Padre Miguel de Oliveira e Cunha (f. 1696)
Rua da Misericórdia
(Largo da Igreja Matriz, Fundão)
Pedra de armas do Padre Dr. Miguel de Oliveira e Cunha (f. 1696) |
Fundão, Casa Oliveira e Cunha (lado dto.) |
Brasão de: Miguel de Oliveira e Cunha (f. 1696)
Forma: Escudo português, esquartelado: o 1.º de CUNHA – nove cunhas,
Forma: Escudo português, esquartelado: o 1.º de CUNHA – nove cunhas,
postas 3, 3 e 3; o 2.º de OLIVEIRA – uma oliveira; o 3.º e 4.º, em
conjunto, de PROENÇA – o primeiro destes com uma águia bicéfala,
conjunto, de PROENÇA – o primeiro destes com uma águia bicéfala,
e o segundo com cinco flores-de-lis, postas em sautor.
Timbre: Em sua substituição um chapéu de abade (capelo), do qual pendem
de ambos os lados cordões com seis borlas.
Local: Fachada de casa no Largo Dr. Alfredo da Cunha, n.º 15, Fundão
Data: Abril -1689
Timbre: Em sua substituição um chapéu de abade (capelo), do qual pendem
de ambos os lados cordões com seis borlas.
Local: Fachada de casa no Largo Dr. Alfredo da Cunha, n.º 15, Fundão
Data: Abril -1689
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Situada no Largo Dr. Alfredo da Cunha, no adro da igreja matriz do Fundão, há uma casa solarenga armoriada com a pedra de armas do padre MIGUEL DE OLIVEIRA E CUNHA (f. 1696), como veremos. Esta andou erradamente atribuída, por diversos investigadores e pela população local, a D. Luís de Brito Homem (1748-1817) bispo de Angola (1791) e do Maranhão (1802).
BRASÃO
Padre Miguel de Oliveira e Cunha (f. 1696). Esquartelado: 1.º - CUNHA, 2.º - OLIVEIRA, 3.º e 4.º - PROENÇA. |
O brasão desta casa, do qual não se conhece processo de justificação de nobreza nem o correspondente alvará concessão, apresenta um escudo esquartelado com as armas dos antepassados do seu proprietário. Grande parte do clero saído da nobreza, vivendo em condições de privilégios e isenções, assim como os familiares do Santo Ofício, muitas vezes começaram por usar armas assumidas.
Esta pedra de armas ostenta um escudo português esquartelado: o 1.º de CUNHA (em campo de ouro com nove cunhas de azul, postas 3, 3 e 3); o 2.º de OLIVEIRA (de vermelho com uma oliveira, arrancada de prata e frutada de ouro); o 3.º e 4.º, em conjunto, de PROENÇA (o primeiro de verde com uma águia bicéfala de negro, e o segundo de azul com cinco flores-de-lis de ouro postas em sautor).
Sobre o escudo figura um chapéu de abade (capelo), do qual pendem, de ambos os lados, cordões com seis borlas, por pertencer a um clérigo. Este tipo de ornamentação do escudo, que faz de “timbre” nos abades, tem mais dois exemplos neste concelho e era prática comum aos familiares do Santo Ofício[1].
Saliente-se que a sua forma, embora muito frequente, não é a adequada, visto pertencer a um sacerdote, o qual devia blasonar as suas armas num escudo de forma oval.
MORGADO DE SÃO MIGUEL ARCANJO
Anexa a esta casa temos a Capela de São Miguel Arcanjo que foi cabeça do morgado de São Miguel[2], instituído em 8-VII-1689 com bens vinculados em testamento pelo padre Miguel de Oliveira e Cunha (f. 1696)[3], e legado a seu sobrinho-neto para este casar com uma sua prima. O destinatário deste legado era Francisco Pereira Pinto do Lago de Oliveira (f. 1760), de seu nome completo.
Capela
de São Miguel Arcanjo, cabeça do morgado. |
Tivemos notícia da existência do testamento que instituiu este vínculo, à data da morte do padre Miguel, por um extracto lançado no livro de notas que registou ao longo de vários séculos as “Capelas e nomes dos administradores” com as respectivas obrigações de missas e encargos pios. Este manuscrito foi iniciado em 1557 pelo então prior do Fundão, o licenciado Simão de Sequeira[4].
Quanto a FRANCISCO PEREIRA PINTO DO LAGO OLIVEIRA (f. 1760), era filho de Miguel Pereira Pinto do Lago (bp. 6-I-1672), 4.º morgado do Arco, e de sua primeira mulher D. Catarina de São Nicolau da Fonseca Leitão, natural de Alcongosta; neto paterno de Francisco Pereira Pinto Guedes (c. 1630), nascido em Vila Real, casado a 7-III-1650 em Braga com D. Maria Pereira do Lago (n. 1633); neto materno de João de São Nicolau da Fonseca Leitão (1624-1692), morgado de São Nicolau, em Alcongosta, e de sua mulher D. Catarina de Oliveira e Cunha (f. 1696).
Foi ele o 1.º administrador da capela de São Miguel, pelo casamento com sua prima D. MARIA LUÍSA VITÓRIA DE BRITO HOMEM[5], natural do Fundão, filha de Manuel de Brito Homem[6], e de sua mulher D. Isabel de Brito, herdeira de metade da Quinta de Figueiredo, no Fundão[7]; neta paterna de Manuel Homem de Brito (filho de Francisco Salvado) e de D. Brites Nunes Brito (filha de Manuel Rodrigues de Puga).
Caso se extinguisse a sucessão nomeada para a administração deste capela, conforme se declara num extracto no dito Livro das Capelas, seria a Santa Casa da Misericórdia do Fundão a ser «chamada por administradora em defeito de sucessores»: foi isso que terá acontecido mais de dois séculos depois da sua fundação, pois, já no princípio do século XX, passou para a Santa Casa da Misericórdia, desconhecendo-se os pormenores relativos a esta mudança de titularidade.
Devido ao facto de ter estado bastante arruinada, perdeu o seu recheio interior original, assim como sofreu obras na sua frontaria, as quais lhe acrescentaram o actual frontão que é proveniente da Capela de São Pedro Novo[8].
Dos encargos pios desta capela faziam parte um apreciável número de missas anuais pelas almas de várias pessoas. Todos os domingos e dias santos rezava-se missa por «tenção» do testador (o padre Miguel), todas as quartas-feiras de cada semana «por seu pai e mãe», às sextas-feiras pelos administradores da capela e morgado «das quais missas ditas nas sextas f.as se aplicarão oito missas cada a. p.las de minhas tias M. Barreiros e Helena de Oliveira »[9].
Desconhece-se a extensão dos bens que lhe foram vinculados. Quanto ao valor monetário dos encargos (missas), certamente beneficiaram os vários sacerdotes que esta família teve em sucessivas gerações, ficando o administrador com o remanescente do rendimento.
O detentor do brasão
A pedra de armas desta casa é do padre Miguel de Oliveira e Cunha (f. 1696). Foi ele que instituiu este morgado sob a invocação do santo do seu nome (São Miguel), do qual os seus mais distantes antepassados de Aldeia Nova do Cabo já eram devotos, pois aí também instituíram o morgado de São Miguel na capela da Casa do Terreiro.
São os seus apelidos, vindos dos seus avós, que figuram no esquartelado da pedra de armas, os quais já figuravam no brasão anteriormente concedido ao seu progenitor.
MIGUEL DE OLIVEIRA E CUNHA (f. 1696), bacharel em Leis, foi prior da Igreja de São Gonçalo do Teixoso e, posteriormente, da Igreja de São Martinho do Fundão (1670-1686).
Era um dos filhos de António Rodrigues de Oliveira (f. 1655), um fidalgo da Casa Real que em 1630 obteve Carta de brasão de armas esquateladas: o 1.º de OLIVEIRA; o 2.º de CUNHA; o 3.º de PROENÇA; e o 4.º de SILVA[10].
Sua mãe, D. Beatriz Figueira Castelo Branco, era filha de Pedro Figueira Castelo Branco e de sua mulher D. Maria Rodrigues, de Aldeia Nova do Cabo[11].
Era neto paterno Miguel Rodrigues Barreiros, e de sua mulher D. Ana de Oliveira e Cunha; segundo neto paterno de Gaspar Proença (filho de Pedro de Oliveira), casado com D. Ana da Cunha; terceiro neto paterno de Diogo Paes da Cunha, cavaleiro da Casa Real de D. João III, todos eles moradores em Aldeia Nova do Cabo[12].
De entre todos os irmãos do padre Miguel[13], sabemos ter ficado geração da sua irmã Catarina de Oliveira e Cunha (f. 1696) casada com João de São Nicolau da Fonseca Leitão (1624-1692), morgado de São Nicolau, em Alcongosta, o qual por sua vez era filho de Gonçalo Leitão da Fonseca (f. 1658), alferes do Rosmaninhal, e de sua mulher Isabel de São Nicolau (f. 1646), herdeira do morgado de São Nicolau em Alcongosta que foi instituído a 3-IV-1598.
Do casamento da irmã do padre Miguel com o morgado de São Nicolau (Alcongosta), sabemos ter nascido a filha D. CATARINA DA FONSECA LEITÃO, casada nas primeiras núpcias de MIGUEL PEREIRA PINTO DO LAGO (bp. 6-I-1672), que foi 4.º morgado do Arco por morte de seu irmão, do qual teve, entre outros, dois filhos:
O 1.º filho – NICOLAU PEREIRA PINTO DO LAGO DA FONSECA (f. ?), que casou em vida de seu pai contra a sua vontade. Herdou da mãe o vínculo de São Nicolau (Alcongosta) e andou numa longa demanda judicial com o seu irmão por causa da divisão dos morgados. Casou com D. JOSEFA FREIRE DE MELO E SÃO PAIO. Estes tiveram uma filha herdeira, que foi D. MARIA PEREIRA DE MELO SÃO PAIO, administradora do morgado de São Nicolau, casada com FILIPE DE SERPE DE SOUSA E MELO (c. 1758), natural de Viseu, no qual andava a posse do citado morgado em 1758. Tiveram geração que chegou aos nossos dias.
O 2.º filho – FRANCISCO PEREIRA PINTO DO LAGO DE OLIVEIRA (f. 1760), senhor do morgado da Casa do Arco em Vila Real, cuja sucessão se ficou a dever ao facto de seu irmão Nicolau ter falecido primeiro do que o seu pai[14]. Foi fidalgo da Casa Real e casou com D. MARIA LUÍSA VITÓRIA DE BRITO, do Fundão, senhora do morgado de São Miguel, filha herdeira de Manuel Homem de Brito e de D. Isabel de Brito, do Fundão. Faleceu a 16-VIII-1760. D. Maria Luísa era irmã de Manuel de Brito Homem, clérigo.
Fundão, Casa Oliveira e Cunha. |
A disputa judicial pela herança, terá levado à divisão do próprio solar do Fundão entre os dois irmãos e seus respectivos herdeiros. Talvez, por esta razão a sua fachada actual apresente duas pedras de armas diferentes: a dos PINTO que competiam ao morgado da Casa do Arco; e dos OLIVEIRA e CUNHA que competia ao morgado de São Miguel.
A pedra de armas dos PINTO tem um escudo que seria de prata com cinco crescentes de vermelho, postos em sautor (2, 1 e 2); por Timbre, um leopardo de prata, armado e lampassado de vermelho, com um crescente do mesmo na espádua.
Fundão, pedra de armas dos PINTO. |
Deste conjunto edificado, a parte que tem a fachada com a pedra de armas dos PINTO, é a mais antiga[15], como denotam as cantarias biseladas das janelas, assim como a diferente disposição das diversas águas do telhado.
Daqui concluímos que, à casa inicial com o brasão da família PINTO (?) – certamente dos antepassados do padre Miguel (Oliveiras?) –, e no local de um anterior logradouro, foi edificado o pequeno e sóbrio solar do padre Miguel.
Tudo nos leva a crer que o fundador do morgado de São Miguel, senão da própria casa, ao opor o seu brasão na fachada, e ao instituir o vínculo na capela em que veio a ser sepultado, teve a intenção de perpetuar o seu nome e memória muito para além da sua existência terrena.
O destino frustrou-lhe as intenções, pois, algumas décadas depois, agigantou-se um vulto nascido nesta casa, o qual quase precipitou no esquecimento a memória do padre Miguel que aqui resgatamos.
Falamos de D. LUÍS DE BRITO HOMEM (1748-1817), que aqui nasceu a 8-VIII-1748 e foi baptizado a 19-VIII-1748 na igreja Matriz. Viria a ser ordenado padre a 20-VIIII-1777, ocupando o cargo de bispo de Angola (1791-1801) e do Maranhão (1801-1813), cidade onde faleceu a 10-XII-1813 e onde foi sepultado na capela-mor da Catedral de São Luís. Familiar da mulher do 1.º morgado, cujo exacto parentesco desconhecemos, foi uma das figuras notáveis do seu tempo. Era o primogénito dos oito filhos de Diogo de Brito Homem (c. 1747), um dos primeiros vereadores da Câmara do Fundão após a criação deste concelho (10-V-1747), casado no Castelejo com D. Joana Teresa de Jesus[16]. Era neto paterno das primeiras núpcias de Luís de Brito Homem com D. Maria de Sousa; bisneto paterno de Domingos Jorge Dias e de D. Maria Nunes de Brito (filha de Manuel Alvares Reixa e de D. Joana Nunes de Brito).
Herdeiros do instituidor do Morgado
O vínculo de São Miguel Arcanjo, devido a diversas disposições testamentárias do seu fundador, as quais não conhecemos na totalidade, parece ter sido deixado em dote a D. MARIA LUÍSA VITÓRIA DE BRITO HOMEM[17], filha de Manuel de Brito Homem, e de sua mulher D. Isabel de Brito, para esta casar com seu primo FRANCISCO PEREIRA PINTO DO LAGO DE OLIVEIRA (f. 1760)[18], que foi o 1.º morgado de São Miguel. Este era filho das primeiras núpcias de Miguel Pereira Pinto do Lago (n. 1672?), baptizado a 6-I-1672, em São Pedro, Vila Real, fidalgo da Casa Real, 4.º senhor do morgado da Casa do Arco em Vila Real, casado em primeiras núpcias a 23-IX-1680 em Alcongosta com sua prima D. Catarina da Fonseca Leitão (f. 1687), filha herdeira do morgado de São Nicolau, em Alcongosta. Seu pai Miguel Pereira Pinto do Lago voltou a casar em segundas núpcias com D. Ana Maria Coutinho Vilhena, filha de Manuel de Brito Homem, senhor do vínculo de Valverdinho na Covilhã, e de sua mulher D. Teresa Pereira Coutinho Vilhena; tendo sido desta linhagem que provem o Bispo de Angola e do Maranhão.
Do casamento dos primeiros morgados de São Miguel, D. Maria Luísa Vitória de Brito Homem com Francisco Pereira Pinto de Oliveira, nasceram, entre outros, o primogénito e seu sucessor, que foi:
MIGUEL ANTÓNIO VAZ GUEDES PEREIRA PINTO (c. 1783), 2.º morgado de São Miguel, fidalgo da Casa Real por Alvará de 1738, bacharel em Leis, que também herdou a Quinta de Figueiredo e de Monte Velho no Fundão. Casou a 10-X-1756 em São Dinis, Guimarães, com sua prima D. FRANCISCA MARGARIDA PEREIRA PINTO TEIXEIRA DE MAGALHÃES.
Deste matrimónio do 2.º morgado de São Miguel, nasceram vários filhos e filhas que propagaram os apelidos VAZ GUEDES e VAZ PINTO, todos eles afectos à causa do rei D. Miguel I, dos quais destacamos:
JOSÉ VAZ PEREIRA PINTO GUEDES (1764-1834), 1.º Visconde de Vila Garcia (Decreto de 3-VII-1823), nascido a 19-III-1764, comendador da Ordem de Cristo, e provedor de Guimarães. Casou a 8-XII-1784 com D. Ana Josefa Benedita Rita da Fonseca e Vasconcelos, senhora da Casa da Igreja, em Vila Garcia (Amarante), da qual teve geração. Afecto à causa de D. Miguel, a 13-III-1823 tomou parte no combate de Santa Bárbara junto a Chaves, às ordens de Manuel da Silveira Pinto da Fonseca Teixeira (1792-1839), 2.º Conde de Amarante. Neste recontro também combateu o seu único filho varão Miguel Vaz Pereira Pinto Guedes (1791-1823), alferes de Cavalaria, que aí morreu em combate.
MIGUEL FRANCISCO VAZ GUEDES PEREIRA PINTO (n. 1765), o herdeiro do morgado de São Miguel[19], teve do seu segundo casamento com D. Ana Joaquina de Brito Ataíde da Cunha Malafaia um filho herdeiro primogénito que foi MIGUEL VAZ PINTO GUEDES DE ATAÍDE MALAFAIA, senhor da Honra de Barbosa (Rans, Penafiel)[20], da casa do Arco em Vila Real, e talvez o derradeiro senhor do morgado de SÃO MIGUEL, entretanto extinto(?). Este seu sucessor foi casado duas vezes, e teve geração de ambos os casamentos.
LUÍS VAZ PEREIRA PINTO GUEDES (1770-1841), 2.º Visconde de Montalegre (Decreto de 3-VII-1823) pelo seu casamento a 13-II-1804 com D. Inês Maria Cândida Pinto Bacelar (1785-1819), da qual teve geração. Nasceu a 10-VIII-1770, tendo falecido a 10-V-1841. Foi moço fidalgo da Casa Real (20-XII-1778). Como militar abandonou o serviço quando Junot entrou em Portugal, e veio a tomar parte activa na revolução de 1808 contra os franceses. Foi brigadeiro (1823) e fez as campanhas da Guerra Peninsular. Aquando da Carta Constitucional, opôs-se pela força das armas ao estabelecimento do regime liberal no nosso país e foi o primeiro a levantar o primeiro grito da revolta a 26 e 27-VII-1826 tendo sublevado em Bragança o regimento 21 de Infantaria, acção que o levou ao exílio do qual regressaria no tempo do governo de D. Miguel que o promoveu ao posto de Brigadeiro e depois a Marechal de Campo.
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Devido a não conhecermos o rendimento anual dos bens que estariam vinculados a esta capela, não podemos saber ao certo qual o impacto das diversas leis que limitaram e acabaram por abolir os morgados entre 1769 e 1863, por falta de importância económica [21].
Desconhecemos, a partir daqui, o que aconteceu ao vínculo de São Miguel, assim como as circunstâncias em que aí nasceu o Bispo do Maranhão, que usava os apelidos BRITO HOMEM, os quais provinham da mulher do 1.º morgado.
Alpedrinha, Casa dos Britos. |
Quanto ao ramo fundanense da família BRITO HOMEM, originário do Sardoal, era descendente de um capitão-mor das ordenanças desta vila e por alianças matrimoniais ligaram-se a várias famílias da Beiras, nomeadamente aos Calvos (da Covilhã), aos Silvas (de Aldeia Nova do Cabo, da família de Fr. Diogo da Silva, 1.º Inquisidor do Reino), aos Freires Corte Reais (da Covilhã e de Castelo Branco), e aos Salvados (do Fundão), conforme se pode constatar em Felgueiras Gaio.
Em Alpedrinha ainda existe a Casa dos Britos, ou Casa do Pátio — nome tirado do terreno murado contíguo à frontaria. Esta casa é talvez a única que podemos atribuir à família Brito, cujo brasão de armas foi retirado da sua fachada, quando estes alienaram este solar, e foi levado por um dos seus últimos herdeiros para uma sua quinta nas imediações de Tomar (Quinta das Avessadas?). Os Britos do Fundão são um ramo desta família, cujo brasão extraviado seria talvez o único que restava, a atestar na pedra, a sua passagem por este concelho.
Pelo atrás exposto, poderemos concluir com segurança que a pedra de armas, o solar, e a Capela de São Miguel que lhe fica anexa, foram do padre Miguel de Oliveira e Cunha (f. 1696), que aí instituiu um vínculo em 1688, sob a invocação dos santo do seu próprio nome – São MIGUEL.
Esperamos que, a partir de agora, a atribuição errónea desta pedra de armas e do seu solar, que corre em diversas publicações, fique definitivamente esclarecida …
Anexo:
São Miguel Arcanjo; por Guido Reni, 1636. |
A veneração de SÃO MIGUEL ARCANJO, nesta zona da Beira Interior, leva-nos a algumas divagações sobre o enraizamento da sua devoção: quer entre as classes populares, quer entre a elite dominante.
A Beira Interior terá acolhido judeus sefarditas desde tempos imemoriais, aos quais se juntaram parte dos mais de 100.000 judeus expulsos de Espanha (1492), e ainda cerca de 50 anos depois, muitos Cristãos Novos que foram forçados à conversão (cripto-judeus), para se subtraírem à vigilância do Santo Ofício.
As acusações de judaísmo perante o Santo Ofício não poupariam mesmo algumas famílias destacadas, as quais longinquamente teriam parentela com origem nesse povo errante que já estava na Península desde o tempo dos fenícios.
É evidente que a maior parte, senão a totalidade desta população, tem sangue judaico e a cultura local está imbuída, sem disso se aperceber, de algumas tradições que deixaram vestígios na nossa vida espiritual.
Não é por acaso que a vila do Fundão durante o século XVI já tinha um exagerado número de pequenas capelas edificadas, atendendo à pouca população da vila. Muitas destas capelas eram sede de pequenas capelas vinculadas (morgados) com o encargo de muitas missas, como se depreende do já citado manuscrito que, a partir de 1557 regista as “Capelas e nomes dos administradores”.
Entre a população local havia o desejo de contribuir para estas edificações, assim como para as imagens, alfaias e paramentos. Estas dádivas eram uma forma de afirmação pessoal da sua convicta, ou aparente, religiosidade; conforme o caso de estes contributos serem feitas por um verdadeiro cristão, ou por um cripto-judeu que se queriam resguardar, por esta espécie de salvo-conduto, das perseguições da Inquisição que se abateu sobre vários NUNES, CUNHAS e OLIVEIRAS do concelho do Fundão.
O Arcanjo São Miguel, a cuja devoção esta família era dada, é curiosamente um santo transversal às duas religiões: a cristã e a judaica.
No cristianismo – Novo Testamento –, São Miguel, que nunca foi canonizado, é um Arcanjo (está acima dos outros anjos) e lidera os exércitos de Deus contra as forças de Satã no Apocalipse.
Na religião judaica, São Miguel, é uma espécie de advogado de defesa dos judeus e tomou um lugar importante na sua liturgia, apesar de estes não terem anjos como intermediários entre Deus e seu povo. Na Bíblia Judaica – Antigo Testamento – o profeta Daniel (Daniel, 10: 13-21) tem uma visão em que identifica o Arcanjo Miguel, como o protector de Israel, o qual no “tempo da grande tribulação” se levantará “a favor dos filhos do seu povo”.
No Livro de Enoque (Apócrifo), São Miguel é designado como o príncipe de Israel.
Na iconografia corrente o Arcanjo Miguel é representado matando uma serpente, alusão velada ao facto do Imperador Constantino ter derrotado o seu rival Licínio I (anti-cristão), no ano 324.
Um dos papéis atribuídos a este Arcanjo é o de anjo da morte, levando as alma dos os falecidos para o céu, depois de as pesar numa balança, com a qual muitas vezes também é representado.
Estas reflexões vêm a propósito da Capela de São Miguel Arcanjo que, para nós, e no contexto mencionado, se poderá afigurar uma devoção passível de um significado duplo – ou oculto –, que aqui deixamos registado…
Visitação, 1796? , por José da Cunha Taborda (1766-1836). |
A contígua capela da Santa Casa da Misericórdia, tem uma dessas representações iconográficas (a Visitação), que nós valorizamos pelo seu possível duplo simbolismo, para além do seu significado óbvio, devido ao contexto da época e do local em que está inserida, no qual houve uma comunidade criptojudaica, e mesmo a sobrevivência de algum paganismo: crenças estas que se ocultavam debaixo de máscaras que ajudavam à sua sobrevivência.
A Visitação (1796?, 300x200 cm) ficou a dever-se a uma encomenda feita pelo P.e Domingos da Cunha (outro Cunha ...), então provedor da Misericórdia, ao pintor fundanense José da Cunha Taborda (1766-1836), por volta de 1796.
A temática desta obra refere o encontro entre a Virgem Maria e sua prima Santa Isabel, então grávida de seis meses, esperando o futuro São João Baptista, o qual deu saltos de prazer no ventre materno devido à presença da futura mãe de Jesus (Lucas, I, 39-45).
A temática desta obra refere o encontro entre a Virgem Maria e sua prima Santa Isabel, então grávida de seis meses, esperando o futuro São João Baptista, o qual deu saltos de prazer no ventre materno devido à presença da futura mãe de Jesus (Lucas, I, 39-45).
Esta pintura era do agrado da comunidade judaica, devido ao facto de se referir a um acontecimento onde os intervenientes eram respeitáveis praticantes da fé judaica. São Lucas diz que o João Batista "crescia, e se robustecia em espírito, e esteve nos desertos até ao dia em que havia de mostrar-se a Israel" (Lc 1:80).
Santa Isabel, a mãe de São João Baptista, é muito respeitada e referenciada no Islão, apesar do Corão não a mencionar pelo nome próprio, mas os muçulmanos se referirem a ela como "uma pessoa sábia e piedosa" que descendia do profeta e sacerdote Aarão, o qual foi porta-voz de Moisés.
Todos os anos, na véspera do dia 24(?) de Junho, este quadro era exposto no largo da capela da Misericórdia, em frente de uma grande fogueira onde se queimava rosmaninho. Este enigmático costume, carregada de um simbolismo imemorial que marca o apogeu do Sol (Solstício de Verão), já não se pratica há várias décadas.
No seio desta família OLIVEIRA e CUNHA, durante vários séculos nasceram sacerdotes bastante instruídos e cultos, cujas escolhas (de santos protectores, ou temas de pinturas), seriam tudo menos inocentes…
Aqui deixamos esta nota, não com o intuito de polemizar, mas para que se reflicta sobre a grande penetração judaica nesta região, que no século XV e XVII foi muito benéfica para o desenvolvimento económico e social desta localidade.
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Notas:
[1] Veja-se em Aldeia Nova do Cabo a pedra de armas da capela de São Miguel Arcanjo na Casa do Terreiro, vínculo de Miguel Barreiros de Sá (1605-1657), vigário da terra; assim como a pedra de armas da capela de São Barnabé, vínculo de João Figueira Castelo Branco, que foi vigário do Souto da Casa, entre outras. Ambos eram parentes do padre Miguel.
[2] Os Morgadios, regra geral, foram instituídos com o fim de perpetuarem o apelido e as armas de uma família ilustre ou o nome dos fundadores, quase sempre sepultados em capelas familiares à sua custa edificadas, com vários encargos piedosos pelas almas dos antepassados. Eram formados de um conjunto patrimonial inalienável, administrado por um usufrutuário – o morgado – que, quase sempre, era o varão primogénito. Um morgado distingue-se de uma capela devido à finalidade das funções definidas à data da sua fundação. Temos um morgado quando a maior parte do rendimento dos bens vinculados é destinado ao herdeiro, sendo a parte destinada a obrigações piedosas de um montante muito mais pequeno. Temos uma capela quando os encargos com as obras piedosas absorvem a maior parte do rendimento dos mesmos bens.
[3] Cfr. MONTEIRO, José, Ao Redor do Fundão, p. 285-286, nota de rodapé n.º 36; e VASCONCELOS, Manuel Rosado Marques Camões e — Oliveiras e Cunhas da Casa do Outeiro Termo do Fundão, (Lisboa: 1962), v. I, pp. 45. — Manuel Rosado, por lapso, atribui ao referido sacerdote o nome de Manuel, em vez de Miguel, certamente por confusão com um padre homónimo desta numerosa família.
[4] Biblioteca do Seminário do Fundão, Livro das capelas e nomes dos administradores de São Martinho do Fundão; 1557, MS, fls. 25v - 26. – Neste figuram as datas e as obrigações deste vínculo.
[5] D. LUÍSA, teve um irmão que foi clérigo e tinha o mesmo nome e apelidos de seu pai.
[6] Ao longo das várias gerações desta família, houve diversos indivíduos com este nome, o que causa alguma confusão neste tipo de investigação.
[7] Cfr. MONTEIRO, José, op. cit., p. 44-45, nota de rodapé n.º 36; e MONTEIRO, Maria de Lurdes Tavares, A mais honrada aldeia do reino”, Fundão, 2001, p. 67; e GAIO, Felgueiras, Nobiliário, v. III, tít. “Britos”, § 17, p. 78-79.
[8] A Capela de São Pedro Novo, situada no Alto de São Pedro, em substituição de uma anterior, acabou por nunca ser concluída.
[9] Cfr. MONTEIRO, José, op. cit , Ibidem.
[10] VASCONCELOS, Manuel Rosado Marques Camões e — Oliveiras e Cunhas da Casa do Outeiro Termo do Fundão, (Lisboa: 1962), v. I, pp. 42-45.
[11] A família Figueira Castelo Branco teve um solar em Aldeia Nova do Cabo, ao qual tem anexa a capela de São Barnabé, com a pedra de armas de um membro desta família. A capela foi sede do morgado instituído pelo João Figueira Castelo Branco, prior na igreja do Souto da Casa.
[12] Cfr. VASCONCELOS, Manuel Rosado M. Camões, op. cit., p. 41-46.
[13] À falta de documentos originais, seguimos, com algumas reservas, algumas informações editadas pelo genealogista Manuel Rosado M. C. Vasconcelos (Oliveiras e Cunhas…); GUERRA, Luiz Bívar , A Casa da Graciosa, pp. 245-245.
[14] GAIO, Felgueiras, Nobiliário, v. VIII, tít. “Pintos”, § 9, p. 293.
[15] Embora sem apoio documental, ficamos com a convicção que, à semelhança do que terá acontecido no Solar da Praça Velha, todos os terrenos desta casa e do respectivo quarteirão onde a mesma está implantada, seriam de antepassados comuns a todos eles: os OLIVEIRAS, que ligados aos PROENÇAS e aos CUNHAS, terão sido dos maiores terratenentes de Aldeia Nova do Cabo e de várias aldeias do concelho do Fundão, na primeira metade do século XVII.
[16] GAIO, Felgueiras, Nobiliário, v. III, tít. “Britos”, § 22, n. 7, p. 81.
[17] Por escritura de 11-X-1727, segundo referencia de José Monteiro, já citada.
[18] Francisco Pereira Pinto de Oliveira (f. 1760, é citado por diversos autores com diversos apelidos, todos eles provenientes dos seus antepassados.
[19] Sendo filho segundogénito, só poderá ter herdado este vínculo por falecimento do irmão primogénito, antes da morte do anterior morgado, ou por legislação que impedisse o acesso a este devido às convulsões politicas da época.
[20] A Honra de Barbosa é encabeçada por uma torre medieval de características militares. Foi fundada no século XII por Mem Moniz de Ribadouro. Reconstruída em 1334, a honra foi repartida por vários herdeiros. Com a subida ao poder da nova dinastia de Avis em 1385, esta propriedade foi doada aos Malafaias e Azevedo, que a transformaram em solar familiar.
[21] Os morgadios foram definitivamente extintos por decreto de 19-V-1863, com a excepção da Casa de Bragança que durou até à implantação da República em 1910.