2019-07-21

Covilhã – Praça do Município (Pelourinho) / Rua do Norte: Pedra de Armas de Portugal (Séc. XVIII).



ARMAS DE PORTUGAL,
Covilhã, Rua do Norte, n.º 6.


Estas armas de Portugal estão encastradas num portal situado na Rua do Norte, n.º 6, junto à Travessa do Postiguinho, – designação tirada de uma pequena porta de acesso ao recinto muralhado medieval – no centro histórico da cidade da Covilhã.
Covilhã, Rua do Norte, n.º 6.
(acesso traseiro ao terraço/cobertura do Teatro-Cine
da Covilhã)
A sua existência, que até então ignorávamos, deve-se à sua localização num beco que passa desapercebido à maioria dos covilhanenses.

Este portal moderno (1950?), enigmaticamente armoriado com esta pedra de armas do século XVIII, dá acesso pelas traseiras ao terraço/cobertura do Teatro-Cine da Covilhã, um edifício implantado num terreno muito desnivelado que no rés-do-chão faz gaveto entre a Praça do Município (antigo Pelourinho) e a Rua Rui Faleiro.
Qual será a sua origem? Como foi esta pedra com as Armas de Portugal parar a um edifício de meados do século XX? Esta é a grande interrogação.
Apesar da falta de documentos que esclareçam este aparente imbróglio, a explicação parece simples. Para o efeito, basta observar algumas fotografias do princípio do século passado, e a topografia local, quando o Pelourinho e a antiga Casa da Câmara filipina (1614) ainda aí subsistiam..

Covilhã, Rua do Norte, n.º 6.
Estes brasões de Armas de Portugal, encimados pela coroa real (no regime monárquico), existem aos milhares por todo o país, a marcar edifícios públicos, chafarizes, e diversos monumentos e equipamentos urbanos.
Com o advento da 1.ª República (1910), muitos destes brasões foram apeados ou desapareceram e, em grande parte, a respectivas corroas reais foram obliteradas a escopro e martelo, por sectários do novo regime político que, deste modo, julgavam poder apagar muitos séculos da história pátria.


Em princípio, presumimos que este brasão terá sido recuperado perto do local onde actualmente se encontra, pelo que é necessário apurar as edificações anteriormente aí existentes, as quais ocuparam este espaço contíguo à muralha medieval da cidade, pelo lado exterior.
Constatamos que neste local esteve durante pouco tempo sediado o Hermínio Terrasse – Animatógrafo (1923), logo substituído pelo pelo Teatro Covilhanense (1924), ocupando parte do logradouro do palácio edificado neste local pelo infante D. Luís (1506-1555), senhor da cidade da Covilhã, segundo a tradição que veio até aos nossos dias, difundida por diversos autores, a qual pode não corresponder à realidade, pois este infante, devido ao seu imenso património,  só episodicamente terá habitado esta localidade. Neste caso, o palácio atribuído a D. Luís, eventualmente seria dos alcaides-mores da Covilhã, ao arrepio da tradição oral, o que parece ser o mais provável. Nesta família foi seu primeiro alcaide, na citada cidade, o notável D. Rodrigo de Castro (f. 1543), "o de Monsanto", senhor de Valhelhas e Almendra, ao qual sucedeu um filho. Para estes, sua mulher, D. Isabel Coutinho, fundou duas belas capelas tumulares com estátuas jacentes, para seu panteão familiar. 

«Nas cabeças do cruzeiro desta igreja foram fabricadas duas capelas de abóbada de cantaria e feitas com primor por D. Izabel de Castro e D. Joana de Castro, ambas irmãs, filhas de D. Rodrigo de Castro, chamado de Monsanto, e de D. Maria Coutinho. A que fundou D. Isabel de Castro que é da parte esquerda (…) Tem dois mausoléus sumptuosos, metidos na parede, os quais ela mandou fazer, um para seu marido D. Fernando de Castro, senhor de Santa Cruz de Riba Tâmega, morto pelos mouros em Arzila; outro para seu filho D. Diogo de Castro, alcaide-mor desta vila de Covilhã. Sobre eles ambos está o escudo das armas que são treze arruelas. A outra capela, que fundou D. Joana de Castro, da parte direita do cruzeiro, padeceu tal ruína no tecto que hoje está coberta de telha, posta em toscos caibros e as paredes estão já danificadas e mal compostas. (…) porem, existem nela dois mausoléus nobres como os da outra capela acima, metidos na parede em arcos, que ela mandou fazer para si um e outro para seu marido João Fernandes Cabral, alcaide-mor de Belmonte e senhor de Azurara na Beira. Tem por cima escudo de armas que são seis arruelas e cinco estrelas.» (Blogue “Covilhã – Subsídios para a sua história”)





Infante D. Luís (1506-1555),
6.º senhor da Covilhã.
Covilhã, Palácio de D. Luís (1506-1555) com duas janela manuelinas.













As Armas de Portugal aqui representadas, estão certamente relacionadas com o palácio que aqui houve do 4.º filho do rei D. Manuel I (1469-1521), o infante D. Luís (1506-1555), 5.º duque de Beja, condestável do Reino, fronteiro-mor da comarca Entre Tejo e Guadiana, grão-prior do Crato e da Ordem de Malta, pai do desventurado D. António (1531-1595), também prior do Crato por herança de seu pai e pretendente ao trono. 

 Estas armas estavam em uso desde 1481, e são:
Escudo de prata, carregado de cinco escudetes de azul, postos em cruz de Cristo, cada um carregado por cinco besantes de prata, postos em sautor; bordadura de vermelho carregada de sete castelos de ouro; o escudo encimado por uma coroa real, fechada.

Este infante D. Luís foi 6.º senhor da Covilhã (5-VIII-1527), por confirmação do seu irmão o rei D. João III e, ao contrário de outros antecessores que tiveram este senhorio, para aqui veio residir durante algum tempo pelo que teve necessidade de edificar o seu paço, às portas da então vila da Covilhã.
Paço de D. Luís, desembocando na Rua Rui Faleiro
através Adicionar legenda
Esta sua habitação, chegou já muito degradado aos primeiros anos de Novecentos, mas ainda mantinha duas belas janelas manuelinas.
Junto a ele, pela lado superior da encosta em que estava implantado, havia, na antiga muralha, um postigo que, através de uma longa e ingreme escadaria, daria acesso à actual Rua Rui Faleiro. Nessa rua, desembocaria através de um passadiço em arco, junto ao antigo terreiro da forca – o Pelourinho, actual Praça do Município.
É, sobre a abertura em arco deste passadiço que estava o citado brasão que, deste modo, ainda no século XIX, marcava o acesso ao palácio a partir da Rua Rui Faleiro, junto ao Pelourinho, o novo centro cívico da cidade agora deslocado para fora da muralha medieval.  

Passadiço onde desembocava a escadaria
 do Palácio de D. Luís, com as Armas de Porugal.
Eventualmente, num período mais recuado da história covilhanense, um brasão equivalente (este é do século XVIII) poderá ter estado na parte superior desta escadaria, no próprio palácio, que teria a sua entrada principal virada para o burgo medieval, não muito longe do local onde agora este se encontra o moderno brasão.

Este paço terá sofrido danos no terramoto de 1755 e, durante muito tempo teve os seus muros completamente cobertos de hera, o que lhe valeu o epiteto de Casa da Hera.

Praça do Município (Pelourinho),  em meados de Oitocentos (?),
com o Palácio de D. Luís  completamente coberto por era.
Com a sua destruição e a edificação do Teatro-Cine (1946-1954) junto ao local onde esta estava implantada; optou-se pela integração da pedra de armas em apreço no novo edifício.
Porém, deveria ter-se colocado junto a esta pedra de armas uma placa-memória que mencionasse a sua origem. Assim se preserva a história de uma cidade.


Estas armas, chegaram ao nosso conhecimento através das Dras. Regina Alexandre (técnica superior) e Cristina Caetano (bibliotecária), pessoas com grande dedicação à defesa do património da Cova da Beira, as quais tiveram a amabilidade de me facultar as respectivas fotografias, cujo empenho muito agradeço.

Praça do Município (Pelourinho) com Teatro-Cine (1960?)
Praça do Município (Pelourinho), com Câmara e
Hermínio Terrasse - animatógrafo (1924)




2018-11-27

COVILHÃ, BOIDOBRA – Pedra de Armas da Capela de Santa Maria da Estrela


(Família Falcão) 
 
Armas de Falcão (assumidas?)


Brasão de:   FALCÃO. Representado pelo timbre desta família, à revelia das convenções heráldicas.
Forma:          Escudo francês, boleado de bico, e chefe de linhas ligeiramente concavas[1]: Com um falcão, empunhando com o pé direito um bordão de São Tiago, e no bico uma espora, com as correias e respectiva moleta para baixo; no chefe três moletas de esporas de oito pontas[2].   
Local:       Concelho da Covilhã, Boidobra, fachada principal da Capela de N. Sra. da Estrela.
Data:              Séc. XVI (princípio)


Capela de Santa Maria da Boidobra
Esta enigmática pedra de armas está localizada bem acima do portal principal da frontaria da capela de Santa Maria da Estrela, na freguesia da Boidobra, a pouca distância da Covilhã. 
Boidobra, Capela de N. Sra. da Estrela
Por ser um brasão familiar, levanta várias questões quanto à sua interpretação simbólica, origem e localização. Não faz sentido a sua presença, em destaque, num pequeno mosteiro filiado em Santa Maria de Alcobaça, da Ordem de Cister.
A pequena e modesta capela onde se insere esta pedra de armas é hoje um modesto templo, resultante das várias reedificações feitas ao longo da sua existência de mais de sete séculos.
Várias vezes entrou em ruína, sofrendo sucessivas reconstruções que lhe terão adulterado a traça original, da qual, ao certo, apenas subsiste no seu espaço interior o arco que separa a sua nave rectangular, da cabeceira do altar-mor, assim como alguns elementos arquitectónicos que resistiram à ruína a que chegou por diversas vezes.
Primitivamente, contíguas à capela pelo lado Sul, desenvolviam-se as suas várias dependências que não chegaria aos nossos dias, talvez por ser uma «casa mal feita e mal proporcionada» (Cocheril 1970: 573).
Sabemos que esta abadia, com o respectivo oratório, esteve várias vezes arruinada e, por altura da visitação que lhe foi feita pelo abade de Claraval D. Édme de Saulieu na companhia do seu secretário Claude de Bronseval, em Fevereiro de 1533, este constatou que pequena abadia se encontravam «absolutamente arruinadas e perante esta desolação nem parece ter existido aqui, em tempos, um mosteiro». Foi então que o seu abade Fr. Pedro de Aguiar, monge da Alcobaça e seu prior, procedeu a profundas obras de reparação – «…eu fiz a dita Igreja de novo», deixou registado – e colocou um telhado na capela (Cocheril 1970: 573).
A 1-V-1579, pelo Capítulo Geral reunido no Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça, devido à sua degradação e à falta de monges, a suas instalações foram encerradas passando então os seus bens e receitas a reverter para Colégio de São Bernardo de Coimbra[3].
Cerca de dois séculos depois, em meados do século XVIII, tendo o mosteiro já desaparecido, ainda existia esta capela então na posse do citado Colégio de São Bernardo, como registou o cura Pedro Barata nas “Memórias Paroquiais de 1758[4].
Cantaria do convento
desaparecido.
Mais tarde, na sequência das lutas liberais, com a desamortização dos bens da Igreja e a extinção das ordens religiosas (decreto de 30-V-1834), os seus bens seriam incorporados na Fazenda Nacional como aconteceu com os seus congéneres.
Posteriormente, o mosteiro, e as suas terras de cultivo, seriam vendidas em hasta pública a particulares ao abrigo Lei de 22-Jun-1866 que procedeu à desamortização das propriedades das câmaras, das paróquias, das confrarias religiosas e demais institutos pios ou de beneficência.
O mosteiro, já não existia e não deixara vestígios, a não ser a sua cantaria de granito abandonada por terra ou reutilizada em diversos muros e edificações ao seu redor.
Quanto à capela, encontrar-se-ia devastada. Por esse facto, os novos proprietários não a terão reaproveitado para fins de apoio agrícola, como sucedeu com a não muito distante capela de São Pedro da Capinha, e muitos outros pequenos templos semelhantes.

 Da ruína da Capela, à reconstrução actual
Boidobra, Capela de N. Sra. da Estrela
Este orago dedicado a Nossa Senhora da Estrela, mesmo na posse de um qualquer particular que o tenha licitado, e certamente em muito mau estado de conservação devido à religiosidade devota do povo da Boidobra terá continuado a servir a romaria anual que em Setembro de cada ano aí se realizava desde tempos imemoriais.  
Desde a segunda metade do século XIX, terá sido reconstruída e reparada várias vezes, como indiciam diversos panos de parede com blocos de granito mais pequenos e juntas muito irregulares. A última destas intervenções, foi a de 2017. 

 Pedra de armas da capela
(família Falcão)
Considerações

Pedra de armas, perfil.
No terço superior da sua frontaria, temos uma enigmática pedra de armas de pequenas dimensões para o espaço onde se insere, mas de irrepreensível factura formal..
Saliente na parede em que se encontra, mostra na parte posterior que está visível, uma superfície ligeiramente convexa e afeiçoada pelo canteiro que a fez. Parece-nos, não ter sido originalmente destinada a ser encastrada numa parede; muito menos em destaque na faxada principal desta capela pertencente a uma destacada ordem religiosa.
A sua tipologia, e as peças móveis carregadas pelo escudo, com alguma segurança remetem-nos para o século XVI (princípio). Pertenceu a alguém da família FALCÃO, apesar de não obedecer ao cânone de representação desta família – que eram 3 bordões de Santiago, e não um falcão, como aqui aparece.
Senão, vejamos:
As armas da família FALCÃO – omitindo as cores e os esmaltes – são 3 bordões de Santiago, postos em pala; tendo por timbre um falcão, com um dos bordões no bico e pé direito. 
No timbre: esporas
(correias e moletas).
No chefe do escudo:
moletas de cavaleiro.
Falcão
As armas representadas no escudo da capela “com um falcão, empunhando com o pé direito um bordão de São Tiago, e no bico uma espora com a respectiva moleta para baixo; no chefe três moletas de esporas de oito pontas”, dizem respeito ao timbre das armas dos FALCÃO. Neste timbre apenas há dois pequenos desvios, irrelevantes, à forma de o representar o timbre desta família: o 1.º é a existência, pendente do bico do falcão, de uma “espora, com as correias e respectiva moleta para baixo”, simbolizando um cavaleiro; o 2.º, no chefe, com o sentido anterior, 3 moletas de espora.
O destinatário destas armas falantes[5], quis aqui deixar muito bem patente o facto, que muito prezava, de ser um cavaleiro.
Desconhecemos qualquer documento ou registo da concessão destas armas, pelo que não enjeitamos a possibilidade de estas serem armas assumidas[6]


Desconhecemos qualquer capela ou igreja de uma qualquer ordem religiosa, ou paroquia, que tenha em destaque na sua fachada uma pedra de armas familiar, a não ser que seja de um religioso.
Sé de Lisboa,
armas de D. Jorge da Costa,
(na torre Norte)
Sé de Lisboa, armas de
D. Jorge da Costa.
Quando há um reconstrutor, ao qual se ficou a dever o seu contributo na reedificação/remodelação de um templo, por vezes é permitida a colocação das suas armas num local mais periférico e discreto, nunca sobre o seu portal principal.
É o que sucede, por exemplo: na Sé de Lisboa onde figura a pedra de armas de fé de D. Jorge da Costa (1406-1508)[7], o “Cardeal de Alpedrinha”, da qual faz parte um escudo com a roda das navalhas alusiva ao martírio de Santa Catarina, foi colocada a grande altura num dos contrafortes da torre situada a Norte por gratidão a este ter custeado as obras da sua conclusão (Mendonça 1991, 28-29); e na Sé da Guarda, onde figuram as armas de D. Pedro Vaz Gavião (f. 1516), bispo da Guarda (1496), com um escudo ostentando cinco gaviões postos em sautor, que foi posto em destaque nas torres que ladeiam a frontaria, e em várias colunatas, em memória das obras que aí mandou fazer, tendo concluído a capela-mor, assim como fechou a abóbada, na qual também colocou as sua armas.
Sé da Guarda, armas de
D. Pedro Vaz Gavião
Sé da Guarda, armas de
D. Pedro Vaz Gavião
Estes dois prelados, ostentam sobre os seus escudos, como lhes compete, um chapéu episcopal com os respectivos cordões de borlas[8]; o que não acontece com armas que estão na fachada da capela de Santa Maria da Estrela, que eram certamente de um secular, como veremos.
Caso as armas da capela da Boidobra fossem de um religioso, um abade por exemplo, teriam um chapéu eclesiástico com o respectivo cordão de borlas, o qual já estava em uso em Portugal desde 1476, como atestam as armas usadas por D. João Galvão, bispo de Coimbra e 1.º conde de Arganil (Seixas 204, 63).
Porém, há imensas capelas privadas com brasões familiares colocados em destaque sobre os seus portais. Estas, muitas vezes, foram cabeças de morgados e serviam de panteão familiar à descendência dos seus fundadores. Tinham bens vinculados, cujo rendimento servia para custear os serviços religiosos – missas – por alma dos seus fundadores[9].
Quase sempre, estas capelas/vínculos eram instituídas dentro das próprias igrejas, ou nos mosteiros, em capelas funerárias próprias sob a invocação de um Santo protector; ou em sepulturas que ficavam privativas da respectiva família fundadora. Nestes casos a família colocava as suas armas nas respectivas capelas, ou sepulturas. Terá sido esta a origem das armas da família FALCÃO, que hoje observamos na fachada da capela aqui em apreço.
A instituição destas capelas era vantajosa para ambas as partes: as famílias aumentavam deste modo o seu prestígio social; quanto às instituições religiosas que as acolhiam, viam o seu património aumentado com os seus rendimentos.
A maioria das igrejas e conventos da região, nomeadamente na cidade da Covilhã, tinham capelas/vínculos com as respectivas sepulturas[10]. O mosteiro da Boidobra, apesar da sua pequenez, certamente não foi excepção a esta regra, e terá acolhido uma ou outra família da região que o escolheram para última morada: quer na sua capela de Nossa Senhora da Estrela, hoje sem vestígios de sepulturas; quer no seu claustro, como também era costume.

Conclusão


Capela de N. Sra. da Estrela
(foto antiga)
Tudo nos leva a concluir que uma capela funerária, ou sepultura, neste pequeno templo, ou no claustro do mosteiro, foi o destino inicial desta pedra de armas, destinada a identificar e a perpetuar a última morada de um FALCÃO, orgulhoso da sua condição de cavaleiro.
As vicissitudes por que passou o mosteiro, levaram à frustração dos seus intentos de encontrar aqui uma morada segura para a eternidade.
A sua sepultura terá sucumbiu perante a ruína deste cenóbio, frustrando-lhe o intento de descanso eterno.
Caso esta sepultura estivesse localizada no claustro, dada a exiguidade da capela, este foi um dos primeiros locais a entrar em ruína. Do claustro, “já não se vislumbra traço”, pois “todo o local foi invadido por árvores”, segundo refere D. Édme de Saulieu, abade de Claraval, quando o visitou a 10-II-1533, ao tempo do seu abade Fr. Pedro de Aguiar.
É natural que este sepulcro não tenha resistido muito tempo, além desta data (1533).
Esta pedra de armas, com a total destruição do mosteiro, ou a ruína da sua capela, terá caído por terra, onde ficou ao abandono.
Uma das muitas reconstruções da capela em finais de Oitocentos, talvez por iniciativa da população local, fez com que este belíssimo monumento heráldico tenha reencontrado um lugar de destaque na sua fachada – salvo, não pela história que representa, mas acima de tudo, pelo seu belo efeito decorativo.

♦ 

O detentor destas armas?
Até agora não foi possível identificar o possuidor deste brasão, alicerçados em provas documentais. A documentação do cartório deste convento é muda sobre este tema.
Não obstante a falta de documentação, podemos tentar saber da existência de algum ramo familiar destes Falcões nos antigos limites deste concelho municipal, o qual, no século XIV, ainda incluía ao seu redor muitos dos municípios que vieram a autonomizar-se posteriormente.
Sucede que, desde a Idade Média, e principalmente a partir dos finais de Quatrocentos, houve nesta região da Covilhã uma família FALCÃO, com algum relevo social.
Estes, vieram a ligar-se a outras famílias de relevo no âmbito regional: falamos dos Tavares, e dos Proença. Estudando as genealogias destas famílias, podemos encontrar algumas ligações com aos Falcões.
Tiveram numerosa descendência por todo o concelho da Covilhã, que então incluía o Fundão (Alcaide, Donas, Castelo Novo, Fatela, etc.), e por toda a região da então Beira Baixa.
Aqui vamos mencionar um dos ramos desta família, o qual está provavelmente relacionado com o destinatário da pedra de armas existente em Santa Maria da Estrela:

FRANCISCO FALCÃO (c.1539), cavaleiro da Ordem de Cristo, o qual teve Carta de Brasão de Armas para FALCÃO, dada a 23-I-1539, cujo teor é o seguinte:
Carta pela qual el-rei D. João III lhe concedeu o seguinte brasão de seus antecessores: Escudo de campo azul e três bordões de prata ferrados e fincados de vermelho, e uma meia brica de oiro, e nela um - F – de preto; elmo de prata aberto guarnecido de ouro, paquife de prata e azul, e por timbre um falcão de sua cor com um dos bordões no bico e com uma das mãos no mesmo; com todas as honras e privilégios de fidalgo por descender da geração e linhagem dos Falcões. – Dada em Lisboa a 23 de janeiro de 1539. Reg. Na Chanc. De D. João III, liv. XXVII, fl. 2. 
Era filho Fernão Falcão, também cavaleiro da Ordem de Cristo, neto de Fernandes de Brito e de sua mulher Isabel Falcão; neto materno de Vicente Anes Falcão, fidalgo muito honrado.
Segundo o genealogista Alão de Morais, terá casado com D. MARIA TAVARES; filha natural de João Tavares (n. 1433), morador na vila da Covilhã a 11-IV-1475, e comendador de Alpedriz (no concelho de Alcobaça) e de São Vicente da Beira na Ordem de Avis, o qual foi legitimado a 12-X-1463 por D. Afonso V[11]; neta de Lopo Dias Tavares (n. 1384?), cavaleiro professo da Ordem de Avis, comendador de Alpedriz e São Vicente da Beira, o qual não podia casar mas teve vários filhos; bisneta de Gonçalo Dias de Proença, que terá vivido em Proença a Velha ou na Covilhã (Soveral, 2010: 4-6).


Encontramos também nesta região uma família SOUSA FALCÃO que, atendendo à cronologia, eventualmente poderá vir a fornecer pistas para identificar o destinatário da pedra de armas da capela da Boidobra.
O primeiro destes:
JOÃO DE SOUSA FALCÃO (c. 1475), do qual há documentação na Torre do Tombo, cujo conteúdo não chegamos a consultar.
Foi fidalgo da Casa Real de D. Afonso V (1432-1481), e de D. Manuel I (1495-1521).
Em 15-I-1475, por concessão de D. Afonso V, obteve “todas as rendas e direitos da cidade da Guarda, e que à sua morte o seu filho mas velho as possa receber”, como ficou registado na Chancelaria de D. Afonso V (liv. 6, f. 2.).

Teve vários filhos, dos quais houve geração com muitos homónimos.

Sabemos ainda da existência de um homónimo destacado cidadão da Covilhã que foi JOÃO DE SOUZA FALCÃO (c. 1640), provedor da Santa Casa da Misericórdia da Covilhã (1635-1636) e procurador da vila da Covilhã às Cortes de 1640.



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Bibliografia:

BLOG “Covilhã – Mosteiro de Santa Maria da Estrela I. Acesso em: 31-VIII-2018. Disponível em http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.com/2011/06/covilha-mosteiro-de-santa-maria-da.html
BRONSEVAL, Frère Claude de (XVI). Peregrinatio Hispanica. Voyage de Dom Èdeme de saulieu, Abbé de Clairvaux, en Espagne et au Portugal (1531-1533) ed. Cocheril, Maur (1970) Paris: PUF.
COCHERIL, Maur (1970). Introduction et notes, in BRONSEVAL, Frère Claude de; Peregrinatio Hispanica. Voyage de Dom Èdeme de saulieu, Abbé de Clairvaux, en Espagne et au Portugal (1531-1533). Paris: PUF.
DIAS, Miguel Nuno Peixoto de, Blog “Covilhã – Subsídios para a sua História”. Disponível em https://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.com/
GAIO, Manuel José da Costa Felgueiras – Nobiliário das famílias ilustres de Portugal, vol. X. Braga: Carvalhos de Basto, 1992.
MARTINS, Ana Maria Tavares (2011). Maceira de Covelliana: da cidade monástica à cidade do homem. Covilhã: Universidade da Beira Interior,
MENDONÇA, Manuela (1991). D. Jorge da Costa Cardeal de Alpedrinha. Lisboa, Colibri, 1991.
SANCHES DE BAENA, Visconde. Archivo heraldico-genealogico. 1.ª ed.  Lisboa, Typographia Universal, 1872.
SEIXAS, Miguel Metelo (2004). Os ornamentos exteriores na Heráldica Eclesiástica. Lisboa, Universidade Lusíada, 2004.
SOVERAL, Manuel Abranches Sobral, Ensaio sobre a origem dos Proença, Porto, 2010, p. 12. Disponível em: http://www.soveral.info/mas/Proenca.pdf  Acesso: 2018-11-14

VICENTE, Maria da Graça (2012). Covilhã medieval, o espaço e as gentes. Lisboa: Colibri História.

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Notas:


[1]     O escudo heráldico ao estilo francês, por vezes com pequenas variantes, foi predominante utilizado no período manuelino.
[2]     As moletas (do francês, mollete), ou rosetas das esporas dos cavaleiros, são regra geral representadas com 6 pontas, tendo um orifício circular no centro. Porém, há famílias que representam as moletas com 8 pontas, como é o caso dos MATELA cujo apelido passaria a METELO, e tinham no timbre “duas esporas de ouro com as rosetas para baixo” (ZUQUETE, Afonso, Armorial Lusitano, pp. 305-306).
[3]     Juntamente com a supressão do Mosteiro de Santamaria da Estrela (Boidobra), também foi extinto o Mosteiro de Santa Maria do Ermelo (Arcos de Valdevez), e o Mosteiro de Tamarães (Ourém), do qual também já não há vestígios.
[4]     ANTT, Memórias paroquiais, Boidobra, vol. 7, nº 31, p. 951 a 954  
[5]     As armas FALANTES, são armas cujas insígnias têm analogia com o apelido da pessoa a que as trazia.
[6]     As armas ASSUMIDAS, não derivam do uso de herança, ou concessão, mas são tomadas por alguém para seu uso, à semelhança do que acontecia no início da Idade Média.
[7]     Um eclesiástico podia compor as sua armas a partir das armas da sua família, do seu cargo, ou da sua fé. O Cardeal de Alpedrinha, sem origem nobre e grande devoto de Santa Catarina, usou armas de fé.
[8]     Quanto ao cordão de borlas: no caso de D. Jorge da Costa, cordão com 15 borlas; quanto a D. Pedro Vaz Gavião, cordão com 6 borlas.
[9]     Os Morgadios, regra geral, eram instituídos – por testamento, escritura, etc. – para perpetuar o apelido e as armas de uma família ilustre ou o nome dos seus fundadores, quase sempre sepultados em capelas familiares à sua custa edificadas, com vários encargos piedosos pelas almas dos antepassados. Temos um morgado quando a maior parte do rendimento dos bens vinculados é destinado ao herdeiro, sendo a parte destinada a obrigações piedosas de um montante muito mais pequeno. Temos uma capela quando os encargos com as obras piedosas absorvem a maior parte do rendimento dos mesmos bens.
[10]   O Convento de São Francisco da Covilhã foi a última morada de ilustres famílias da região. Nele foram sepultados os Castros (com capela própria), os Cabrais, os Cunhas, os Coutinhos, e muitas outras. Em troca de algumas destas sepulturas, eram-lhe doadas propriedades.
[11]   ANTT, Chancelaria de D. Afonso V, Índice dos próprios, L 33.