2015-09-05

Casa do Adro (Representação Heráldica Medieval) – Capinha, Fundão.

João Pais do Sabugal
Idade Média (Século XIII)

Joham Paaez do Sabugall (séc. XIII?)
Casa do Adro, Capinha, Fundão.


1.   INTRODUÇÃO
       No Verão de 2012, numa revisitação feita ao património da Capinha, deparou-se-nos esta singular representação heráldica que desconhecíamos. De imediato, pareceu-nos estar na presença de um dos maiores achados heráldicos que tivemos o privilégio de redescobrir no concelho do Fundão. Segundo apuramos, esteve sempre à vista de todos nas últimas sete décadas, porém nunca terá despertado a atenção dos especialistas.
          Ficamos a saber que esta pedra medieval foi colocada numa das fachadas laterais da Casa do Adro, vinda de uma anterior que aí ocupava sensivelmente o mesmo espaço.
Casa do Adro (moderna), Capinha.
      A actual edificação, datada dos meados do segundo quartel do século XX, foi projectada por António Lino (1914-1961)[1], a pedido de D. Manuel de Vasconcelos e Sousa (1910-1978), um descendente dos marqueses de Castelo Melhor, quando este casou com D. Maria Belarmina Franco Pinto de Castelo Branco (1905-1980), a herdeira da anterior casa que esta veio substituir.
      Quanto à mencionada pedra, logo despertou o nosso interesse, quer pela sua antiguidade de muitos séculos, quer pela sua singularidade sem paralelo nesta zona. 
      Não era de grande porte, quanto às suas dimensões, pelo que rejeitamos a hipótese de ter sido uma laje sepulcral. A ausência de qualquer símbolo religioso e a profusão de instrumentos bélicos que ostenta não se adequa ao fim piedoso de perpetuar a memória de um qualquer bom cristão, mas antes de afirmar o estatuto e o senhorio de alguém sobre o seu domínio. É uma representação heráldica bastante enigmática, pois, devido à sua grande antiguidade, não obedece às regras de composição dos brasões modernos.
Casa do Adro (moderna),
Capinha.
          Está encastrada a meio de uma das paredes laterais da actual Casa do Adro, do lado que dá para a Igreja Matriz (orago de São Sebastião). Ao longo da base desta parede, corre um volumoso embasamento do qual arrancam quatro poderosos contrafortes para sua sustentação, aparentemente desnecessários sob o ponto de vista estrutural, e só justificáveis por motivos estilísticos ou em memória de outros aí existentes, como se sugerissem uma fortaleza. A fachada principal apresenta uma pedra de armas plenas dos VASCONCELOS[2], que competem ao chefe desta linhagem.
        Das imediações desta casa arranca uma estreita rua que sobe em direcção ao topo de um outeiro muito próximo e é denominada rua do Castelo. Este topónimo parece consagrar a memória de uma torre defensiva outrora aí existente, a qual não deixou vestígios, senão a nível de alguma cantaria reaproveitada nas edificações posteriormente feitas. Conseguimos apurar que várias casas aí existentes, já durante o século XVII eram "prazos de vidas" (enfitêuticos), e pagavam foros à "Abbadia de Nossa Sñra da Estrella", como consta de um tombo desta instituição com a inventariação dos seus bens[3].
       A anterior Casa do Adro, apenas conhecida por uma fotografia pouco nítida, aparenta ser constituída por um corpo central seiscentista, com um balcão e duas colunas, tendo alguns vestígios laterais de uma edificação anterior, talvez datada do período medieval.
       Segundo os seus actuais herdeiros, a nova casa foi edificada sobre uma anterior que datava de 1673; a qual, por sua vez, teria resultado de uma outra que supostamente já aí existia no período medieval. Segundo a citada família, a casa seiscentista "pertenceu a uma Maria Pais".

Casa do Adro (antiga),
coluna.


Casa do Adro de 1673 (antiga), Capinha, 1905.


2.   DESCRIÇÃO ICONOGRÁFICA
        Esta representação heráldica – assim por nós designada por não constituir uma regular pedra de armas – é constituída por um bloco de granito claro de formato rectangular, resultante da justaposição de duas formas quadrangulares cuja parte central foi truncada, pelo que desapareceram alguns dos seus elementos. Está envolta por uma moldura de meia cana, aparente reconstituída nalgumas partes.
          Apesar de esculpida em baixo relevo pouco cuidado, certamente da autoria de um inexperiente canteiro local, tem várias peças heráldicas ainda legíveis, as quais nos fornecem uma preciosa informação para a sua descodificação.
        Caso não seja apócrifa, é um exemplar raríssimo, se não único em toda esta região, de uma espécie de armas de senhorio e falantes, datada da Idade Média. As armas de senhorio eram concedidas aos donatários de terras e jurisdições de que eram senhores; quanto às falantes, eram assim designadas por terem alguma analogia com o apelido ou funções da pessoa que as trazia.
        Apesar da sua antiguidade, não se encontra muito desgastada, pelo que supomos ter estado muito tempo ao abrigo das intempéries, antes de ter sido colocada na actual fachada.

      PEÇAS HERÁLDICAS
1. –   Letra «J», no canto superior direito. Aparenta ser uma diferença, indicando o nome do seu  destinatário,
         provavelmente um João[4].
2. –   Cavalo empinado e enfreado, voltado à sinistra (direita do observador), numa das suas raras figurações
         heráldicas medievais. Este animal quase não figura na heráldica desta época por ser considerado um
         animal subserviente e sem bravura, apesar de ser um dos recursos bélicos mais valiosos da cavalaria.
         Neste caso, parece indiciar a afirmação/ostentação do estatuto de cavaleiro, recentemente adquirido.
         Daí a sua inclusão.
3. –   Basilisco/Serpente (?), um ser mitológico que é símbolo da fortaleza, grandeza de ânimo e astúcia.
4.   Montante (espada longa), com guardas em forma de «S» e um pomo de forma discóide, muito usado
         pela cavalaria medieval. Está incompleta, devido à parte central do rectângulo ter sido truncada.
5. –   Maça de armas, de cabo curto, usada pela cavalaria medieval para esmagar os crânios dos soldados
         protegidos por elmos metálicos. Também era usada pela infantaria e, neste caso, tinha uma haste
         bastante mais longa.
Representação heráldica, Capinha.
6.    Escudo português com um leão rampante – ver representação da
         juba –, pleno do campo,  voltado à sinistra do escudo[5].  Este 
         simboliza a força, a grandeza de ânimo e a valentia. Aparenta  estar
         encimado por um elmo.
         Na heráldica medieval, um leão, como móvel da armaria[6], pode
         representar o REINO DE LEÃO, assim como diversas famílias, das
         quais, com ramificações nesta zona da Beira, conhecemos: os
         GERALDES (ou Giraldes)[7], que por aqui deixaram vários ramos;
         os CASTELO BRANCO (ou Castel-Branco) que tiraram o nome da
         então vila de Castelo Branco; e os SILVA que tiveram o da senho-
         rio da Torre da Silva (Valença), da qual tiraram o nome, e vieram a
         ser alcaides de Monsanto e Penamacor.
7. –  Cão de grande porte que poderá ser um lebréu representativo de
         um ramo da família PAIS (Zúquete, 1961: 415)[8]. Não faz sentido
         ser novamente um leão, como o do escudo, até porque não aparen-
         ta ter juba.
8. –   Foice de guerra, resultante da adaptação da similar alfaia agrícola,
         capaz de cortar as frágeis armaduras da Idade Média com a pode-
         rosa lâmina cortante virada para o lado externo. Usada como uma
         lança, era uma arma devastadora.
9. –   Punhal designado "mão-esquerda". Tinha duas lâminas embutidas na principal, cuja abertura era accio-
         nada por uma mola, e estava vocacionado para aparar golpes de outras armas ligeiras, assim como a
         conferir-lhe um triplo efeito perfurante.

Punhal
"mão esquerda"
Maças de armas.
Foice de guerra


m

3.     HERÁLDICA MEDIEVAL
Os brasões usados pelos cavaleiros medievais nos seus pendões e escudos resultaram da necessidade destes se identificarem e agruparem no campo de batalha, dando assim a conhecer a sua posição relativa e facilitarem as manobras bélicas. Esta simbologia era algo complexa e regulada por diversos códigos de formas e de cores.
O escudo usado em Portugal, regra geral carregava peças móveis que, no período medieval, se caracterizavam por alguma arbitrariedade e fantasia: quer por escolha própria (heráldica assumida), quer pela usurpação das armas alheias dos vencidos em confrontos. Há menção de tais apropriações indevidas terem sucedido após a batalha de Aljubarrota (1385), na qual alguns vencedores – a nobreza emergente da nova ordem social – se apropriou indevidamente de brasões de famílias extintas por terem seguido o partido de Castela. Estes factos levaram o rei D. João I (1385-1433) a impor alguma ordem no uso dos escudos de armas, com a criação de regras que atingiriam a perfeição no reinado de D. Manuel I (1495-1521), após sucessivas reformas.
Seria bastante anterior a este período esta representação heráldica que, apesar de não obedecer a uma corretã ordenação, é generosa nas informações que nos dá a respeito do seu destinatário.

4.     A ALDEIA DA CAPINHA
O território da Capinha tem revelado diversos vestígios da sua antiguidade, tornando-a num interessante campo de investigação do passado beirão devido às suas várias estações arqueológicas. Nas suas imediações há um monte, referido nas Memórias Paroquiais (1758), chamado Vila Velha, o qual terá servido de base à implantação de um povoado castrejo cujos habitantes vieram fixar-se em zonas mais baixas durante a romanização, à semelhança do que aconteceu noutros locais desta região.
Apesar de actualmente estar distante dos modernos eixos viários, já por aqui passou uma importante via de comunicação que remonta ao período da dominação romana. Esta fazia a ligação entre Mérida (Emerita Augusta) e Braga (Bracara Augusta), com passagem por Idanha-a-Velha (Igaeditania). Aqui bifurcava para a Covilhã e para Sortelha.
Alguns historiadores apontam na sua proximidade a localização da tão procurada Talabara romana, baseados no facto de se ter achado, nas suas imediações, um epitáfio de um indivíduo referido como sendo do vicus Talabara, porém sem confirmação.
Do seu passado, nos alvores da nacionalidade, pouco se conhece. Ao certo, foi um território de fronteira com os muçulmanos e, seguramente, a sua população escassa e predominantemente rural não passou incólume pelas lutas constantes com este povo invasor; assim como com o reino de Leão até 1199. Só, por esta altura, com o fim de se fixar a sua população, foram atribuídos alguns forais nas suas imediações: Covilhã (1186) a cujo concelho fica a pertencer a Capinha, Centocellas (1194), Belmonte e Guarda (1199), Castelo Novo/Alpreada (1202), Sarzedas (1212), Lardosa (1223), Castelo Branco (1212); onde várias localidades foram entregues à Ordem do Templo que edificou redutos acastelados para sua defesa.
Em 1297, o tratado de Alcanizes pôs fim às lutas que durante décadas assolaram o interior raiano e definiu a fronteira[9]. O detentor desta pedra heráldica, já andaria por cá um pouco antes desta data, como veremos.

TOPONÍMIA
Quanto à origem do nome de aldeya de Campia, como é referida nas Inquirições do rei D. Dinis (1314), uma ingénua tradição local narra que "há muitos anos havia um velhinho que durante o Inverno andava sempre de capinha porque tinha muito frio e então as pessoas começaram a dizer: Lá está o velho da capinha”, epíteto que teria estado na origem ao nome da aldeia... Sucede que nesta zona do interior, o frio do Inverno é uma constante e o facto de alguém andar com uma "capinha" para dele se proteger, não nos parece ser um acontecimento memorável – digno de ficar na memória –, até porque este era um hábito comum. Também não conseguimos descortinar nas suas imediações uma apreciável campina (planície extensa) que justifique este topónimo.
A isto acresce que, o seu sufixo diminutivo (-inha) não vem de tempos imemoriais e pode ajudar a localizar no tempo o aparecimento desta terra. O uso deste diminutivo aparece documentado pela primeira vez em linguagem escrita nas Cantigas de Santa Maria, datadas da segunda metade do século XIII, atribuídas a D. Afonso X "o Sábio", rei de Leão e Castela (Abreu, 2011: 886). A Capinha moderna não será muito anterior a esta data, havendo outras localidades com o mesmo nome, o qual terá vindo de alcunha, como presumimos.
Afonso Ix de Leão,
iluminura.
      Para explicar a origem do topónimo, socorrermo-nos do medievalista Armando de Almeida Fernandes (1917-2002), o qual diz que "Capinha é alcunha do século XIII e certamente derivada de Capa (do latim cappa, parte do vestuário que tapa a cabeça)" (Fernandes, 1983: Vol. XLII-4, 812). Esta interpretação merece-nos crédito e justifica a lenda popular, mas carece de uma explicação complementar.
       O historiador Doutor Joaquim Candeia da Silva que abordou esta questão, interroga-se sobre a possibilidade deste topónimo ser "uma evolução de Campo>campina?...", mencionando ainda a sua mais antiga citação conhecida no "Códice 152 da Biblioteca Nacional, datado de 19-VII-1260, que prova a existência de uma pequena igreja nesta povoação; a mesma igreja vem no Cathalogo de 1320 designada por Santa Maria da Capinha da Rapoila"[10] (Silva, 1993:126,127). A Capinha moderna, parece ser bastante anterior a 1260, sendo a Rapoula bem mais antiga.
      Um texto posterior, o «Tombo dos bens do Mosteiro de Santa Maria da Covilhã, em Boidobra e Tentilhoso (sic) e outras Terras»[11], refere:
 «Saibam quantos esta carta virem como nos frey Domjngos abbade e o quonvento do mosteiro de sancta maria da strella fazemos carta a vos affonso pjrez morador na nossa aldea da Rapoulla e a vossa molher maria donjz e a todollos que de pos vos vjerem para sempre. da nossa erdade. que avemos na dicta aldea da Rapoula a quall chamam o vall das ovelhas (…) Item. doutra herdade a qua ll deu em descambo fernam paez e sua molher elvjra dominguez a quall avjam na capinha quall foj da parte de meem veegas e de sa molher dona luzia como parte com hereos do detraz mem veegas e de sa molher dona luzia»[12].
      Daqui se infere que Vale de Ovelhas era uma herdade da aldeia da Rapoula, e esta era distinta da Capinha onde se achava um Fernando Pais. Todos estes topónimos ainda existem no limite actual desta freguesia.
      Quanto à Rapoila, que aqui surge novamente associada a Capinha (Capinha da Rapoila), parece provir de rapa (brássica rapa, nabo) + poula (prédio rústico, terra de pousio) [13], ou repolho (castelhano repollo); ou até rapa (nabo) + -oula ou -oila (sufixos diminutivos do baixo-latim com significado de pouca coisa / pequeno). Há vários sítios designados pelo topónimo rapoula, e um deles, não longe de Vale das Ovelhas – onde o mosteiro tinha várias terras emprazadas –, ainda subsiste no limite sul desta freguesa, bem perto da Torre dos Namorados e da contígua Quinta da Torre, topónimos que sugerem a existência de outras torres defensiva medievais de que há alguns remotos vestígios.
       Este território, não longe das margens férteis da Ribeira da Meimoa, além de produzir cereais e vinho, terá sido zona de hortas onde a cultura deste tubérculo pelos pequenos camponeses terá prevalecido. Sabemos que o nabo já era consumido no período neolítico, e veio a tornar-se um recurso alimentar importante na Idade Média; quer para homens, quer para animais, especialmente entre as classes mais desfavorecidas.
     Concordamos que a origem do topónimo é de facto uma alcunha (referente a capa), porém mal esclarecida até hoje. Na verdade, parece nada ter a ver com o “velho que andava sempre de capinha”, mas antes com um acontecimento – este sim, memorável – que impressionaria a população camponesa das terras que viriam a ser posteriormente a aldeya de Campia. Referimo-nos ao estabelecimento nessa localidade de um provável cavaleiro, pertencente à pequena nobreza, que aí terá recebido terras para repovoar, e nas quais edificou a sua casa-torre (daí o nome da rua do Castelo). Imaginamos que daqui partia com os seus peões (infantaria camponesa), armado e protegido com a sua capa por cima da loriga para integrar a hoste do concelho da Covilhã, ou de alguma ordem militar, nos fossados que se faziam mais a sul[14], ou ainda nas lutas que se travavam com o reino de Leão até ao tratado de Alcanizes (1297).
Loriga (coifa ou capa)
       A loriga da Idade Média, forma mais simples e económica de protecção em combate, era uma simples cota de malha metálica constituída de dois elementos distintos: 1.º – a coifa ou capa (vocábulo que surgiu no latim tardio), caída sobre os ombros, com o significado de "tocado; parte do vestuário que tapa a cabeça" (Machado, 1977, 2.º:59); 2.º – e a túnica de comprimento variável, cobrindo o tronco e parte das pernas. Esta armadura, bastante usada até ao século XIII, aquecia muito com os raios solares, pelo que requeria o uso de uma capa de tecido que caía sobre ela, para evitar este desconforto dos intensos: no caso dos Templários, um impressionante capa branca com uma cruz vermelha sobre o lado do coração. 
Túnica
     Perante os servos e pequenos agricultores livres que aqui labutavam os campos, um qualquer cavaleiro ou infanção que envergasse este traje militar, aparatoso e raro, deslumbraria esta humilde população, tornando-se – este sim – num facto memorável a merecer ao seu autor a alcunha, talvez depreciativa, de "o capinha": neste caso "o capinha da rapoula", nome que aparece documentado pela primeira vez em 1320, a propósito de uma pequena igreja de Santa Maria (Silva, 1993: 126,127). Daí a explicação, que presumimos para este topónimo[15].


5.     ATRIBUIÇÃO
     Face ao que conseguimos apurar, faltava a identificação do suposto cavaleiro que aqui obteve algumas terras para as povoar e, deste modo, se esquivou às pesadas obrigações impostas pelos senhorios religiosos e laicos que vigoravam mais a Norte, de onde era originário.
Possivelmente procurava a ascensão social que a reconquista proporcionava com a nobilitação pelas armas; ou então era um filho segundo em busca da sua independência e do seu próprio quinhão; senão até por ordem dos freires do Templo que neste concelho possuíram várias terras, algumas delas doadas por particulares.
     Presumimos ter tido algum destaque social e, por isso, esperávamos que tivesse deixado algum vestígio documental da sua presença por estas paragens.
Com este fim, investigamos alguma bibliografia, forais, documentos eclesiásticos, assim como as Inquirições Dionisinas feitas na Beira; após o que obtivemos alguns resultados significativos.
     Nestas Inquirições, no título Julgado da Covilhã, feito por volta de 1314 deparou-se-nos:
«Julgado de Covilhaam / § Item A aldeia de canpia (sic) que foy de Johã de Sabugal he provado que entre hy moordomo e peitavam [pagavam] ende [daí] vooz e cooima [multa] e guaanhoua [apoderou-se dela] o moesteiro de maceira des [desde] tempo del Rey dom ssancho [D. Sancho II, 1223-1248][16] tio deste Rey [D. Dinis, 1279-1325] e fez ende [daí] honra e nom faz ende nada. § Seia devassa [anulado o couto ou honra] e entre hy o moordomo del Rey por todollos seus dereitos ssalvo se há hy previllegios» (Inquirições de D. Dinis, Livro 9: 33-35)[17] .
Templário
     Neste documento, feito por volta de 1314, constata-se que a Capinha já estaria na posse de um Johã de Sabugal, do qual não se provou ter carta régia para aí instituir um couto, mas que presumimos ter sido cavaleiro nos alvores do século XIII, talvez por volta de 1230, quando esta terra foi ganha pelo mosteiro de maceira. Dependia da Covilhã, que tinha tido o seu primeiro Foral em 1186, dada por D. Sancho I (1154-1211); no qual os cavaleiros eram uma classe privilegiada em relação a outros grupos sociais, pois, segundo o seu articulado, estes serão em juízo considerados como poderosos e infanções de Portugal. Esta importância, advinha-lhes do facto de, por esta altura, estarmos em guerra com Aragão e a cerca de um século de distância do tratado de Alcanizes (1314). 
     O pequeno Mosteiro da Maceira, ou  "Abadia de Maceira de Covelliana" – ou ainda Mosteiro de Santa Maria da Estrela da Ordem de Cister, ou da Nave da Estrela de Boidobra[18], que lhe “ganhou” esta terra desapareceu no fim do século XVI e as suas rendas foram dotar o Colégio de São Bernardo de Coimbra. Em sua memória apenas resta uma capela que substituiu a original: é Nossa Senhora da Estrela, junto à Quinta da Abadia, na freguesia da Boidobra.
     Sabemos que o Mosteiro de Maceira, ou de Santa Maria da Estrela, foi fundado em 1220, e logo após a sua fundação, desagradado com a pouca aptidão agrícola de alguns solos onde se tinha instalado, começa a adquirir terras com maior aptidão agrícola ao longo dos cursos de água. O seu Abade, D. Mendo, começa a fazer escambos (trocas) com propriedades no termo da Covilhã, nomeadamente nas terras próximas da Capinha e da Rapoula, das quais possuía as terças, e se tornariam no seu mais importante núcleo produtivo a sul da sede de concelho. Este sucesso ficou a dever-se aos inovadores métodos agrícolas destes monges de Cister que contribuíram para o desenvolvimento da agricultura da época. Deste modo, o mosteiro prosperou e ”rapidamente assumiu, perante as populações locais, um carácter de senhorio”, o que originou algumas contestações, uma das quais sobre as citadas terças, que lhes pertenciam, e foram disputadas pelo prior da Capinha que indevidamente as recebeu durante muitos anos (Vicente, 2012: 43-48,75, 103-104).
     Alguma documentação deste mosteiro foi parar à Torre do Tombo: é o caso do «Livro dos Erdamentos e terras» (heranças); e o «Tombo dos Bens do Mosteiro de Santa Maria da Covilhã, em Boidobra e Tentilhoso e outras terras», datado de 1456 e feito por Frei Benedito de S. Bernardo (1680), segundo refere Carvalho Dias[19].
     Neste último livro, sob o título de boy dobra (Boidobra), aparece referenciada uma carta de escambo de uma vinha à "ponte de manta em colo [Mártir-in-Colo, na Covilhã] que ffoy del Rey" na qual se descrevem as suas confrontações, uma das quais é "um souto que ffoy de Joham Paaez do Sabugall" – agora mencionado com o apelido Paaez –, aqui revelado um proprietário de terras que iam muito além do limite da Capinha. Seria certamente um cavaleiro, ou até um infanção, a quem competiria a defesa de um castelo menor, cujos rendimentos não seriam insignificantes.
Este João Pais, conforme aqui se constata, era um proprietário de terras com alguma dimensão, do qual ainda havia memória à data desta informação, muito tempo depois de aí ter vivido.  
    Por tudo isto, julgamos que esta representação heráldica lhe pertencia, pois não parece haver referências documentais de qualquer outro homem notável nesta aldeia, durante os primeiros reinados. Tudo indica ser originário do concelho do Sabugal (então bem mais extenso), cuja sede ficava mais ao norte, e da qual a Capinha dista pouco mais de 30 quilómetros.
     Não sendo possível averiguar a data exacta e os motivos que o levaram a fixar-se nesta nova terra, apenas podemos fazer algumas conjecturas.
    As terras do Sabugal terão sido tomadas por D. Afonso Henriques por volta 1160 e, cerca de três décadas depois, foram perdidas para o reino de Leão D. Afonso IX[20]. Este criou o Concelho do Sabugal (1190), cuja vila foi fundada em 1224, dando-se então início à edificação do seu reduto defensivo.
     Talvez não seja de excluir que o nosso João Pais, perante a conquista do Sabugal pelo rei de Leão (1190), tenha ocupado um território que lhe foi doado para repovoar um pouco mais a sul: a Rapoula, de onde viria a surgir a denominada Capinha. Podia até ser de origem aragonesa, pois conhecem-se vários exemplos de cavaleiros e fidalgos, alguns deles detentores de cargos palatinos, que durante a sua vida serviram alternadamente ambas as cortes (Aragão e Portugal), entre as quais havia laços familiares; quer nas respectivas dinastias reinantes, quer na sua nobreza terratenente, como veremos. O concelho do Sabugal estava integrado nas chamadas terras do Ribacôa e seria reconquistado por D. Dinis, que lhe concedeu nova Carta de Foral (1296).

RELAÇÕES FAMILIARES
     Mau grado a falta de documentação que nos dê a filiação, descendência, ou outras relações de parentesco de João Pais do Sabugal (séc. XIII), encontramos nesta zona geográfica inúmeros indivíduos, seus coevos, com o mesmo apelido, mas sem provas de ligações de parentesco.
PAIS é um prenome de origem patronímica muito comum na Idade Média, derivado de Paio/Pelayo, de Peláez/Pães (castelhano) ou Paes/Pais (galaico/português), o qual está presente nas grandes linhagens medievais portuguesas, cuja descendência teve expressão nas Beiras.
      A maioria destes, têm origem longínqua em Mónio Osores de Cabrera (c. 1110), conde de Cabreira (no concelho de Almeida), terra que estava na posse D. Afonso VI (1039-1109) rei de Leão e Castela. Mónio Osores foi casado com D. Boa Nunes de Grijó (1120-?), da qual teve 3 filhos (Pizarro, 1997: 817-821), sendo o primogénito D. Paio Moniz da Ribeira (c. 1140) [21], rico-homem e alferes-mor (1199-1202) de D. Sancho I que lhe fez muitas doações e deu a tenência de Lanhoso (1200-1202), casado com D. Urraca Nunes de Bragança (c. 1150), da qual teve, entre outros: o filho primogénito D. Martim Pais, seu sucessor; um outro filho que foi D. Nuno Pais Ribeiro (c. 1170) casado com D. Mor Pais Ribeiro, cuja descendência se implantou nesta região[22]; assim como uma filha que ficou célebre pela sua beleza e foi D. Maria Pais (1176?-1256?), "a Ribeirinha"[23], barregã do rei D. Sancho I (1154-1211), ao qual deu 6 filhos bastardos cuja descendência se espalhou pelas Beiras, dando origem à maioria dos Sanches.
      Um destes, o filho varão Gil Sanches (f. 1236), juntamente com seu tio (?) Paio Pais (c. 1213), foi donatário de algumas terras no então concelho da Covilhã, como veremos.
Nesta região, e nesta época, são conhecidos alguns seus coevos com o mesmo apelido que aqui deixamos registados cronologicamente, embora se desconheça a sua relação com o nosso João Pais do Sabugal:
     Pedro Pais (c. 1190?), que figura no Foral da Guarda (1199), onde a propósito dos limites deste novo concelho junto à Ribeira da Meimoa, provavelmente não muito longe da Capinha, se diz que passam "pelho Pego de Carro e pelhas quebradas de Meymona[24] e pelha arança [herança] de Pedro Paiz e pelho val da Egua e per Besaguada e per Elgia como vay ao Valhe d’Alcaydes e fer en Tejo".
     Raimundo Pais (c. 1199) que D. Sancho I (1154-1211) fez tenente (tenens) da Covilhã em 1199 em recompensa dos seus serviços, o qual assina como testemunha o foral da Guarda como "Reymondo Paiiz que enton tiia Covilhaa" (1199); assim como a doação da Idanha á Ordem do Templo.  
     Paio Pais (c. 1213), o já mencionado donatário de pelo menos dois herdamentos na Beira, e certamente parente muito chegado da já citada Maria Pais (1176?-1256?). A este, em conjunto com o clérigo e primeiro trovador galaico-português Gil Sanches (f. 1236)[25], bastardo do rei D. Sancho I (1154-1211) com a Ribeirinha, foram por aqui concedidas algumas terras. Uma destas, doada pelo Concelho da Covilhã em 1210, satisfazendo um pedido escrito do rei D. Sancho I para obterem um "herdamento com terras", o qual lhes foi concedido "para que povoem, criem e lavrem, e sejam reconhecidos por moradores dentro do termo da Covilhã". Daqui resultou, mais tarde, a vila de Sortelha que receberia o foral dado por D. Sancho II (1228). Por esta doação, na opinião de Alexandre Herculano, ficaram reduzidos à simples classe de cavaleiros vilãos (Herculano, 1987: 137-138, 160). Outro dos herdamentos foi Sarzedas, junto a Castelo Branco, à qual outorgaram o seu primeiro foral em 1212, subordinado ao Concelho da Covilhã com vista ao seu repovoamento (Machado, 2004: 192, 193). Logo depois, este Gil Sanches, na sequência da guerra civil e da morte de D. Sancho I (1211), pelo qual tomou partido contra D. Afonso II, exilou-se para Leão. Há autores que sugerem que ele apenas acompanhou a sua mãe, a Ribeirinha, quando esta foi raptada para aí (Machado, 2004: 191-193). Quanto a Paio Pais, não sabemos se terá ficado em Portugal.
     D. Soeiro Pais de Valadares (c. 1211), cavaleiro e fronteiro de D. Sancho II (1223-1248) que tomou por honra o lugar da Moita, e Águas Belas, no então concelho de Sortelha (hoje do Sabugal). Está documentada a sua presença na corte de D. Afonso II (1185-1223), como tenente de Riba Minho (1222)[26]. Em 1225 surge como mordomo de D. Afonso IX de Leão em nome do Infante D. Pedro Sanches, o que atesta a mobilidade entre as estas duas cortes Ibéricas, regressando no ano seguinte a Portugal para reassumir a tenência anterior, desaparecendo novamente da corte entre 1248 e 1250; o que nos faz supor que se juntou às hostes de Infante D. Afonso (Pizarro, 1997: 792-795), que estava na posse da Guarda e da Covilhã, na luta contra os partidários do rei D. Sancho II.
     D. Maria Pais (c. 1248), coeva da homónima favorita de D. Sancho I. Ficou conhecida por ter deixado todos os seus bens (incluindo um castelo) na vila de Trancoso à Ordem do Templo, no ano de 1248 (Capelo, 2003: 169).
     Afonso Pais Correia (c. 1287), cavaleiro com património na Covilhã, o qual em 1290 trazia 6 casais na freguesia, de Teixoso, honrados por seu bisavô Soeiro Raimundes de Riba de Vizela (ANTT, Inq. de D. Dinis, L° 9, u.34).
     Estêvão Pais de Paiva (c. 1360), senhor da honra de Sobrado (Sobrado de Paiva, em Castelo de Paiva), o qual teve a filha herdeira D. Leonor Vasques Soares (c. 1400), casada com Gonçalo Vaz de Castelo Branco (c. 1390), o primeiro deste nome[27], natural de Castelo Branco, terra de onde tirou este apelido, descendente de um Vasco Pais (c. 1325), alcaide-mor de Monsanto e da Covilhã.
     Bastante mais tarde, já no princípio do século XVII, vamos encontrar alguns Pais na aldeia da Capinha, hipotéticos descendentes de João Pais do Sabugal, os quais terão tido alguma proeminência, como se pode constatar.
     O mais antigo destes, depois de um hiato de mais de três séculos, é D. Maria Pais, outra homónima da Ribeirinha, a quem é atribuída a instituição de um morgado na Capinha (possivelmente uma capela vinculada), e foi casada com Francisco Mendes Geraldes, capitão de Ordenanças, do qual teve uma filha, que foi[28]:
     D. Maria Mendes Pais (f. 1712), falecida a 12-III-1712 e sepultada na igreja paroquial da Capinha, junto ao altar de Nossa Senhora do Rosário (Ramos, 1999: 97), casou nas segundas núpcias de António Mendes Castelo Branco (b. 1627) [29], baptizado a 7-XII-1627, natural de Loriga, concelho de Seia, residente na Covilhã, assim como na rua Direita na Capinha onde tinha vários bens emprazados que pagavam foro à Abadia da Estrela[30], o qual foi fidalgo de cota de armas por carta de 26-II-1653 (Borrego, 2003:58)[31], monteiro-mor da Covilhã, capitão de Auxiliares de Infantaria (de 1657 a 1660), e juntamente com seu pai combateu na guerra da Restauração (de 1647 a 1654), e foi familiar do Santo Ofício (carta de 26-9-1659), e ainda cavaleiro professo da ordem de Cristo com uma tença de 12$000 réis (carta de 21-I-1676)[32]. Este casal, nesta época, constituiu a família mais poderosa da Capinha, e a ele se ficou a dever a edificação da anterior Casa do Adro em 1673, a qual resultou da ampliação de uma outra casa anterior. Seu marido era filho primogénito de Domingos Mendes Castelo Branco (n. 1590?), tabelião do Público, Judicial e Notas de Loriga e Alvoco da Serra (carta de 3-6-1626), assim como capitão de Auxiliares de Loriga e suas anexas, combatente na Guerra da Restauração na qual travou as batalhas de Elges, São Felices, Vila Vieja e Bugaio, e esteve na tomada de Coria, cuja lendária bravura lhe valeu a alcunha de "o Mil Diabos" que transmitiu aos seus descendentes[33], e foi casado com D. Catarina do Pomar e Abreu (1590?-1651), natural de Loriga, onde veio a falecer a 15-VII-1651.
     D. Maria Mendes Pais (f. 1712), e António Mendes Castelo Branco (b. 1627), tiveram por neto António José Pereira Pinto de Figueiredo Castelo Branco (c. 1740), natural e morador na Capinha, monteiro-mor do Fundão, fidalgo de cota de armas (carta de 22-X-1796), esquarteladas de Castelo Branco, Pinto, Pereira e Figueiredo (Baena, Vol. I, 1872: 61,62); o qual foi casado com D. Rosa Angélica Bernardina Ricacho Taborda (n. 1744), natural de Vale de Prazeres.

    Já no nosso tempo, e por sucessão familiar, foi herdeira da Casa do Adro D. Maria Belarmina Franco Pinto Castelo Branco (1905-1980), nascida a 24-XI-1905 na Capinha, filha de José Pinto Tavares Osório Castelo Branco (1875-1914) e de D. Maria Belarmina Capelo Franco Frazão (1869-1936)[34]. Esta senhora casou a 25-VIII-1943 com D. Manuel de Vasconcelos e Sousa (n. 1910)[35], o qual edificou a actual Casa do Adro. Deste casamento nasceu o filho herdeiro D. Luís Maria Pinto de Castelo Branco Vasconcelos e Sousa (n. 1946), actual senhor desta casa, casado com D. Elisa Massano Reiche (n. 1944), com geração.

6.     CONCLUSÃO
        Ao certo, ficamos a conhecer um pouco deste João Pais que redescobrimos a partir de uma pedra de armas – o que prova a importância da heráldica. Supomos ser oriundo da pequena nobreza medieval e, com mais probabilidade terá sido um fundador/repovoador da Capinha moderna. 
    Originário do concelho do Sabugal, já estaria nestas terras por volta de 1230, segundo depreendemos pelo que foi declarado nas Inquirições Dionisinas. Como era habitual nestes casos, pagaria ao rei e ao concelho da Covilhã os direitos de usufruto da terra.
     O que o levou a abandonar as terras do Sabugal, nunca o saberemos ao certo. Se aí viveu ao tempo dos leoneses, sendo cavaleiro, é de supor a sua participação nas lutas fratricidas que neste reino se travaram até à sua integração em Castela, com a morte do rei de Leão em 1230. É por volta deste ano que ele supostamente apareceu na Rapoula, depois aldeia da Capinha, talvez dependente da protecção de familiares que serviam D. Sancho II.
     Deduzimos que João Pais terá vindo para estas paragens alardeando a sua origem leonesa, daí o leão – símbolo heráldico deste reino (?) – que ostenta na sua presumível representação heráldica. Estabeleceu a sua quintã (propriedade senhorial), em terras que lhe foram doadas, ou das quais se apoderou como tantas vezes sucedia, na qual edificou uma casa-forte com a sua torre defensiva isolada no topo de um outeiro, sinal claro da sua autoridade. A partir daí foi desbravando as terras cultiváveis à sua volta, então quase despovoadas devido aos conflitos que as assolaram anteriormente esta região.
Planta da Capinha.
   Orgulhoso da sua situação de cavaleiro, que ostenta, seria um guerreiro esforçado, hábil na manipulação das armas da época e, destas suas qualidades, fez alarde na sua representação heráldica, profusamente carregada de instrumentos bélicos, a qual terá estado inicialmente na sua casa-torre.
      Como homem da guerra, não terá tido descanso, pois, certamente foi envolvido no longo conflito pelo poder que estalou em Portugal. Falamos da sanguinária guerra civil entre D. Sancho II e a Igreja que se aliou ao seu irmão mais novo o conde de Bolonha e futuro D. Afonso III. Este último chegou a Portugal em 1245, com o apoio do infante D. Afonso de Castela, o qual entra em Portugal por Ribacôa: tudo isto num contexto de gravíssima crise económica e de fome, de deslealdade e de traições, em que o rei legítimo é excomungado pela Santa Sé (1234), deposto e exilado em Toledo, então a capital de Castela (já unida a Leão), onde morre em 1248.
    Do lado do rei legítimo, estaria a Ordem do Templo e a maior parte da Beira (Herculano, 1987: 112, 113); porém, logo no início do conflito a Covilhã e a Guarda ficam nas mãos do infante D. Afonso, sendo poste-
riormente retomadas por D. Afonso de Castela, aliado do rei português. Esta sucessiva alternância, de mando e de poder, devastou este território com as atrocidades da guerra, das quais, talvez João Pais tenha sido uma das vítimas.
      Com a queda do rei legítimo, alguns dos seus partidários – terá sido o caso de João Pais? – retornari-am ao exílio em Castela (à semelhança do que aconteceu com o anteriormente mencionado Gil Sanches, o povoador de Sarzedas). Muitos deles perderam os seus bens a favor dos seus inimigos ou da Igreja, os vencedores neste conflito. Nunca vamos saber o que aconteceu a esta família de povoadores, porém, parece ter deixado descendência nesta aldeia.
     É neste quadro de instabilidade e de guerra que, um pouco mais a sul, Martim Calvo o povoador e senhor de uma quintã ao Fundão com a sua provável torre defensiva , a perde para o cavaleiro  Joham Esteves da Covilhã[36], segundo mencionam as já citadas inquirições.
     Por documentos, ficamos a saber que no reinado de D. Sancho II (1223-1248) o mosteiro de Maceira tomou a João Pais a aldeia de Capinha, em cuja posse devia andar nos finais do século XII, princípios de século XIII, ao tempo da criação do concelho do Sabugal (1190) por D. Afonso IX rei de Leão (1188-1230), ao qual este poderá ter servido (?)[37].
    Mais tarde, com a pacificação da fronteira em 1297 pelo tratado de Alcanizes (Ancañices, em castelhano), a pequena torre aí edificada perdeu a sua importância estratégica e entrou em ruína, o que levou os seus herdeiros (?) a fixarem-se um pouco mais abaixo, onde edificaram a antiga Casa do Adro (1673), para a qual levaram esta magnífica representação heráldica, símbolo da sua anterior importância social.
     Esta pedra, vinda da casa-torre – caso não tenha sido uma laje destinada à sua sepultura – que inicialmente estaria no cimo do outeiro próximo, após a sua destruição ou ruína, terá mudado de lugar para a Casa do Adro, um pouco mais abaixo. As várias reedificações desta casa através dos séculos, levaram este brasão até ao local em que se encontra actualmente. 
Capinha, portal com uma
Cruz de Templária (pormenor)
Capinha, portal com uma
Cruz Templária.
  Com surpresa nossa, no cimo da Rua do Castelo, nas proximidades do local onde terá estado a antiga casa-torre, fomos localizar um pequeno portal cujo lintel, reaproveitado de uma edificação anterior[38], ostenta um escudo amendoado com uma cruz escavada. Esta cruz poderá representar a Ordem do Templo.
   Muito mais tarde, os seus prováveis descendentes vieram a aliar-se matrimonialmente aos Castelo Branco, outra estirpe de guerreiros e alcaides-mores de vários castelos, cujo apelido se sobrepôs ao de PAIS, do quais se perderia a lembrança que aqui recuperamos para reforçar um pouco da identidade perdida desta pequena localidade.

    Certamente que muito do que aqui deixamos registado será controverso mas, na ausência de documentação clarificadora da época aqui abordada, não serão de rejeitar algumas hipóteses aqui expostas aos futuros investigadores, para que possam avançar em busca de novas conclusões melhores fundamentadas.

            João Trigueiros
* Mestre de Museologia e Património pela FCSH-UNL

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Bibliografia:

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ZÚQUETE, A. E. M. (1961), "Armorial Lusitano". Lisboa: Editorial Enciclopédia.
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Notas:

[1]  António Lino (1914-1961) começou por seguir o revivalismo-nacionalista de seu tio, o arquitecto Raul Lino (1879-1974), e mais tarde foi autor de dois projectos de tendência modernista: o gigantesco pórtico do Monumento ao Cristo-Rei em Almada (1948-1959), e a Igreja de São João de Deus na Praça de Londres (1951-53) em Lisboa.
[2]  Vasconcelos – Três faixas veiradas. 
[3]  Cf. Trabalho de investigação de Luiz Fernando Carvalho Dias, cuja obra, em parte inédita, está agora a ser editada por seu filho Miguel Nuno P. Carvalho Dias em
[4]  Cavaleiros prováveis com este nome, no concelho da Covilhã, apuramos três: o 1.º - João Esteves (c. 1235), filho do alcaide da Covilhã, que veio a ser senhor da aldeia do Alcaide, o qual tomou a quintã de Martim Calvo no Fundão; o 2.º - João Ramires (c 1314), da ordem do Hospital, que trazia Escarigos; o 3.º - João Pais do Sabugal, que, tanto quanto parece, é o único deles com ligação à Capinha.
[5]  Nas convenções actuais o leão é representado voltado à dextra.
[6]  Móvel – Peça heráldica que figura no Escudo.
[7]  No reinado de D. Afonso Henriques (1139-1185) viveu Giraldo Giraldes "o Sem Pavor", que António Carvalho da Costa diz ter sido beirão (in Corografia Portuguesa, Liv.º 2.º, Tract.° 1.º, Capitulo I). Dizem os nobiliaristas que os Silveiras de Sortelha dele descendiam (in Brandão, Monarquia Lusitana, parte III, Liv.° 11, p. 10).
[8]  De Álvaro Pais, chanceler-mor de D. Pedro I e de D. Fernando, casado em primeiras núpcias com Leonor Geraldes.
[9]  Alcañices, em castelhano.
[10]  «Catálogo de todas as igrejas, comendas e mosteiros que havia nos reinos de Portugal e Algarves pelos anos de 1320 e 1321 com a lotação de cada uma dela», afim de sobre elas serem cobradas décimas pelo monarca, por um período de três anos, destinadas a financiar as despesas militares. – Há várias localidades e sítios denominados Rapoula, pelo que não deve ser confundida com a Rapoula do Côa, situada 55 Km a norte, para lá da cidade da Guarda.
[11]  A sua capa é uma é uma carta de D. Álvaro, bispo de Silves, dada em 1456. O seu conteúdo regista diversos contractos de doação, compra, escambo e aforamento; todos eles no intuito de concentrar o seu património rústico, nomeadamente na Capinha e Rapoula.
[13]  Cf. “poula” in ALVARELLOS, Leandro Carré, “Diccionário Galego-Castelán”, 1951.
[14]  Serviço militar que consistia ataque ou correria feita no território ocupado pelos muçulmanos.
[15]  O nome da cidade de Castelo Branco poderá ter uma origem semelhante pois, só surge em 1213 no foral que lhe foi dado pelo mestre Pedro Alvites (f. 1223), e terá origem, quanto a nós, na alcunha de Castelo dos Brancoscastelo dos monges guerreiros do manto branco –, ao arrepio da velha tradição que deriva o topónimo da cor esbranquiçada do quartzito das suas pedras. Nesta paisagem, o incomum, não era a cor da pedra desta edificação militar, que era vulgar nesta zona, mas os imponentes e compridos mantos brancos dos seus novos defensores, os Templários, que as populações locais desconheciam até então.
[16]  O reinado de D. Sancho II foi assolado por diversas guerras civis, nomeadamente a travada com D. Afonso, futuro rei D. Afonso III de Portugal (1248-1279), na qual veio em seu auxílio D. Afonso de Castela que entra em Portugal por Ribacôa a 20-XII-1246 e toma a Covilhã e a Guarda, pelo que esta região certamente não foi poupada à destruição e à mudança de mãos de muitos castelos e propriedades senhoriais.
[17]  Esta pesquisa foi facilitada pela consulta do trabalho de investigação histórica feita pelo falecido covilhanense Luiz Fernando Carvalho Dias, cuja obra inédita está agora a ser editada por seu filho Miguel Nuno P. Carvalho Dias em http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2012/10/covilha-os-tombos-i.html
[18]  Segundo alguns autores, este mosteiro cisterciense foi fundado com licença concedida em 1220 pelo bispo da Guarda ao abade D. Mendo de Maceira Dão (Mangualde), daí o nome de maceira. Nunca foi acabado e em 1579 foi extinto. Os seus monges cistercienses dedicavam-se a desbravar terras incultas.
[19]  Citado do «Foral do Real Colégio de S. Bernardo e da sua Abadia da Estrela»
[20]  D. Afonso IX (1171-1230) foi casado em primeiras núpcias em 1191 com sua prima direita D. Teresa Sanches, filha do rei D. Sancho I de Portugal (1154-1211) o fundador das cidades da Covilhã (1186) e da Guarda (1199).
[21]  Os outros filhos: 2.º – Martim Moniz de Cabreira, morto pelos mouros na tomada de Lisboa, segundo a tradição muito pouco provável devido à cronologia dos factos que não cabe aqui a explicação; 3.º – Maria Moniz de Cabreira (n. 1150), a qual não sendo casada teve um filho de onde provêm os Machados.
[22] Foi sua neta em quinta geração D. Maria Rodrigues de Paiva, que veio a casar com Vasco Pais de Castelo Branco, pais de outro Vasco Pais de Castelo Branco (c. 1350), alcaide-mor da Covilhã e de Monsanto.
[23]  Esta alcunha, não ficou a dever-se à sua naturalidade, mas ao facto da sua família ter algumas possessões (heranças de padroados, quintãs, etc.) em Ribeira de Pena. Era donatária de terras no concelho de Trancoso (em Reboleiro e Palhais).
[24]  Quebrada - Depressão com saliências em terreno montanhoso. Neste caso pode ter um significado mais antigo: propriedade pequena ou courela.
[25]  Gil Sanches (f. 1236) passaria à corte do rei D. Afonso IX de Leão de 1214 a 1219.
[26]  Tenência – Chefia militar em nome do Rei.
[27]  Esteve na conquista de Ceuta com sete dos seus filhos.
[28]  Informação do Professor Doutor Joaquim Candeia da Silva.
[29]  As primeiras núpcias foram com D. Maria de Gouveia de Pina, da Covilhã, filha de Sebastião de Gouveia Pina e de Brites Teixeira; neta paterna de António de Gouveia e de Isabel Mendes; e neta materna de Francisco Caldeira e de Isabel Teixeira, todos naturais da Covilhã (IAN/TT, Tribunal do Santo Oficio, Conselho Geral, Habilitações, António, mç. 11, doc. 415).
[30]  Tinha diversas propriedades e duas casas onde vivia na Rua Direita na Capinha, das quais pagava foro à Abadia em 1641: "# Paga mais o mesmo Antº Mendes de Castel Branco / das casas em q vive três quartas de trigo por / prazo f. a D.ºs Mendes no anno de 1641. # Paga mais o mesmo do cham de fronte da es / talage mº alq. de centeo. Pello mesmo pra / so atrás feito a D.ºs Mendes no anno de 1641 (…) paga da / tapada quatrocentos e vinte rs. Por pra / so feito a D.ºs Mendes na Estrella pello t.ªm / M.el Ribr.º no anno de 1641", como consta do «Foral do Real Colégio de S. Bernardo e da sua Abadia da Estrela. Feito em 1680 por Frei Benedito de S. Bernardo» (pp. 542v., 543v. e 547v.)
[31]  Armas de Castelo Branco, por diferença, uma flor-de-lis de prata. – Os Castelo Branco e os Pais, já se tinham unido em várias gerações durante a Idade Média.
[32]  IAN/TT, Registo Geral de Mercês, Ordens, liv.10, fl.127.
[33]  A alcunha de "o mil diabos" foi usada por outros seus descendentes, os quais combateram nas guerras napoleónicas, e nas lutas liberais; facto este que tem confundido vários estudiosos da genealogia desta família.
[34]  D. Maria Belarmina Capelo Franco Frazão (1869-1936) era irmã de José Capelo Franco Frazão (1872- 1940), 1.º conde de Penha (29-I-1900), senhor Casa do Vale Dourado na Capinha; filha de João António de Oliveira Franco Frazão Castelo Branco, grande proprietário da província da Beira Baixa, presidente da Câmara do Fundão, governador civil e presidente da Junta Geral do distrito de Castelo Branco, deputado em várias legislaturas e par do Reino, e de sua mulher D. Maria Amélia Capelo da Fonseca
[35]  D. Manuel de Vasconcelos e Sousa (n. 1910) é filho de Luís de Vasconcelos e Sousa, fidalgo da Casa Real, e de sua mulher D. Maria do Carmo Rebelo de Andrade.
[36]Joham estevez cavaleiro em tempo del Rey dom ssancho [II]”, filho de D. Estevão Anes (c. 1235), alcaide da Covilhã, que veio a ser senhor da aldeia do Alcaide, no concelho do Fundão.
[37] D. Afonso IX de Leão reconquistou Cáceres (1229), Mérida e Badajoz (1230), as quais estavam na posse dos mouros almóadas
[38]  Esta pedra, originalmente, terá estado disposta na vertical.

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Obs:

Texto editado na
EBUROBRIGA, n.º 8, 2015, pp. 73-90.
Museu Arqueológico Municipal José Monteiro do Fundão.
(esgotada)