castro Costa Mendonça e Sousa (1811-1884)[21], senhora da Casa dos Melos e da Casa do Cunhal das Bolas (ao Bairro Alto) em Lisboa, e do Morgado de Alcube em Azeitão, nascida a 31-XII-1811 no Rio de Janeiro, e falecida a 28-I-1884 em São Vicente de Fora em Lisboa; neta paterna de D. Pedro de Melo da Cunha Mendonça e Meneses (1784-1644), 2.º marquês de Olhão, 2.º conde de Castro Marim, descendente por bastardia do rei D. João II (1475-1495)[22], e de sua mulher D. Mariana Francisca de Meneses da Silveira e Castro (1784-1816).

Com a abolição definitiva dos morgados e capelas pela Lei de 19-V-1863, os bens vinculados deste casal, em Castelo Novo, os quais incluiriam a Quinta do Ouriço e as respectivas casas anexas, começaram a dispersar-se pela sua numerosa descendência o que levou à pulverização do imenso património desta casa. Devido a este facto, é-nos difícil seguir quais foram os possuidores das diversas casas aí existentes.


A família ROQUETTE, que veio dar o nome a esta casa já no primeiro quartel do século XX, uniu-se à família CORREIA SAMPAIO por casamentos celebrados por dois irmãos Roquuette, de Salvaterra de Magos, casados com duas primas da família Correia Sampaio.

O 1.º destes matrimónios foi celebrado no ano de 1910 com uma bisneta dos anteriores – Francisco Correia (c. 1815) e  D. Maria Leonor (1833-1855) – de seu nome D. MARIA LEONOR CORREIA DA SILVA DE SAMPAIO DE MELO E CASTRO (1883-1913), a qual fazia parte de uma numerosa prole de 10 irmãos, nascida a 17-XII-1883 e baptizada a 27-XII-1823 na freguesia de Santos-o-Velho, em Lisboa; filha de António Pedro Manuel Correia da Silva Sampaio (1853-1921), 1.º visconde de Castelo Novo (Carta de 20-X-1870)[23], e de sua mulher D. Maria Luísa de Melo da Cunha de Mendonça e Meneses (1856-1929), nascida a 24-XI-1856 no Palácio de Xabregas (Olhão – Castro Marim)[24], e baptizada a 27-XI-1856 na Igreja de São Bartolomeu do Beato em Lisboa, tendo sido uma dos 15 filhos de D. José de Melo da Cunha Mendonça e Meneses (1809-1870), 4º Conde de Castro Marim, senhor da Casa dos Marqueses de Olhão, e de sua mulher D. Maria Rita Valésia da Silva Correia (1827-1916)[25].
Este casamento, celebrou-se a 1-X-1910 em Escalos de Cima nas primeiras núpcias de ANTÓNIO VIANA FERREIRA ROQUETTE (1884-1944), bacharel em Direito, nascido a 29-I-1884 na freguesia de Santa Isabel em Lisboa e aí falecido a 29-IV-1944, filho de José Ferreira Roquette (1850-1914), natural de Salvaterra de Magos, e de D. Sebastiana Viana da Silva Carvalho (1845-1937), natural de Lisboa; neto paterno de Luís Ferreira Roquette (n. 1823), 1.º Barão de Salvaterra de Magos, onde era grande proprietário rural. Não houve geração deste casamento.

O 2.º matrimónio que uniu estas duas famílias foi o de D. MARIA LEONOR CORREIA DA SILVA SAMPAIO (1887-1944), nascida a 16-XI-1887 e baptizada a 27-XI-1887 na Igreja de Nossa Senhora da Assunção em Cascais, tendo falecido a 19-III-1944 na Lapa, em Lisboa, filha de Pedro Correia da Silva Sampaio (1855-1915), senhor do Solar da Quinta do Ouriço em Castelo Novo e irmão de António Pedro Manuel Correia da Silva Sampaio (1853-1921), 1.º visconde de Castelo Novo.
Maria Leonor Correia da Silva
Sampaio (1887-1944)
José Viana Ferreira Roquette
(1886-1946)
Casou a 25-V-1914 em Cascais com JOSÉ VIANA FERREIRA ROQUETTE (1886-1946), engenheiro Civil e de Minas, senhor da Casa Roquette em Salvaterra de Magos, o qual nasceu a 25-II-1886 na freguesia de Santa Isabel em Lisboa, cidade onde residiu na Calçada das Necessidades, tendo falecido a 30-XI-1946 na freguesia da Lapa; filho de José Ferreira Roquette (1850-1914) que nasceu a 27-I-1850 em Salvaterra de Magos, e de sua mulher Sebastiana Cândida Viana da Silva Carvalho (1845-1937); neto paterno de Luís Ferreira Roquette (n. 1823), 1.º barão de Salvaterra de Magos, e de sua mulher D. Maria Isabel de Magalhães Araújo (n. 1830), natural de Lisboa; e materno de João António Sabino Viana (n. 1820), e de sua mulher D. Camila Adelaide da Silva Carvalho (n. 1817), natural do Porto, a qual por sua vez era filha do destacado José da Silva Carvalho (1782-1856), natural de São João das Areias, Santa Comba Dão, que foi um dos fundadores da associação revolucionária do Sinédrio na cidade do Porto que esteve na origem da revolução liberal de 1820, vindo a desempenhar vários e importantes cargos políticos no regime liberal.
Foi este casal que deu o seu nome à Casa Sampaio Roquette de Castelo Novo, por esta lhe ter pertencido.
Tiveram pelo menos 5 filhos, quatro deles com geração que seguiu os apelidos FERREIRA ROQUETTE, VARENNES DE MENDONÇA, CORREIA DA SILVA (viscondes de Paço de Arcos), MATOS CHAVES, e por fim TAVARES FESTAS os quais foram os herdeiros desta casa.
Entre estes cinco filhos, a sucessora na posse da Casa Sampaio Roquette foi D. MARIA LEONOR CORREIA FERREIRA ROQUETTE (1917-1995) que nasceu na freguesia da Lapa, em Lisboa, cidade onde faleceu na freguesia de Santa Maria dos Olivais.
Casou a 12-XII-1943 na Capela de Nossa Senhora dos Navegantes na freguesia da Lapa em Lisboa, com ALEXANDRE DE FIGUEIREDO TAVARES FESTAS (1915-1981), nascido a 11-VI-1915 na freguesia da Lapa, em Lisboa, e falecido a 3-I-1981 no Hospital de Santa Cruz em Carnaxide, o qual foi um dos quatro filhos de António Leão Tavares Festas (1860-1920), senhor da Quinta da Colmeosa no Couto do Mosteiro em Santa Comba Dão, jurista e deputado pelo Partido Progressista qua nasceu na Casa da Gândara em Vale de Remígio no concelho de Mortágua, e veio a falecer a 5-V-1920 na Lapa, em Lisboa, casado a 29-VII-1901 na capela da Colmeosa, Couto do Mosteiro, Santa Comba Dão com D. Maria Isabel de Figueiredo e Faro Themes (1875-1944), nascida a 30-IX-1875 em Avô, Oliveira do Hospital, e falecida a 4-VII-1944 na Lapa, em Lisboa.
Tiveram (3):
1.º MANUEL ROQUETTE TAVARES FESTAS: (n. 1945) que foi o herdeiro da Casa Sampaio Roquette, licenciado em Engenharia Mecânica pelo IST de Lisboa, nasceu a 6-IV-1945 em Lisboa, cidade onde casou na Igreja da Memória com D. LUISA MARIA FORTINHO DE SALDANHA E GOUVEIA, filha de João Pedro de Almada Saldanha Quadros e Gouveia (n. 1916), natural da Guarda. Tiveram geração.
2.º MARIA LEONOR ROQUETTE TAVARES FESTAS (n. 1952) que nasceu a 9-XII-1952 em Lisboa, casou a 1-I-1981 com JOSÉ EDUARDO DE AMORIM FERREIRA FRANCO (n. 1954), nascido a 18-II-1952 na freguesia de São Cristóvão e São Lourenço em Lisboa. Tiveram geração.
3.º ALEXANDRE ROQUETTE TAVARES FESTAS (n. 1958), licenciado em Ciências Históricas pela U.L. de Lisboa, diplomata de carreira, nasceu a 11-III-1958 em Luanda, Angola, tendo casado a 11-IX-1956 na freguesia das Mercês em Lisboa com D. MARA HELENA ABREU DE AZEVEDO MALHEIRO (n. 1956), licenciada e mestre em Literatura Comparada pela Universidade de Paris III, Sorbonne-Nouvelle, doutorada em Literatura Portuguesa pela Universidade Aberta, nascida a 22-IX-1956 na freguesia da Sé em Lamego, filha de Afonso Henriques da Fonseca de Azeredo Malheiro (n. 1927), licenciado em Direito, diplomata, nascido em 9-XI-1927 em Cambres, Lamego, e de sua mulher D. Maria Helena de Figueiredo Carmona Abreu Lopes (n. 1930), licenciada em Direito, nascida a 19-X-1930. Divorciados em 1994, tiveram geração.

__________

Notas:

[1]    A reforma territorial de 1835 extinguiu o concelho de Castelo Novo que foi anexado ao de Alpedrinha,
      o qual entretanto também acabou por ser extinto em 1855, passando a integrar o concelho do Fundão.
[2]    SILVA, Joaquim Candeias da, Concelho do Fundão – História e Arte», Vol. I, (Fundão, CMF, 2002), p. 160.
[3]    O Dr. MANUEL FREIRE DE MATOS (f. 1684), nasceu no Fundão em data que desconhecemos e veio a falecer a 24-VI-1684 em Santarém onde foi provedor desta comarca; filho de Simão Lopes Freire e de D. Brites de Matos. A sua descendência por diversos casamentos fixou-se em Salvaterra de Magos no distrito de Santarém, terra onde se destacava a família Roquette que aí era grande proprietária de terras.
[4]    FRANCISCO MARQUES ANDRADE (f. 1713?), capitão-mor de Idanha-a-Nova e 2.º administrador do morgado da Tapada do Alardo, nasceu depois da morte prematura de seu pai e terá falecido em finais de 1713 (?). Era filho único de Francisco Marques Giraldes e de sua mulher e prima D. Maria Nunes Giraldes, antepassado do 4.º marquês da Graciosa. Por documentação existente na Torre do Tombo, sabemos ter adquirido mais de cinco dezenas de propriedades no concelho de Idanha-a-Nova entre 1673 e 1710. Por testamento de 24-III-1708, existente no Arquivo da Casa Graciosa, instituiu com a terça dos seus bens um morgadio, no qual foi nomeada a sua filha D. Brites Maria de Andrade e Couto por escritura de dote de 20-I-1710, para esta casar (a 31-III-1712) com seu primo o Dr. Fernando Afonso Giraldes, 11.º administrador do Morgado dos Giraldes (que viria a ter um grande património de casas e terras dispersas por Idanha-a-Nova, Anadia, e Lisboa), e foram quintos-avós do 4.º marquês da Graciosa.   
[5]    Folha – porção de terreno destinado a culturas alternadas.
[6]    Lombada – encosta de um monte ou outeiro.
[7]    ANTT, Feitos Findos, Administração de Casas, mç. 99, n.º 5, .
[8]    ANTT, Registo Geral de Mercês, Mercês de D. João V, liv. 10, f.477v.
[9]    FALCÃO, Armando da Sacadura, Freires Côrtes-Reais, 2.ª edição (Lisboa, Universitária Editora, 2000), pp. 188-189.
[10]   ANTT, Tribunal do Santo Oficio, Conselho Geral, Habilitações, Pedro, mç. 18, doc. 383,
[11]   As primeiras núpcias de Diogo José Freire da Silva Serpa foram com sua prima D. Inês da Silva Pereira, da qual não teve geração.
[12]   ANTT, Registo Geral de Mercês de D. José I, liv. 2, f. 149   
[13]   D. ANA LUÍSA DE ALBUQUERQUE DA SILVA FREIRE DE SERPE (1762-1802)  era irmã de D. MARIA XAVIER FREIRE DE SERPA E SILVA casada a 30-VIII-1782 na igreja de S. Miguel de Castelo Branco com seu primo DIOGO DA FONSECA BARRETO DE MESQUITA, capitão-mor de Castelo Branco, senhor da Casa e Quinta da Devesa (actual Câmara Municipal de Castelo Branco), o qual não tendo filhos do seu casamento legitimo legitimou a filha D. Maria Guadalupe para lhe suceder no seu património, tendo esta casado com em 1809 com Francisco de Albuquerque Pinto Castro e Nápoles (1778.1858), 1.º Visconde de Oleiros.
[14]   FALCÃO, Armando da Sacadura, op. cit, pp. 188-189.
[15]  Optamos por grafar o nome de CORREIA em vez de CORRÊA que parece ter sido o nome usado originalmente.
[16]   BELCHIOR PACHECO DA GAMA (f. 1754) salientou-se na campanha da Sucessão de Espanha sob as ordens do general D. António Luís de Sousa (1644-1721), 2.º Marquês de Minas, o qual a 28-VI-1706 entrou em Madrid onde fez aclamar como rei de Espanha o arquiduque Carlos de Áustria com o nome de Carlos III.                 
[17]   D. MARIA JOANA DE FIGUEIREDO COSTA SOTTOMAYOR, no seu assento de casamento (Lisboa, Mercês, 29-I-1851) figura com o nome de D. MARIA JOANA DA COSTA DE SIQUEIRA.
[18]   O Solar do Figueiredos – ou Costa Pegado Figueiredo – em Escalos de Cima, também é conhecido por Solar dos Viscondes de Castelo Novo por estes aí terem vivido. É um belíssimo e típico solar da nobreza rural da Beira Baixa, com tectos em madeira pintados com as armas desta família, rodeado por uma quinta com árvores frondosas e cercada de altos muros.
[19] D. ANA VICTÓRIA SOTTOMAYOR era irmã de António Xavier Bravo Pereira do Lago, morgado do Bravo, o qual foi casado e teve duas filhas, ambas por sua vez casadas mas sem geração. Uma destas casou com Joaquim José Pereira de Sousa, padrinho de casamento do seu primo Francisco Correia da Silva Sampaio (n. 1815), ao qual passou o citado morgado dos Bravos cujas terras estão hoje urbanizadas.

[20]  Estas tiveram um irmão varão que foi D. Pedro da Cunha de Mendonça e Meneses(1835-1885), falecido criança.

[21]   D. MARIA ROSA DE MELO E CASTRO COSTA MENDONÇA E SOUSA (1811-1884), tendo enviuvado em 1866, voltou a casar em segundas núpcias a 23-I-1867 no oratório da sua casa à Rua Infante D. Henrique, em São Vicente de Fora, Lisboa, com Rufino António de Morais (1803-1887), lente da Universidade de Coimbra, apadrinhada por Bernardo de Sá Nogueira de Figueiredo (1795-1876), 1º marquês de Sá da Bandeira, e pelo major Sebastião do Canto e Castro Mascarenhas que foi ministro das Obras Públicas do governo de António José de Ávila (1868).
[22]   CANEDO, Fernando de Castro da Silva Canedo, A descendência Portuguesa de El-rei D. João II (Lisboa, Edições Gama.2006) vol. III, p. 66.
[23]   ANTT, Registo Geral de Mercês de D. Luís I, liv. 23, f. 157.
[24]   O PALÁCIO DE XABREGAS, ou PALÁCIO OLHÃO – CASTRO MARIM, designação tirada dos títulos nobiliárquicos dos seus proprietários em cuja posse esteve mais de 500 anos, é uma das mais antigas edificações palacianas de Lisboa, mandado construir pelo célebre navegador Tristão da Cunha (f. 1540). Após a morte do rei D. Manuel I, aqui veio morar a rainha D. Leonor e foi nesta grande casa que inicialmente se reuniram os fidalgos portugueses que conspiraram pela restauração da independência contra o domínio espanhol (1580-1640), ao tempo de Jorge de Mello, seu proprietário e um dos mais destacados conjurados de 1640.
A configuração actual deste palácio data do Séc. XVIII, com grandes alterações que lhe deram uma conformação barroca, com 14 janelas na fachada do andar nobre e 64 divisões decoradas com belíssimos azulejos historiados e frescos, dos quais se salientam os da Sala dos Conjurados e da Sala das Quatro Estações.
[25]   D. MARIA RITA VALÉSIA DA SILVA CORREIA (1827-1916) era filha de Vicente António da Silva Correia (f. 1848), por legitimação de 29-IX-1830 da Mesa de Desembargo do Paço.

2016-10-12

Nossa Senhora da Rocha - Carnaxide

A Santa protectora do miguelismo [1], e da rainha 
D. Carlota Joaquina (1775-1830),
a qual obteve por sua intersecção uma cura miraculosa
 que serviu de tema a esta pintura.
  
Nossa Senhora da Conceição da Rocha,
Milagre da cura da rainha D. Carlota Joaquina.
Óleo s/ tela, 96,00 x 77,0 cm.
Atribuição: João Baptista Ribeiro, 1824(?)
(colecção particular)


Iconografia
Na metade superior, ao centro, vemos a representação da Nossa Senhora da Conceição da Rocha dentro de uma gruta, coroada e vestida com uma túnica vermelha e envolta num manto azul.
Por baixo, à sua direita, apenas esboçado e longe de qualquer compromisso realista, observamos um conjunto do qual faz parte uma forma arquitectónica que serve de cenário a um túmulo aberto e vazio defronte do qual está prostrado o corpo da rainha D. Carlota Joaquina que, encontrando-se muito doente e á beira da morte, invoca a intercepção desta Santa, pelo que uma figura alegórica (anjo?) intercede no milagre da sua cura/salvação.
Nossa Senhora da Conceição da Rocha, pormenor.
Do lado esquerdo, oposto, outro anjo, aponta para uma parede da gruta onde se observa o esboço de um nicho com a imagem que aí foi encontrada.
Supomos que este quadro a óleo sobre tela (dim. 96,0 x 77,0 cm ) é da autoria do pintor João Baptista Ribeiro (1790-1868), discípulo dilecto de Domingos António de Sequeira (1768-1837), chamado à Corte em 1822 para retractar o rei D. João VI, a rainha D. Carlota Joaquina e as infantas suas filhas, encargo de desempenhou com sucesso e agrado dos soberanos e lhe valeu a nomeação em 1824 para mestre de desenho e de pintura de miniatura das citadas infantas.
Esta era a santa favorita do miguelismo, pela qual o infante D. Miguel e a sua mãe a rainha D. Carlota Joaquina tinham grande apego. Supostamente, esta sacra imagem salvou-lhes a vida em duas ocasiões distintas.
D. Carlota Joaquina,
por João Baptista Ribeiro.
D. Carlota Joaquina usava a saúde pessoal como arma política. Na sequência da sua recusa de jurar a Constituição (22-XI-1822), perde a qualidade de cidadã portuguesa e a dignidade de rainha, pelo que um decreto régio determinou o seu exílio para Espanha (4-XII-1822), o que não se verificou por ter alegado graves problemas de saúde. Devido a estes, não foi expulsa do país, tendo então ficado confinada ao Palácio de Queluz. Esta doença aparentemente colocou-a à beira da morte, tendo então sido objecto da sua cura milagrosa por intercepção de Nossa Senhora da Conceição da Rocha que, a pedido da doente, foi trazida para o Paço Real da Bemposta onde a rainha passara a residir após a Vilafrancada (27-V-1823)[2], movimento que lhe levantou a imposição do desterro na Quinta do Ramalhão.                                
Com esta estratégia engenhosa, esta Santa assume aos olhos do povo a protecção da rainha ,e por extensão do regime absolutista que ela perfilha. Manipulava desta maneira a religiosidade popular à devoção mariana que então despontava no vale do Jamor em torno de uma imagem aí aparecida: tudo isto em benefício do miguelismo, o que originou o tema desta pintura e certamente de muitas outras obras que andarão perdidas e eram do agrado da nobreza que se opunha à Carta Constitucional.
D. Miguel de Bragança, 1924-1928?
O então rei D. Miguel (1802-1866)[3], tal como sua mãe D. Carlota Joaquina (1775-1830), foi um grande devoto de Nossa Senhora da Rocha à qual atribuiu a sua salvação por altura de um grande acidente provocado por um carro puxado a cavalos que ele próprio conduzia perto da Quinta do Caruncho quando se dirigia de Queluz para o Paço Real de Caxias a 19 de Novembro de 1828[4].
Os cavalos espantaram-se junto a um precipício, projectando e atropelando o então rei D. Miguel (1828-1836) que ficou com uma perna partida por uma das rodas da viatura. Os cavalos eram “malhados” quanto à pelagem, pelo que o povo começou a chamar “malhados” aos liberais e maçons, seus inimigos.
Foi salvo desta trágica ocorrência, segundo o mesmo, devido à protecção milagrosa da mesma Santa que também terá intercedido na cura da sua perna.
Sé de Lisboa,
D. Miguel e Infantas,
agradecem à
Senhora da Rocha.
Este acontecimento deu origem, no dia 29 de Janeiro de 1829, a uma solene Acção de Graças à Senhora da Rocha que se encontrava então na Sé de Lisboa, com a presença da família real. Esta cerimónia foi imortalizada pelos seguidores do absolutismo com várias gravuras alusivas que foram feitas na época.
Assim se reforçava o mito da Senhora da Rocha como protectora do ideário tradicionalista/absolutista …
Os seus seguidores políticos – absolutistas/miguelistas – também o acompanhavam nesta devoção, assim como grande parte do clero cujos direitos/previlégios vinham sendo cerceados pelas políticas liberais.
Este último acontecimento levou os seguidores do miguelismo a fazerem várias gravuras sobre este acontecimento, assim como ao aparecimento do culto de Nossa senhora da Rocha noutras localidades do país onde os seus partidários estiveram mais activos.


Enquadramento histórico
Santuário de Nossa Senhora da Rocha.
No vale do rio Jamor perto de Linda-a-Pastora, freguesia de Carnaxide, concelho de Oeiras, localiza-se o Santuário de Nossa Senhora da Rocha consagrado a uma imagem de Nossa Senhora da Conceição aparecida no interior de uma gruta funerária, perto do então denominado Casal da Rocha de que tirou a designação.
Após a descoberta desta singela figura em barro, numa época de grande crise política em Portugal, aí se afirmou com grande força a dedicação popular ao culto que poucos anos depois viria a ser alvo de aproveitamento político pelas forças conservadoras contra a nova Constituição e os ideais do Liberalismo.
Imagem de Nossa Senhora
da Rocha (actual).
Só a derrota dos partidários de D. Miguel veio a obstar à expansão deste culto que estaria destinado a um sucesso semelhante ao das aparições de Fátima,  ocorridas cerca de um século depois – também no mês de Maio  numa época de grande crise económica e política, e também estas inicialmente aproveitadas pelas forças conservadoras da época como antidoto contra o anticlericalismo do regime republicano.
A história da imagem aparecida no Jamor é por demais conhecida, assim como a devoção a este culto da rainha D. Carlota Joaquina e do seu filho D. Miguel, explicitada em vários relatos da época.
Menos conhecido é o problema de saúde que então afectou a rainha D. Carlota Joaquina, a qual supostamente foi curada por intersecção desta imagem.
Este acontecimento foi imortalizado nesta pintura, a qual não estava identificada quando foi localizamos na Beira Baixa nos anos noventa do século passado. A sua observação não nos deixou a menor dúvida que estávamos na presença de uma alusão à cura/salvação miraculosa da rainha.
O conteúdo desta obra era do apreço da nobreza miguelista, o que nos faz supor haver outras pinturas semelhantes que pertenceram a partidários de D. Miguel, as quais evocam esta cura. O actual desconhecimento deste acontecimento terá feito com que muitas das pinturas sobre este tema religioso não se encontrem referenciadas.

Quanto à descoberta da imagem, tudo começou naquela manhã de Domingo dia 28 de Maio de 1822 quando um pequeno grupo de sete adolescentes do vale do Jamor se deparou com um coelho que lhes surgiu no caminho. Tentando alcançá-lo, rapidamente se deram conta que os seus esforços pareciam infrutíferos. A agilidade e rapidez deste animal em alcançar esconderijo, levou estes jovens a descobrirem uma gruta cuja entrada estava protegida por um silvado e um emaranhado de salgueiros.
Este achado a todos colheu de surpresa, mas o melhor ainda estava para acontecer…
O boato e os comentários de uma gruta desconhecida circulam por toda a região de Carnaxide e de Linda-a-Pastora.
Mas será só ao terceiro dia que ocorre a grande novidade. Enchendo-se de coragem, estes jovens, resolvem voltar a este local.
Uma vez dentro da gruta, acendem tochas e vislumbram, espantados, uma grande lapa funerária contendo algumas ossadas humanas, assim como uma pequena imagem da Virgem à qual viria ser atribuído o nome de Nossa Senhora da Conceição da Rocha. Um pouco mais tarde, o poeta e escritor ultra-romântico Tomás Ribeiro (1831-1901), que também foi um político conservador, viria a ser o grande impulsionador e defensor da construção de um Santuário para esta imagem – o que então lhe valeu o cognome de Tomás da Aparecida –, cuja descoberta assim relata:
«No dia 28 de maio de 1822, perseguindo um coelho que alli se escondera, entraram na gruta do Jamor percorrendo de rastos a furna por onde elle entrára, sete rapazes que andavam brincando e chapinhando nas margens e nas ilhotas de Jamor. Os seus nomes são: Nicoláo Francisco, Joaquim Nunes, Joaquim Antonio da Silva, Antonio de Carvalho, Diogo, José da Costa e Simão Rodrigues. Os mais novos tinham 11 annos, 15 os mais velhos. Entrando e recuando apavorados, no que levaram longo tempo, conseguiram enfim chegar onde puderam erguer-se e respirar. Sondando e apalpando acharam e tomaram nas mãos ossos humanos como poderam verificar quando voltaram ao rio. As familias que ha muito os esperavam em suas cazas não receberam bem os retardatarios e não crêram mesmo na historia phantastica do descobrimento.
No dia seguinte porém começou de levantar-se e avolumar-se nos differentes logares donde eram naturaes os pastoritos, o boato da existencia d’uma gruta desconhecida, e a apresentação dos ossos e a insistencia dos exploradores foi firmando, se não certezas, desejos de apurar a verdade. No dia 30 bastantes pessoas acompanhando os retardatarios da ante-vespera ao rio, abrindo as franças dos salgueiros acharam uma lura na grande rocha que se afundava no Jamor.
Não ousaram porém aventurar-se, os mais prudentes; mandaram entrar os rapazes com ordem de trazerem outros ossos. Era a prova evidente de que elles disseram a verdade. E desde que a conheceram destinaram para o dia 31 procurar com luz que dentro accenderiam, o que podesse achar-se na gruta onde era certo haver estado gente. No dia 31 foram pois, com tochas, para dentro serem accendidas. Entraram na frente os sete moços, lá d'outros acompanhados, e accesa uma tocha, encontraram a pequenina imagem da Virgem.»[5]
É sabido que frei Cláudio da Conceição (1722-1840), cronista do reino, coevo destes acontecimentos e um dos primeiros apologistas da Senhora da Conceição da Rocha[6] , logo se deslocou a esta gruta para comprovar o achado tendo então constatado o misterioso desaparecimento da citada imagem no dia seguinte à sua descoberta.
Esta viria a ser posteriormente encontrada a 4 de Junho sobre uma oliveira, perto da gruta de origem na qual foi reposta pelas forças da autoridade que aí ficaram de guarda sob a ordem do Juiz de Fora de Oeiras, após grande tumulto popular.
Rapidamente este local se transforma num lugar peregrinação e de grande devoção mariana por parte de populares vindos da região de Lisboa e de outras partes do país, assim como de religiosos e de nobres da corte: grande parte deles descontentes com a Constituição vintista então em discussão nas Cortes Gerais, a qual viria a ser aprovada em Outubro de 1822 com a oposição da rainha D. Carlota Joaquina que se recusa a jurá-la com grande escândalo das forças progressistas da época.
Devido à publicação de notícias na imprensa sobre este achado, a ribeira do Jamor foi invadida por sucessivas levas de devotos e a pobre oliveira que acolheu a Virgem, após o seu misterioso desaparecimento, foi reduzida a pequenas relíquias de devoção as quais incluíram as próprias raízes desta árvore.
Entretanto, Imensas dádivas dos fiéis levam a adivinhar a necessidade de se alindar este local e edificar um pequeno santuário para acolher estas oferendas e proteger a Senhora. Assim começava a desenhar-se um grande movimento de adoração mariana que, a não ter sido interrompido por imperativos políticos – a derrota do miguelismo –, poderia ter dado origem a um fenómeno religioso maior do que o surgido em Fátima, até pela sua proximidade geográfica com a capital.
Fez-se então na gruta um portal de pedra lioz com um grande gradeamento de ferro, construindo-se então um pequeno dique que impedia a sua invasão pelas cíclicas cheias da ribeira anexa.
Porém, pouco tempo depois, a 27 de Julho de 1822, o rei manda retirar da gruta a imagem para ser recolhida na Sé de Lisboa, local considerado mais condigno e solene de acordo com as proporções que o seu culto então tomava apoiado pelas forças conservadoras. Com esta decisão, o vigente governo liberal apenas pretenderia cercear este fenómeno à nascença…
«Manda El-Rei, pelo Secretário de Estado dos Negócios da Justiça, participar ao Colégio Patriarcal da Santa Igreja de Lisboa, que sendo-lhe presente a sua Carta, datada em 16 do corrente mês, e que acompanhava a informação a que mandou proceder pelo Desembargador que serve de Provisor, e Vigário Geral do Patriarcado, acerca de uma Imagem de Nossa Senhora em uma lapa junto ao rio Jamor, nos limites de S. Romão de Carnaxide: E, atendendo Sua Majestade a que o lugar onde foi achada a dita Imagem não é próprio para ela continuar a existir e muito menos para se lhe dar culto público, e tão solene: Há por bem, conformando-se com o parecer do referido Vigário Geral ordenar que o Colégio Patriarcal logo, e sem perda alguma de tempo faça recolher aquela Imagem à Basílica de Santa Maria Maior, onde depois de benta poderá ser venerada, nomeando o mesmo Colégio uma administração para tratar das oblações, e esmolas, se as houver, as quais serão empregadas em objectos pios, e pondo em prática as mais providências que também o mencionado Desembargador e o Colégio julgar conveniente: Manda outrossim Sua Majestade declarar-lhe que na data desta se expede ordem ao Intendente Geral da Polícia, e ao Juiz de Fora, da Vila de Oeiras, para que prestem todo o auxílio que lhe for requerido, afim que a sobredita Imagem seja transportada com aquela decência, e respeito que lhe são devidos, e a que de nenhum modo se deve faltar. / Palácio de Queluz, 27 de Julho de 1822. / José da Silva Carvalho»[7].
Refere ainda o cronista régio frei Cláudio da Conceição:
«Não foi menor o benefício, que fez áquelle povo no dia em que foi tirada da sua Rocha, e conduzida para a Igreja da Sé de Lisboa, permittindo não haver o tumulto, e desordem que se esperava: e tanto se esperava, que foi preciso usar de precaução de mandar no silencio da noite de 5 de Agosto tropa armada tanto de Cavallaria, como de Infantaria, a que não faltou o próprio General Commandante em Chefe da força armada. Tudo se fez sem as desordens esperadas, e este novo beneficio comprova a protecção da Senhora da Rocha para com o lugar de Carnaxide, que já não he de menor consideração, entre as principaes terras de Portugal, porque alli appareceo a milagrosa Imagem da Senhora da Conceição da Rocha, que veio livrar este Reino do captiveiro dos ímpios, bem como a terra de Belém de Judá o não foi entre as principaes Cidades, por ter sahido della o conductor que havia de commandar o povo de Israel.»[8]
A imagem foi transportada pelo rio até ao Terreiro do Paço onde desembarcou por volta das nove horas da manhã. A recebê-la estava a quase totalidade das ordens religiosas, colegiadas, párocos e cónegos da Sé de Lisboa: os quais, deste modo, demonstravam a sua fidelidade à Senhora “que veio livrar este Reino do captiveiro dos ímpios[9].
«Às nove horas da manhã chegou a Senhora ao cais das Colunas. Na grande Praça, do Terreiro do Paço se achavam todas as Comunidades das Ordens Religiosas, e até aquelas mesmas, que não costumam ir na Procissão do Corpo de Deus da Cidade, e Colegiadas, e as Cruzes de todas as Freguesias com os seus respectivos párocos. Na mesma Praça se tinha armado uma grande barraca, forrada toda de sêda, para se paramentarem os Cónegos da Basílica de Santa Maria. Imediatamente se formou a mais vistosa procissão […]. Pegaram nas varas do Pálio oito Beneficiados da Basílica de Santa Maria, e nas lanternas os Cantores. [...]. Chegando a Senhora à Sé, se colocou no Altar-mor, a ponto que o relójio dava dez horas e meia. Depois de incensada a santa Imagem pelo mesmo Ministro que a levava, se cantou a Ladainha por música. Seguiu-se a Missa, que foi de Nossa Senhora, própria daquele dia, em que pregou o Prior de Alhos Vedros […] Finalizada esta religiosa cerimónia veio o mesmo celebrante com os Ministros, e todo o Corpo da Basílica com tochas, e colocaram a Imagem no Altar da Senhora a Grande que lhe estava ricamente preparado. Logo todo o povo concorreu a beijar a Senhora nas mãos dos Sacerdotes, e a oferecer-lhe generosos donativos.»[10]
Santuário de Nossa Senhora
 da Rocha, registo evocativo
do seu achamento.

Apesar desta mudança para a Sé de Lisboa, nunca o povo abandonou a veneração da gruta onde foi achada a venerada imagem (Maio de 1822), e onde um registo evocativo do seu achamento era alvo da permanente queima de velas e de orações pedindo-lhe graças, assim como a protecção de Portugal que agora de encontrava ameaçado por novos ventos ideológicos … 
A persistência do culto neste local acabou por levar, por ordem do governo liberal, ao entulhamento da lapa e à obstrução da sua entrada.
Desde a sua descoberta, a imagem da Senhora da Rocha itinerou por outros locais onde foi cultuada. Na Sé de Lisboa permaneceu cerca de 60 anos, após o que, por iniciativa de Tomás Ribeiro, passou para a Igreja de São Romão de Carnaxide onde ficou mais 10 anos.
Cerca de sete décadas depois do seu achamento, já serenados os conflitos ideológicos que inicialmente empolaram a sua devoção, acabou por retornar ao então inóspito vale da Ribeira do Jamor para aí ser instalada num santuário edificado por cima da gruta da Rocha, o qual foi inaugurado em 1893 com a presença da rainha D. Amélia e dos príncipes D. Luís Filipe e D. Manuel.
Santuário de Nossa Senhora
da Rocha.
Este santuário ficou a dever-se ao traço do arquitecto José da Costa Sequeira (1800-1872), sobrinho-neto materno do grande pintor Domingos António de Sequeira (1768-1837), e a sua construção foi interrompida em 1833, já por ordem do governo liberal que no estertor da guerra civil já ocupava Lisboa, sendo as sua pedras já talhadas removidas e enviadas para Lisboa com destino ao acabamento do Arco da Rua Augusta.
Apesar destas contrariedades, este local continua a ser visitado e venerado durante longos anos após o triunfo do regime Liberal, quer por simples pessoas da região, quer pela nobreza ou mesmo pela família Real. Consta que o rei D. Miguel I, antes de partir para o exílio despediu-se desta venerada virgem Maria.
Vejamos o texto de Tomás Ribeiro que a seguir transcrevemos:
«Vinha muita vez á Rocha o Senhor D. Pedro V vêr o sitio onde apparecera a Imagem tanto da devoção da Familia Real. Elle era um triste; procurava certamente aquelle sitio, que n’esse tempo era um cerro inhospito, para esconder as suas magoas. Em baixo visitava a gruta e em cima, o começo do templo onde eram recolhidas cabras e ovelhas. O bom rei pesaroso da irreverencia mandava tapar o recinto com grades ou cancellas de macieira, sempre que vinha fazer a sua visita, pois que o pastor inutilisava logo os regios cuidados. Os seus desejos de fazer que se restituisse a imagem da Senhora não os relatou só a tia Ignez. Uma memoria anonyma que anda impressa diz a flas 13: “EI-Rei D. Pedro V... gostando mais de passear n’aquelles sitios... ainda tentou fazer o acabamento do templo, porém como a traiçoeira morte lhe tirou a vida... tornou a ficar tudo como estava.”
N’aquellas povoações tão lembradas e tão saudosas não havia já esperança de que o templo traçado pelo nosso pintor Sequeira se continuasse, pois que de Lisboa até as pedras já talhadas e lavradas foram mandadas remover sendo aproveitadas algumas no acabamento do Arco da Rua Augusta16
A 24 de Agosto de 1883, por decreto régio, é autorizada a trasladação da imagem da Senhora para a Igreja de Carnaxide, ao fim de  61 anos de presença na Sé de Lisboa, onde foi constituída a Irmandade de Nossa Senhora da Conceição da Rocha (23-IX-1883), tendo por fundador e juiz o rei D. Luís I (1838-1889), e por destacados confrades, muitos deles provenientes da nobreza que décadas antes tinha apoiado a causa de D. Miguel
De Carnaxide passou, dez anos depois, a 1 de Setembro de 1892, para o Santuário de Nossa Senhora da Rocha no vale do Jamor, após a sua conclusão. Este local, declarado “Capela Real” em Outubro de 1899, torna-se, à época, um dos locais da maior devoção popular no patriarcado de Lisboa.
Após o falecimento do rei D. João VI (1026), sendo regente do reino de 1826 a 1828 a infanta D. Isabel Maria (1801-1876), foi reclama a devolução da imagem da Senhora da Rocha, a qual então recolheu à Sé de Lisboa. Os autores coevos deste acontecimento asseveram que a imagem devolvida foi uma réplica de menor altura[11], pois a original terá ido parar à Alemanha – onde faleceu no exílio o rei D. Miguel I…--, depois de ter estado no oratório da rainha Carlota Joaquina até esta morrer em 1830, legando-a à infanta D. Isabel Maria em cujo oratório estava e “onde muita gente da aristocracia se lembra ainda de a ter visto[12].
Segundo um relato da época, «Sua Alteza Real [D. Isabel Maria] recomendara ao Padre Baines que a enviasse para Heubach [Alemanha] à viúva do Senhor D. Miguel de Bragança, e que para lá foi.»[13]. Dando cumprimento a este desejo, ou não, encontramos referido que «por morte da Infanta os seus bens (Jóias, ouro e prata) foram entregues ao honrado Padre Baines, que tinha a missão particular de os fazer chegar às mãos dos filhos de D. Miguel e as Imagens e objectos do oratório foram para a Covilhã, para a sucursal do Collégio de Campolide ? Dizem que não.»[14]  Curiosamente foi num antiquário do Fundão, próximo da Covilhã, que a pintura em epígrafe, em tempos apareceu à venda.
Com o desaparecimento das gerações que estiveram ligadas a estes acontecimentos, ou deles ainda conservavam memória, foi-se atenuando o fervor popular. O advento da República deu-lhe a machadada final precipitando o seu declínio, em parte devido à laicidade hostil do novo regime. A nova situação política, pelo seu anticlericalismo, iria dar alento a um fenómeno muito semelhante a este, surgido na Cova de Iria – Fátima –, como reacção às condições políticas entretanto impostas por uma minoria contra grande parte da população, em ambos os casos com o apoio activo da Maçonaria.
A similitude destes dois fenómenos de religiosidade popular tiveram, a nível mais profundo, motivações idênticas: foram a reacção profunda a alterações políticas que iam contra a ordem instituída e não eram desejadas pela maioria das camadas populares que, na sua impotência, recorreram ao divino. Em ambos os casos o país assistiu ao confronto entre Portugal da Tradição e o Portugal da Revolução.
O Vale do Jamor viria a sucumbir perante o fenómeno da Cova de Iria, o qual por sua vez já beneficiou dos modernos e poderosos meios de comunicação social (imprensa e radiodifusão) que muito contribuíram para a sua amplificação.

Santuário
Santuário de Nossa Senhora da Rocha.
O edifício principal do Santuário é composto pela nave da Igreja, Sacristia, Torre Sineira e por um pequeno Museu com algumas das inúmeras dádivas à Imagem de Nossa Senhora da Conceição da Rocha. 
Santuário de Nossa Senhora da Rocha,
nave.
Destas dádivas destacam-se várias coroas e uma colecção de mais de 100 mantos, alguns dos quais bordados pelas princesas e infantas de Portugal.
Um vasto conjunto de castiçais e imagens em talha dourada, assim como o lustre na nave da Igreja, em cristal da Boémia, completam este património.
A residência paroquial, fronteira ao Santuário, foi edificada em 1904 com fundos anteriormente reunidos para servir de residência ao Capelão.

Nota Final
Embora este culto fosse inicialmente apropriado pela causa tradicionalista de D. Miguel I, com o fim da guerra civil, o decorrer do tempo e o atenuar das quezílias ideológicas, conquistou a simpatia dos descendentes de D. Pedro IV que lhe prestaram tributo e, em vários casos, fizeram parte da sua irmandade.
Seria do interesse dos monárquicos reorientarem a sua devoção Mariana para o Santuário de Nossa Senhora da Rocha, uma santa da maior devoção popular dos meados do século XIX.
Prestar tributo a esta Santa no dia 30 de Maio – dia do seu achamento –, seria um contributo valioso para o reforço da identidade monárquica.





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Notas:

[1]    Miguelismo – corrente política de carácter absolutista que apoiou as pretensões de D. Miguel (1802-1866) ao trono português na disputa que o opôs a D. Pedro, da qual resultou uma guerra civil no início do século XIX.
[2]   Vilafrancada – Revolta em Lisboa, do regimento de Infantaria 23 e outros, afectos a D. Miguel que se dirigem a Vila Franca de Xira.
[3]   O infante D. Miguel veio a ser regente (1828) e rei (1828-1834).
[4]   A partir deste acidente, os liberais passaram a ser chamados de "malhados" por serem dessa pelagem os animais que conduziam este carro.
[5]   Tomás Ribeiro, A Rocha, poemeto-prologo do poema inédito O Mensageiro de Fez, Typographia e Stereotypia Moderna, Lisboa, 1898, pp. 51-52.
[6]   Cláudio da Conceição, Gabinete Histórico…, Lisboa, Imprensa Régia, 1818, p. 173.              
[7]   Idem, pp. 177-178.
[8]   Cláudio da Conceição, Novena da milagrosa imagem da Senhora da Conceição da Rocha, Impressa Régia, 1825, p. 34.
[9]   Cláudio da Conceição, Gabinete Histórico…, Lisboa, Imprensa Régia, pp. 177-178.
[10]   Cláudio da Conceição, Gabinete Histórico..., pp. 181-183.
[11]   A imagem original tinha cinco polegadas e meia de altura, e a que foi devolvida só media quatro polegadas.
[12]   Anónimo, Nossa Senhora da Conceição da Rocha …, Lisboa, Imp. Minerva,1883, pp. 14-17.
[13]   Diário Popular, 5-09-1883.
[14]  Ibidem.